domingo, 25 de julho de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 13 ÍTENS 12 e 13- MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO DIREITA

A Beneficência

1. A quem cabe socorrer os necessitados?
Além do Estado, a quem incumbe esta responsabilidade, cabe a todos nós socorrermos os necessitados, sobretudo aqueles irmãos que estão mais perto de nós. A ajuda aos nossos irmãos independe da condição social e econômica de quem ajuda.

“Oh! Meus amigos, que de misérias, que de lágrimas, quanto tendes de fazer para secá-las todas.”.

2. O infortunado pela miséria não é vítima da própria indolência?
Nem sempre. Na maioria das vezes são espíritos em provações dolorosas, que não conseguem evitar a miséria nem superá-la, necessitando do nosso auxílio fraterno.

“(...) vi pobres mães cujos filhos passavam privações... vi pobres velhos sem trabalho... eles, que nunca mendigaram, implorar a piedade dos transeuntes.”

3. Como podemos agir ao socorrer os necessitados?
Procurando fazer por eles o que gostaríamos nos fosse feito se estivéssemos em igual situação, agindo discretamente com respeito e amor.

“Não vos digo o que deveis fazer; deixo aos vossos bons corações a iniciativa. Se eu vos ditasse o preceder, nenhum mérito vos traria a vossa boa ação.”

4. Sendo a miséria do mundo tão grande, de que adiantará uma ação individual se não resolvê-la?
É bem verdade que as pequenas ações individuais não resolverão a miséria do mundo. Mas, através delas, as dores de um infortunado podem ser minoradas, a fome de um carente saciada, a solidão de um irmão atenuada.

Não pretendemos acabar com a miséria do mundo, mas contribuir para minorá-la, fazendo nossa parcela d caridade, por menor que seja e da melhor maneira possível, sem nos importar com a dos outros.

5. Qual a recompensa daqueles que se fazem instrumentos da caridade?
A alegria bem praticada, pois quem faz a verdadeira caridade nada mais almeja como retribuição, senão a satisfação daqueles a quem auxilia.

A caridade é uma fonte inesgotável: quanto mais a praticamos, mais generosos nos tornamos e com maior facilidade atendemos os irmãos em aflição. Embora devamos fazer o bem sem esperar recompensa, ao que assim age, a vida reserva os deleites da paz de espírito, o abrandamento das próprias provas e os méritos decorrentes.

6. Qual a importância da beneficência para o nosso progresso espiritual?
Além de se constituir em auxílio ao próximo, a beneficência gera felicidade interior e se constitui no melhor caminho para nos aproximar de Deus.

“Acompanhai-me, pois, meus amigos, a fim de que vos conte entre os que se arrolam sob a minha bandeira. Nada temais; eu vos conduzirei pelo caminho da salvação, porque sou a caridade.”

Conclusão:

Praticando todo o bem que estiver ao nosso alcance, experimentaremos as suaves alegrias da paz interior e seguiremos, mais rapidamente, a estrada que nos conduz a Deus.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 13 ÍTEM 11 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO DIREITA

A Beneficência

1. Por que a prática da beneficência nos proporciona as mais doces e verdadeiras alegrias, neste mundo?
Porque nos liberta do egoísmo, aproximando-nos do irmão necessitado e, conseqüentemente, de Deus. Em decorrência, sentimos uma alegria que nem o remorso, nem a indiferença, perturbam.

“Pudésseis, meus amigos, ter por única ocupação tornar felizes os outros.” Quais as festas mundanas que podereis comparar às que celebrais, quando (...) levais a alegria a essas famílias que da vida apenas conhecem as vicissitudes e as amarguras?”

2. Devemos esperar que o próximo nos peça ajuda?
Não. É dever de todos nós ir ao encontro do infortúnio, das misérias ocultas, aliviando dores e trazendo alegrias aonde havia amarguras e desespero.

“Compreendei as obrigações que tendes para com os vossos irmãos. Ide, ide ao encontro do infortúnio.”

3. Onde está expresso esse dever ( de aliviar as dores do nossos irmãos)?
Em todas as palavras e atos do Cristo, nos ensinando o “amai-vos uns aos outros”, e, mais claramente, neste preceito: “quando vestirdes a um destes pequeninos, lembrai-vos de que é a mim que o fazeis.”

“O companheiro que se te afigura incorrigível pelos desgostos que te impõe, é um enfermo da alma, a pedir-te doses reiteradas de compreensão e socorro, de modo a refazer-se.”.

4. Qual a importância da caridade para os povos que habitam a Terra?
Está virtude irá conduzi-los à felicidade, pois, praticando-a, acharão consolação para seus sofrimentos no presente e criarão para si infinitos gozos, no futuro.

“Caridade (...) tu lhes serás a consolação, o prelibar das alegrias de que fruirão mais tarde, quando se acharem reunidos no seio do Deus de amor.”.

5. Onde devemos buscar a nossa a paz?
É na caridade que devemos buscar a paz do coração, o contentamento da alma, o remédio para as aflições da vida.

“(...) quando estiverdes a ponto de acusar a Deus, lançai um olhar para baixo de vós... e vede... Quanto bem a fazer...”.

6. De que modo podemos praticar a beneficência?
De vários modos: socorrendo crianças sem família ou idosos esquecidos e abandonados; visitando enfermos e solitários; concedendo nossa simpatia, amor e recursos materiais aos que deles necessitem.

“Colhereis nesse mundo bem doces alegrias e, mais tarde... só Deus o sabe!...”

Conclusão:

A prática da beneficência pura e desinteressada nos leva a socorrer o irmão necessitado e nos liberta do egoísmo, tornando-nos felizes neste mundo. Constitui-se, por isso, em dever, tanto para com o nosso próximo como para nós mesmos.

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 41 - JULIANA SOLARE



Convocados a Luta

Nos primeiros dias de setembro de 1939, "Nosso Lar" sofreu, igualmente, o choque por que passaram diversas colônias espirituais, ligadas à civilização americana. Era a guerra européia, tão destruidora nos círculos da carne, quão perturbadora no plano do espírito. Entidades numerosas comentavam os empreendimentos bélicos em perspectiva, sem disfarçarem o imenso terror de que se possuíam.
Sabia-se, desde muito, que as Grandes Fraternidades do Oriente suportavam as vibrações antagônicas da nação japonesa, experimentando dificuldades de vulto. Anotavam-se, porém, agora, fatos curiosos de alto padrão educativo. Assim como os nobres círculos espirituais da velha Ásia lutavam em silêncio, preparava-se "Nosso Lar" para o mesmo gênero de serviço. Além de valiosas recomendações, no campo da fraternidade e da simpatia, determinou o Governador tivéssemos cuidado na esfera do
pensamento, preservando-nos de qualquer inclinação menos digna, de ordem sentimental.
Reconheci que os Espíritos superiores, nessas circunstâncias, passam a considerar as nações agressoras não como inimigas, mas como desordeiras e cuja atividade criminosa é imprescindível reprimir.
- Infelizes dos povos que se embriaguem com o vinho do mal - disseme Salústio -; ainda que consigam vitórias temporárias, elas servirão somente para lhes agravar a ruína, acentuando-lhes as derrotas fatais.
Quando um país toma a iniciativa da guerra, encabeça a desordem da Casa do Pai, e pagará um preço terrível.
Observei, então, que as zonas superiores da vida se voltam em defesa justa, contra os empreendimentos da ignorância e da sombra, congregados para a anarquia e, conseqüentemente, para a destruição. Esclareceram-me os colegas de trabalho que, nos acontecimentos dessa natureza, os países agressores convertem-se, naturalmente, em núcleos poderosos de centralização das forças do mal. Sem se precatarem dos perigos imensos, esses povos, com exceção dos espíritos nobres e sábios que lhes integram
os quadros de serviço, embriagam-se ao contacto dos elementos de perversão, que invocam das camadas sombrias. Coletividades operosas convertem-se em autômatos do crime. Legiões infernais precipitam-se sobre grandes oficinas do progresso comum, transformando-as em campos de perversidade e horror. Mas, enquanto os bandos escuros se apoderam da mente dos agressores, os agrupamentos espirituais da vida nobre
movimentam-se em auxílio dos agredidos.
Se devemos lastimar a criatura em oposição à lei do bem, com mais propriedade devemos lamentar o povo que olvidou a justiça.
Logo após os primeiros dias que assinalaram as primeiras bombas na terra polonesa, encontrava-me, ao entardecer, nas Câmaras de Retificação, junto de Tobias e Narcisa, quando inesquecível clarim se fez ouvir por mais de um quarto de hora. Profunda emoção nos invadira a todos.
É a convocação superior aos serviços de socorro a Terra - explicou-me Narcisa, bondosamente.
- Temos o sinal de que a guerra prosseguirá, com terríveis tormentos para o espírito humano - exclamou Tobias, inquieto -, embora a distância, toda a vida psíquica americana teve na Europa a sua origem. Teremos grande trabalho em preservar o Novo Mundo.
A clarinada fazia-se ouvir com modulações estranhas e imponentes.
Notei que profundo silêncio caiu sobre todo o Ministério da Regeneração.
Atento à minha atitude de angustiosa expectativa, Tobias informou:
- Quando soa o clarim de alerta, em nome do Senhor, precisamos fazer calar os ruídos de baixo, para que o apelo se grave em nossos corações.
Quando o misterioso instrumento desferiu a última nota, fomos ao grande parque, a fim de observar o céu. Profundamente comovido, vi inúmeros pontos luminosos, parecendo pequenos focos resplandecentes e longínquos, a librarem-se no firmamento.
- Esse clarim - disse Tobias igualmente emocionado - é utilizado por espíritos vigilantes, de elevada expressão hierárquica.
Regressando ao interior das Câmaras, tive a atenção atraída para enormes rumores provenientes das zonas mais altas da colônia, onde se localizavam as vias públicas.
Tobias confiou a Narcisa certas atividades de importância junto aos enfermos e convidou-me a sair, para observar o movimento popular.
Chegados aos pavimentos superiores, de onde nos poderíamos encaminhar à Praça da Governadoria, notamos intenso movimento em todos os setores. Identificando-me o espanto natural, o companheiro explicou:
- Estes grupos enormes dirigem-se ao Ministério da Comunicação, à procura de noticias. O clarim que acaba de soar, só vem até nós em circunstâncias muito graves. Todos sabemos que se trata da guerra, mas é possível que a Comunicação nos forneça algum detalhe essencial. Observe os transeuntes.
Ao nosso lado, vinham dois senhores e quatro senhoras, em conversação animada.
- Imagine - dizia uma - o que será de nós no Auxílio. Há muitos meses consecutivos, o movimento de súplicas tem sido extraordinário.
Experimentamos justa dificuldade para atender a todos os deveres.
- E nós, com a Regeneração? - objetava o cavalheiro mais idoso - os serviços prosseguem consideravelmente aumentados. No meu setor, a vigilância contra as vibrações umbralinas reclama esforços incessantes.
Estou avaliando o que virá sobre nós...
Tobias segurou-me o braço, de leve, e exclamou:
- Adiantemo-nos um pouco. Ouçamos o que dizem outros grupos.
Aproximando-nos de dois homens, ouvi um deles perguntando:
- Será crivei que a calamidade nos atinja a todos?
O interpelado, que parecia portador de grande equilíbrio espiritual, replicou, sereno:
- De qualquer modo, não vejo motivo para precipitações. A única novidade é o acréscimo de serviço que, no fundo, constituirá uma bênção.
Quanto ao mais, tudo é natural, a meu ver. A doença é mestra da saúde, o desastre dá ponderação. A China está sob a metralha, há muito tempo, e não mostrou você, ainda, qualquer demonstração de assombro.
- Mas agora - objetou o companheiro, desapontado - parece que serei compelido a modificar meu programa de trabalho.
O outro sorriu e ponderou:
- Helvécio, Helvécio, esqueçamos o "meu programa" para pensar em "nossos programas".
Atendendo a novo gesto de Tobias, que me reclamava atenção, observei três senhoras que iam na mesma direção à nossa esquerda, verificando que o pitoresco não faltava, igualmente ali, naquele crepúsculo de inquietação.
- A questão impressiona-me sobremaneira - dizia a mais moça -, porque Everardo não deve regressar do mundo agora.
- Mas a guerra - disse uma das companheiras -, ao que parece, não alcançará a Península. Portugal está muito longe do teatro dos acontecimentos.
- Entretanto - indagou a outra componente do trio -, por que semelhante preocupação? Se Everardo viesse, que aconteceria?
- Receio - esclareceu a mais jovem - que ele me procure na qualidade de esposa. Não o poderia suportar. É muito ignorante e, de modo algum, me submeteria a novas crueldades.
- Tola que és! - comentou a companheira - olvidaste que Everardo será barrado pelo Umbral, ou coisa pior?
Tobias, sorrindo, informou:
- Ela teme a libertação de um marido imprudente e perverso.
Decorridos longos minutos, em que observávamos a multidão espiritual, atingimos o Ministério da Comunicação, detendo-nos ante os enormes edifícios consagrados ao trabalho informativo.
Milhares de entidades acotovelavam-se, aflitamente. Todos queriam informações e esclarecimentos. Impossível, porém, um acordo geral.
Extremamente surpreendido com o vozerio enorme, vi que alguém subira a uma sacada de grande altura, reclamando a atenção popular. Era um velho de aspecto imponente, anunciando que, dentro de dez minutos, far-se-ia ouvir um apelo do Governador.
- É o Ministro Esperidião informou Tobias, atendendo-me a curiosidade.
Serenado o barulho, daí a momentos ouviu-se a voz do próprio Governador, através de numerosos alto-falantes:
- "Irmãos de "Nosso Lar", não vos entregueis a distúrbios do pensamento ou da palavra. A aflição não constrói, a ansiedade não edifica.
Saibamos ser dignos do clarim do Senhor, atendendo-Lhe a Vontade Divina no trabalho silencioso, em nossos postos."
Aquela voz clara e veemente, de quem falava com autoridade e amor, operou singular efeito na multidão. No curto espaço de uma hora, toda a colônia regressava à serenidade habitual.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 17- ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



17 – Recuando no Tempo

Depois do nosso esforço de autocondensação, para o necessário ajuste vibratório, Clarêncio abeirou-se dos dois amigos, com o amoroso poder que lhe era característico, e, em nos reconhecendo, Mário associou-nos a presença ao pesadelo da véspera e passou a clamar:
– Meu caso não é com a polícia!... Não precisamos de qualquer delegado aqui!...
– Acalma-te, amigo! – respondeu o Ministro, atencioso. – Não somos quem julgas. Estamos aqui para que te lembres... É indispensável te recordes.
E, situando a destra na fronte do enfermeiro, reparamos que Mário Silva aquietava-se, de repente.
O semblante dele acusou estranha metamorfose.
Afigurou-se-nos mais elegante, mais jovem.
Abriu desmesuradamente os olhos, depois de alguns momentos, e exclamou, semi-aterrado:
– Ah! agora!... agora me lembro!... Meu agressor de ontem é Leonardo Pires... Como poderia esquecê-lo assim tão infantilmente?
Como não rememorar? Disputávamos a mesma mulher...
Achávamo-nos em Luque, quando conheci a cantora e bailarina admirável... Lola Ibarruri! Quem senão ela poderia oferecer-me o bálsamo do esquecimento? Realmente fiz tudo para separá-los...
Ele não era o tipo de homem capaz de fazê-la feliz! Lola trazia consigo a beleza, a juventude e a arte reunidas e eu carregava no peito o esquife dos sonhos mortos... Deu-me o repouso de que minhalma necessitava... restaurou-me. Mas... que domingo terrível aquele da praça embandeirada, em Piraju!... Deslocavam-se as forças para a caça ao inimigo... Imaginava, porém, a melhor maneira de reencontrar a mulher querida e, naquela manhã de terrível memória, consegui a simpatia de Frei Fidélis, antes da missa... O caridoso capuchinho auxiliar-me-ia, advogando-me a causa... Lola
não deveria movimentar-se, entretanto, poderia, por minha vez, tornar à retaguarda!... Os maiorais eram meus amigos!... Obteria, por isso, o favor do Príncipe!... Arquitetava meus planos, quando encontrei Leonardo... Não supunha conhecesse ele a deserção da companheira e procurei agradá-lo, aceitando-lhe a companhia... O suculento repasto exigia algum trago de vinho e Pires não hesitou,
ministrando-me o veneno que trazia às ocultas!... Ah! bandido!
bandido!...
Mário levou as mãos à garganta, como se registrasse enorme sofrimento e caiu, desamparado, gemendo de dor.
O Ministro, paciente, aplicou-lhe recursos magnéticos balsamizantes e o rapaz levantou-se, aturdido.
Amaro, que se mostrava igualmente transtornado, acompanhava a cena com manifesta aflição.
Clarêncio ajudou o enfermeiro a firmar-se de novo sobre os pés e perguntou, concitando-o a relembrar:
– Por que razão te afeiçoaste à cantora, com tamanho desvario?
Porque não atendeste aos avisos da consciência, que, decerto, te rogava não despertasses o ódio naquele que te aniquilaria o corpo físico?
Apresentando a expressão de um louco, Mário desferiu desconcertante gargalhada e bradou:
– Porque amei Lola Ibarruri? Porque não tive escrúpulos em arrebatá-la ao companheiro que a retinha nos braços?
Nosso instrutor afagava-lhe a cabeça com o evidente intuito de reavivar-lhe a memória.
– Ah! sim!... – prosseguiu Mário Silva, alarmado – ausentei-me de Assunção com o espírito irremediavelmente desiludido...
De olhar vagueante, como se surpreendesse o passado ao longe, nos recôncavos da noite, continuou:
– Nos arredores da formosa capital paraguaia, construíra minha casa e era feliz!... Lina era o tesouro de meu coração... Minha amiga e minha esposa, minha esperança e minha razão de ser...
Descendente de uma das famílias de Mato Grosso aprisionadas pelo inimigo, na invasão de dezembro de 1864, encontrei-a sem parentes, asilada por respeitável família, que a adotara por filha estremecida!... Ah! quando lhe fitava os olhos claros e doces,
sentia-me transportado a céus imensos... Era tudo o que a mocidade ideara de mais lindo para o meu coração... Nela encontrava a divina novidade de cada dia e, apesar das vicissitudes da guerra, mergulhávamo-nos ambos na rósea corrente dos mais belos sonhos...
O próprio Marquês de Caxias conheceu-a e animou-nos a união... Foi assim que, em janeiro de 1869, quando a trégua nos atingira, um sacerdote consagrou-nos o casamento... O Conselheiro Paranhos prometeu ajudar-nos, tão logo regressássemos ao
Brasil, para que o nosso consórcio fosse devidamente festejado...
Vivíamos tranqüilos, como duas aves entrelaçadas no mesmo ninho, quando tive a desgraça de levar ao nosso templo doméstico dois companheiros de trabalho e de ideal... Armando e Júlio...
Sim, seriam eles amigos ou abutres? Sei apenas que Lina e eles se fizeram íntimos em pouco tempo... Com a desculpa de aliviarem os sofrimentos da campanha, os dois passaram a gastar, em nosso pequeno santuário de ventura, todo o tempo que lhes era disponível.
Descansava minhalma na confiança sincera, até que um dia...
O semblante do narrador alterou-se, de súbito. Esgares de amargura modificaram-lhe a feição.
Imprimindo à voz lúgubre acento, continuou, atormentado:
– Até que, um dia, encontrei Lina e Júlio abraçados um ao outro, como se o tálamo conjugal lhes pertencesse.
Cravou em nós o olhar agora coruscante e terrível e acrescentou:
– Compreenderão, acaso, a dor do homem que se vê irremissivelmente atraiçoado pela mulher em que se apóia para viver?
Entenderão o incêndio que lavra no espírito flagelado de quem, num minuto, vê destruídas as esperanças da vida inteira?... Tudo é treva para quem carrega consigo mesmo o carvão dos enganos mortos! Não quis acreditar no que via e interpelei a mulher amada...
Lina, porém, atirou-me em rosto o mais frio desprezo...
Afirmou, rudemente, que não podia amar-me, senão como irmã que se compadece de um companheiro necessitado, que me desposara simplesmente para fugir às humilhações que experimentava numa terra estrangeira e que eu, efetivamente, deveria desaparecer...
Envergonhado, invoquei a proteção de superiores amigos e fugi de Assunção... Eu era, contudo, um homem diferente... A segurança de caráter que cultivava, brioso, fora abalada nos alicerces...
Viciei-me... Confiei-me ao álcool e ao jogo... Do militar responsável, desci à condição de aventureiro infeliz... Foi assim que encontrei Lola e Leonardo e não hesitei em exterminar-lhes a felicidade... É muito difícil albergar respeito aos outros, quando fomos pelos outros desrespeitados.
Valendo-se da pausa que se evidenciava, espontânea, Clarêncio indagou:
– E nunca recebeste notícias da esposa?
Mário Silva, reconduzido à personalidade de Esteves pela influência magnética, exibiu sarcástico sorriso e informou:
– Lina, que passei a odiar, era demasiado cruel. Achava-me não longe de Assunção, depois de três meses sobre a mágoa terrível que me fora assacada, quando vim a saber que Júlio fora igualmente escarnecido por ela. Certo dia, de volta ao lar, encontrou-a nos braços de Armando, o outro amigo que parecia consagrar-nos estima fraternal. Menos forte que eu mesmo, Júlio esqueceu-se do revés com que me dilacerara, semanas antes, e, cego de absorvente afeição, ingeriu grande dose de corrosivo... Socorrido a tempo, na caserna, conseguiu sobreviver, mas, incapaz de suportar os males corpóreos decorrentes da intoxicação, depois de alguns dias embebedou-se deliberadamente e arrojou-se às águas do Paraguai, aniquilando-se, enfim... Depois disso, nada mais soube. A morte aguardava-me em Piraju... O destino marcara-me, impiedoso...
Mário fixou desagradável carantonha e acentuou:
– Sou um poço de fel. Não posso modificar-me... Haverá paz sem justiça e haverá justiça sem vingança?
Nosso orientador ergueu a voz calmante e considerou, generoso:
– É necessário esquecer o mal, meu amigo. Sem aquela atitude de perdão, recomendada pelo Cristo, seremos viajores perdidos no cipoal das trevas de nós mesmos. Sem amor no coração, não teremos olhos para a luz.
Silva dispunha-se a responder, entretanto, Amaro fizera ligeiro movimento e mostrou-se-nos singularmente renovado. Seu veículo espiritual parecia haver regredido no tempo. Revelava-se mais leve e mais ágil e sua face impressionava pelos traços juvenis.
Buscou aproximar-se do enfermeiro num gesto natural de cordialidade, todavia, em lhe observando o rosto metamorfoseado, o antagonista bradou entre o ódio e a angústia:
– Armando! Armando! ... Pois és tu? O Amaro que hoje detesto é o mesmo Armando de ontem? Onde me encontro? Enlouqueci, porventura?...
Instruindo-nos, cuidadoso, Clarêncio falou, rápido:
– Não precisei despender grande esforço para que a memória de Amaro tornasse ao pretérito. O sofrimento reparador conferiulhe à mente e à sensibilidade recursos novos. Bastou-me tocá-lo de leve, para que aproveitasse a digressão do antigo companheiro, recuperando as recordações da época em estudo...
O esposo de Zulmira procurava estender braços amigos ao adversário que o contemplava, galvanizado de assombro; contudo, recuando, de repente, como animal ferido, Mário gritou em desespero:
– Não, não! não te acerques de mim! Não me provoques, não me provoques!...
O Ministro, no entanto, situando-se entre os dois, pediu, comovidamente:
– Tenhamos calma! Respeitemo-nos uns aos outros!
E, dirigindo-se particularmente ao enfermeiro, determinou, sem afetação:
– Agora, é o momento de nosso amigo. Comentaste o pretérito à vontade. É indispensável que Amaro fale por sua vez. A justiça, em qualquer solução, deve apreciar todas as partes interessadas.
Contido pela força moral da advertência, Mário calou-se e, voltados então para o ferroviário, que se fizera mais simpático pela serenidade de que se investira, continuamos à escuta.

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 16 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



16 – Novas Experiências

Noite fechada e alta, tornamos ao domicílio do enfermeiro,seguidos de Clarêncio, que funcionava, como sempre, junto de nós, por mentor diligente e amigo.
Mário Silva, estirado nos lençóis, debalde procurava dormir.
O sonho da véspera castigava-lhe o pensamento.
Ruminando as impressões da manhã, refletia de si para consigo:
– “seria realmente Amaro, o rival, quem lhe surgira na forma de um criminoso? e aquela mulher chorosa e acabrunhada seria, porventura, Zulmira, a companheira de infância, que ainda lhe feria as recordações? Onde o motivo de semelhante reencontro?
Teimava em afastar para longe as reminiscências da mocidade...por isso mesmo, não acreditava estivesse nele próprio a causa do estranho pesadelo... Permanecia convicto de que alguém o chamara, nitidamente, pronunciando palavras que o constrangiam a atender... Estaria Zulmira em apuros? E esta, acaso se recordaria dele? E se as suas conjecturas expressassem a verdade, teria o direito de reaproximar-se? Não imaginava isso possível... A chaga do brio retalhado ainda lhe sangrava no coração. Não seria justo acudi-la, nem mesmo a pretexto de socorrer. Conhecia-lhe o esposo de relance, mas o suficiente para detestá-lo, com todas as reservas de ódio de que se sentia capaz. Ainda mesmo que a mulher, outrora querida, lhe suplicasse assistência, cabia-lhe ser surdo aos seus rogos...”
Hipóteses inquietantes e perguntas sem resposta lhe assediavam o cérebro toldado de apreensão e rancor.
A antiga aversão pelo rival preponderava, dominando-o.
Porque não voltar ao sonho da noite anterior, de modo a tentar uma solução?
A figura de Amaro crescia-lhe no campo mental.
“Se as almas podiam efetivamente reencontrar-se, fora do corpo – prosseguia divagando –, decerto conseguiria rever o adversário e revidar... Se fora invocado em sonho, era lícito invocar quem quisesse... Chamaria o renegado esposo de Zulmira a
explicar-se. Concentraria nele o poder do pensamento. Buscá-loia onde estivesse.”
O Ministro contemplava-o, compadecido.
Valendo-se dos minutos para ensinar-nos algo proveitoso, observou:
– A paixão cega sempre. Nossa vida mental é a nossa vida verdadeira e, por isso, quando a paixão nos ocupa a fortaleza íntima, nada vemos e nada registramos senão a própria perturbação.
Em seguida, aplicou passes balsamizantes sobre o rapaz, que se virava, desajustado, no leito.
Mário, qual se houvera sorvido brando anestésico, relaxou os nervos e descansou o comboio físico, mas, ressurgindo em nosso plano, começou a extravasar os sentimentos que lhe senhoreavam o espírito.
Não nos assinalava a presença, continuando, porém, sob a nossa observação, em seus mínimos movimentos.
Espantadiço e tateante, vagueou pelos ângulos do quarto no veículo perispirítico, extremamente condensado.
Todavia, pouco a pouco, esgazearam-se-lhe os olhos, dandonos a idéia de quem se detinha em aflitivos quadros íntimos.
Anotando-nos o assombro silencioso, o instrutor socorreunos, explicando:
– Qual acontece ao nosso amigo Leonardo, o novo companheiro padece angustioso complexo de fixação. Embora tenha o seu caso particular, algo suavizado pelas lutas da carne, que, por vezes, constituem abençoado entretenimento, não consegue diluir
a obcecante recordação do inimigo. A mágoa é-lhe inquietante ferida mental. Enquanto se distrai nas tarefas comuns, alheia-se, de alguma sorte, ao tormento oculto que transporta consigo, mas, em se vendo espiritualmente a sós, dá curso ao ódio coagulado, desde muito, no coração. Observemo-lo!
Mário desceu para a rua, à maneira de louco, e, inalando o ar refrescante da noite, forneceu a impressão de quem se revigorava, de súbito, passando a gritar, com voz estridente:
– Amaro, ladrão! Amaro, usurpador! aparece! Se tens dignidade, afronta-me a vingança!... Não tremerei!... Onde ocultaste a mulher que eu amo? Responde, responde!...
Silva caminhava semi-ébrio, sem direção; contudo, arremessava as palavras no ar, com veemência e segurança.
Havíamos dobrado esquinas diversas e eis que, quando menos esperávamos, surge alguém ao encontro dele, em plena via pública.
Copiando o impulso do ferro atraído pelo ímã, o esposo de Zulmira, em seu corpo sutil, correspondia ao chamado estranho do inimigo, desligado parcialmente da carne.
Defrontaram-se, a princípio, altivamente; entretanto, logo após, com as maneiras do homem mais educado, Amaro esboçou delicado recuo, revelando-se preocupado em evitar conflitos e aborrecimentos.
O enfermeiro, porém, de ânimo revel, bradou, desconcertante:
– Não te acovardes, bandido! Não fujas!... Temos contas a ajustar!...O ferroviário, contudo, afastava-se, rápido.
O adversário, no entanto, sem arrefecer no ímpeto, seguia-o, inflexível, longe de renunciar ao escuro propósito de agressão.
Acompanhávamos ambos, quarteirão a quarteirão, até que esbarramos à entrada do abrigo doméstico que já conhecíamos, onde Amaro dispôs-se ao ajuste pacífico.
Demonstrando-se interessado em defender a tranqüilidade familiar, o dono da casa estacou à porta, aguardando o provocador.
– Então – bradou Silva, exasperado –, é aqui o ninho das serpentes?
Levantando os punhos contra o rival humilde, prosseguiu, rixento:
– Pagar-me-ás muito caro a intromissão! Infame enganador, onde puseste a mulher que era minha felicidade e minha vida?
Quebraste-me os sonhos, aniquilaste-me os ideais!... Homem terrível, que fizeste de mim? Sou apenas máquina de trabalho, sem fé e sem esperança!...
– Eu não sabia, não sabia!... – alegou Amaro, desapontado – nunca tive a intenção de ofender-te!
– Maldito! como sabes dissimular! Onde está Zulmira? Devo exterminar-te para restituir-me a independência?
E afrontado pela serenidade do outro, o enfermeiro acentuou:
– Não me reconheces, acaso?
– Sim, reconheço-te – falou o interlocutor num suspiro –, és Mário Silva, pessoa a quem devoto consideração e respeito.
– Consideração e respeito? que deslavado fingimento! Onde a prova de apreço, se me arrancaste a noiva, engodando-a com mentirosas promessas?
– Somente soube de tua velha afeição por ela quando meus compromissos no matrimônio não admitiam qualquer recuo. Se alguém, todavia, me houvesse comunicado lealmente quanto se desenrolava, em torno de minha preferência, teria renunciado em teu favor. Desejaria realmente servir-te, entretanto, agora...
– Hipócrita! – tornou Mário, enfurecido – não creio em tua palavra de lobo disfarçado. Roubaste-me a única felicidade que eu esperava do mundo! a única felicidade que era minha!...
Amaro fixou triste sorriso e obtemperou:
– E acreditas que eu seja feliz? Admites no casamento apenas a exaltação dos sentidos inferiores? Crês que o homem consorciado deva encontrar na mulher simplesmente uma escrava? Anuo em Zulmira a companheira e a irmã que me cabe proteger. Nem ela e nem eu encontramos na experiência conjugal a ventura das
afeições cor-de-rosa, em que o desejo contentado é como a flor que morre num dia... Temos padecido muito, Mário. Não ignoras que me casei em segundas núpcias. Zulmira, por isso mesmo, não terá recolhido em mim a perfeita alegria que lhe seria lícito esperar.
Nossa aproximação começou por uma série de desajustes, que culminaram com a morte do meu caçula, num terrível desastre...
Desde então, nossa casa é um espinheiro de sofrimento... Minha esposa adoeceu gravemente e eu mesmo, até agora, continuo agoniado e desfalecente... Saberias, porventura, o que seja a desdita de um pai que chora sem lágrimas, mortalmente ferido? Se dívidas possuo para com a Divina Providência, podes acreditar que não tenho amargado pouco, a fim de ressarci-las... A morte para mim não passaria de bênção libertadora. Como podes observar, não me vejo em condições de aceitar-te o desafio! Estou dilacerado e, mais que dilacerado, vencido...
Com enternecedora inflexão de súplica, acentuou:
– Se ainda consagras amor à criatura que desposei, ajuda-nos com a tua Copreensão!... Se te fiz algum mal, inconscientemente visco te, perdoa-me! Perdoa-me pelas angústias da minha existência de condenado a horríveis provas morais!...
Mário Silva, com espanto nosso, retribuiu com escandalosa gargalhada.
– Desculpar? Nunca! – exclamou jactancioso. – Pelo tom da conversa, concluo que a justiça começou a expressar-se, devidamente, mas abreviá-la-ei com as minhas próprias mãos... Meu desforço é certo, meu ódio é inexorável!...
Amaro não mais respondeu.
Vimo-lo curvar a cabeça em oração fervorosa. Suaves irradiações de esmeraldina luz escapavam-lhe da fronte. As palavras inarticuladas de que se servia, para implorar socorro, alcançavamnos o espírito, qual se fossem ondas caloríferas e harmoniosas de
humildade e confiança.
Silva, incapaz de sensibilizar-se, ante a rendição comovente, prosseguia gritando:
– Porque silencias, covarde? Fala, fala! Explica-te!... Reage!
Dominaste Zulmira, mas não me dobrarás um milímetro!... Criminosos de tua laia não merecem compaixão!...
Nessa altura do diálogo, Clarêncio convocou-nos, paternal:
– Respondamos à prece de Amaro, com o auxílio fraterno.
Arrastados pela simpatia e pela emoção, acompanhamos o nosso orientador, sem hesitar.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 15 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



15 – Além do Sonho

Tornando a Esteves, Clarêncio ofereceu-lhe o braço amigo, mas o moço prorrompeu em súplica:
– Não me prendam! Não me prendam! Sou a vítima!...
O Ministro absteve-se de continuar em sua afetiva manifestação.
No passo vagaroso de quem carrega um fardo de aflição, o inimigo de Leonardo retirou-se para a via pública, regressando ao aconchego doméstico.
Seguimo-lo a pequena distância.
Renovava-se o dia.
Pedestres marchavam diligentes, na direção do trabalho.
Bondes rangiam, sonolentos, e os autos, aqui e ali, começavam a transitar pelas ruas.
Em breve tempo, o rapaz, seguido de nosso grupo, estacionou à frente de vasto conjunto residencial.
Grande relógio próximo exibia o mostrador.
Cinco horas e trinta minutos.
Embatucado, o moço voltou-se para nós, e, em seguida, desapareceu no interior.
Entramos.
Em momentos rápidos, achávamo-nos diante dele, que se esforçava por reaver o corpo físico.
O Ministro, sem molestá-lo, amparou-o afetuosamente e Esteves, pouco a pouco, recuperou a calma natural.
Mantinha-se em suave modorra, quando o despertador tilintou, faltando quinze minutos para seis.
O rapaz esfregou os olhos, de carantonha amarrada, guardando a impressão de mau sonho.
Vestindo-se, apressado, notamos que minúsculo cartão de visita lhe caiu do bolso, ensejando-nos a leitura de um nome: – “Mário Silva, Enfermeiro”.
E o nosso instrutor reafirmou:
– Nosso amigo, ontem Esteves, hoje é Mário Silva, prosseguindo em sua vocação para a enfermagem. Ouçamo-lo por alguns momentos.
O moço atendeu às obrigações da higiene e, logo após, foi recebido em pequena sala do apartamento por simpática velhinha, em cujo olhar adivinhamos a ternura de mãe.
Depois de saudação carinhosa, a senhora indagou bem humorada:
– Onde esteve esta noite, meu filho? Seu semblante carregado não me engana.
– Um sonho horrível, mamãe.
E fixando gestos expressivos, entre os goles do café notificou:
– Sonhei que alguém me chamava, a distância, em voz alta, e, acreditando tratar-se de algum doente em estado grave, não vacilei.
Corri ao apelo, mas, ao invés de topar um quarto de enfermo, vi-me, de imediato, numa cela mal iluminada e úmida...
E, com os recursos de imaginação de que dispunha para corresponder às requisições da mente, o rapaz continuou:
– Era um perfeito cubículo de prisão, onde me surpreendi encarcerado, de repente, junto de um criminoso de mau aspecto e de infortunada mulher em pranto... Senti tanta simpatia pela moça desventurada, quanta aversão pelo réu de medonha catadura. Tive, porém, a impressão nítida de que nos conhecíamos. Um misto de ódio e sofrimento me tomou de assalto, junto deles, principalmente ao lado do infeliz, cujo olhar se me afigurava cruel... Perguntava, a mim mesmo, porque me não retirava de tão detestável presença, mas, enquanto o homem me repelia a mulher me provocava
o maior enternecimento... Por mais estranho que pareça, experimentava o desejo de agredi-lo e de acariciá-la, ao mesmo tempo.
Achava-me em expectativa, quando o criminoso avançou para mim, com o propósito evidente de liquidar-me, ao passo que a pobrezinha procurava defender-me. Estava atônito, ignorando se o condenado pretendia assassinar-me ali mesmo quando tentei uma
reação à altura! Cego de incompreensível rancor, ia precipitar-me sobre ele, quando, rápido, apareceu um delegado policial, seguido de dois guardas que entraram na contenda, impedindo-nos o mau impulso. O chefe, segundo percebi, de um só golpe conteve o meu agressor, obrigando-o a sentar-se, vencido, conquistando-me um
respeito tão grande que, realmente, apesar do desejo de ouvir a mulher ajoelhada, em soluços não arredei pé do lugar em que me apoiava. Depois de palavras enérgicas e rápidas, o delegado trouxe, então, à cela outros ajudantes que arrastaram meu adversário para fora... Logo após, acomodando-me numa velha cadeira, reconduziu a jovem para o interior do cárcere...
Estampou na fisionomia a expressão de quem se propunha inutilmente lembrar-se e, decorridos longos instantes de reticência, rematou:
– Depois... depois, não consigo precisar as recordações .. Sei apenas que me pus a correr, em fuga para nossa casa, de vez que os policiais se mostravam igualmente dispostos a recolher-me.
Temendo o xadrez, acordei estremunhado e abatido...
A velhinha que escutava atenciosa, comentou calma:
– Há sonhos que valem por terríveis pesadelos...
– É o que senti – concordou Mário, preocupado.
A mãezinha contemplou-o, bondosa, e acrescentou:
– Meu filho, o sonho terá alguma relação com a nossa Zulmira?
A mulher com quem simpatizou não seria, acaso, nossa velha amiga, e o homem que lhe inspirou tanta repugnância não poderia ser interpretado como sendo o esposo dela?
O rapaz cobriu-se de leve palidez, mostrou-se mais taciturno e falou, triste:
– Quem sabe?
– Você nunca mais teve notícia de nossa antiga companheira?
– Não. Tenho apenas a informação de que mora aqui mesmo, onde o marido é ferroviário de importância.
– Nunca pude entender-lhe a atitude. Tantos anos de convivência, tantos projetos de felicidade!... Trocar tudo, assim, por um viúvo, acompanhado de dois filhos!...
O moço fixou um gesto de amargura e observou:
– Ora, mamãe, evitemos recordações sem proveito. Zulmira não deve reaparecer em minha memória e esse Amaro que ela desposou é um ponto negro em meu coração. Creio que o melhor sentimento para eles dois em minha vida íntima é o ódio com que os reúno em minha lembrança. Não desejo revê-los e, francamente, se eu soubesse que residiam aqui, em nossa vizinhança, decidiria nossa transferência para outro rumo...
E, transcorridos alguns instantes, ajuntou:
– Meu sonho foi um simples pesadelo. Alguma preocupação imprecisa ou alguma intoxicação alimentar...
A senhora sorriu, desapontada, e aduziu:
– Cá por mim, estou certa de que, à noite, reencontramos as pessoas que amamos ou detestamos. Nosso espírito, no sono, procura os afetos ou os desafetos do caminho para acertar as próprias contas. Disso, não tenho qualquer dúvida.
O filho, indiscutivelmente enfadado, reergueu-se, abraçou a genitora, osculou-lhe a cabeça branca e concluiu:
O relógio é inflexível. O sonho passou e, agora, é a realidade que me espera. Devo cooperar no serviço operatório de duas crianças, às oito em ponto. Não me posso demorar. O hospital não cogita de pesadelos.
Mostrou um sorriso forçado e despediu-se.
A mãezinha acompanhou-o carinhosamente até à porta, retomando os serviços caseiros, pensativa...
Preparando-nos para a retirada, trazia o meu cérebro castigado por obsidiantes interrogações.
Encontráramos um novo capítulo na história da oração de Evelina?
Amaro e Zulmira, mencionados pelo enfermeiro, seriam as mesmas personagens que havíamos visitado anteriormente?
Dispunha-me à inquirição, quando o olhar de Clarêncio cruzou com o meu. Registrando-me a estranheza, informou:
– Já sei o teor de tuas interrogações. Realmente, o nosso novo amigo foi noivo de Zulmira, a senhora obsidiada que conhecemos.
Pretendia desposá-la, mas foi preterido no coração dela por Amaro, que lhe deve assistência e carinho. O passado fala no presente.
Acham-se enredados numa teia de compromissos que lhes reclamam resgate.
– E reencontrar-se-ão para o desdobramento das lutas redentoras em que se envolvem? – perguntou Hilário, admirado.
– Inevitavelmente – acentuou o instrutor com voz segura.
A dona da casa, mãe devotada e sensível, meditando no sonho do filho, embora movimentando automaticamente a vassoura, orava por ele, rogando a Jesus o abençoasse.
Anotávamos-lhe as reflexões na mente preocupada. Sabia quanto custara ao moço renunciar à mulher escolhida. Conhecialhe o temperamento enigmático e receava tornar a vê-lo atormentado e vencido...
O pensamento em prece escapava-lhe da cabeça, como tênue esguicho de luz.
Clarêncio abeirou-se dela e transmitiu-lhe forças calmantes, que lhe sossegaram o coração.
Em seguida, o orientador no-la apresentou, generoso:
– Nossa irmã Minervina é velha conhecida. Recebeu nos braços meia dúzia de filhos que tem sabido conduzir, admiravelmente.
Coração abnegado, alma rica de fé.
Abraçamo-la, carinhosamente, às despedidas. De regresso, reparando que estávamos desejosos de seguir Mário Silva para obter maiores informes, no desenvolvimento de nossa história que começava a ser fascinante, o Ministro recomendou:
– Não convém incomodar nossos amigos no curso das obrigações diuturnas, provocando elucidações que seriam desagradáveis e fora de ocasião. Aguardemos a noite, porque enquanto o corpo físico se refaz a alma invariavelmente procura o lugar ou o objeto
a que imanta o coração.
Ouvimos o orientador e aquietamo-nos.
Cabia-nos aguardar a noite, quando se estenderiam as nossas experiências.

terça-feira, 13 de julho de 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 13 ÍTEM 10 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO DIREITA

A Caridade Material e a Caridade Moral - 2

1. É possível se fazer caridade quando se dispões de poucos ou mesmo de nenhum bem material?
Sim. Mesmo aquele que não dispõe de recursos para fazer a caridade material, encontrará mil maneiras de praticar a caridade moral, por meio de pensamentos, palavras e ações.

Praticar a caridade material é dar do que nos sobra a até do que nos faz falta.
Praticar a caridade moral consiste em se suportarem, uma às outras, as criaturas.


2. Como se pratica a caridade por palavras?
Orando por todos os sofredores, encarnados e desencarnados; desejando sempre o bem do próximo.

“Uma prece, feita de coração, os alivia.”

3. Como se pode praticar a caridade por palavras?
Dando aos nossos familiares e àqueles que convivem conosco um bom conselho, palavras de consolo, estímulo, fé em dias melhores e esperança na misericórdia de Deus.

A boca fala do que está cheio o coração. Aquele que tem amor dentro de si o deixa escapar através de palavras fraternas.

4. E a caridade moral por meio de ações, como a podemos praticar?
Oferecendo ao nosso irmão um sorriso; tendo para com ele um gesto afetuoso; dispensando-lhe singelas atenções; prestando-lhe pequenos favores; enfim, buscando tratá-lo como gostaríamos de ser tratados.

A caridade moral nada custa, materialmente falando, mas é a mais difícil de se praticar.

5. Por que a prece, o bom conselho e o gesto amigo são atos de caridade?
Porque, ao praticá-los, estamos doando ao próximo sentimentos e fluidos benéficos, que nos exigem, quase sempre, grande esforço de abnegação e renúncia.

Elevar o pensamento a Deus, em benefício do próximo, é a forma de praticar a caridade moral.

6. Qual a importância da consciência, na prática da caridade?
A consciência é voz de Deus a nos chamar para que esgotemos todas as nossas possibilidades em favor do próximo, como único caminho para a felicidade.

“Deus, em sua misericórdia infinita, nos pôs no fundo do coração uma centelha vigilante, que se chama consciência...” “Em verdade, devemos a Deus tudo o que temos, mas possuímos o que damos.”

Conclusão:

A caridade não consiste apenas na doação de bens materiais. Uma prece por quem sofre, um gesto de consolo, um sorriso de esperança, são aspectos morais da caridade, que não têm preço.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 40 - JULIANA SOLARE



Quem Semeia Colherá


Eu não sabia explicar a grande atração pela visita ao departamento feminino das Câmaras de Retificação. Falei a Narcisa, do meu desejo, prontificando-se ela a satisfazer-me.
- Quando o Pai nos convoca a determinado lugar - disse, bondosa, -, é que lá nos aguarda alguma tarefa. Cada situação, na vida, tem finalidade definida... Não deixe de observar este princípio em suas visitas aparentemente casuais. Desde que nossos pensamentos visem à prática do bem, não será difícil identificar as sugestões divinas.
No mesmo dia, a enfermeira acompanhou-me, à procura de Nemésia, prestigiosa cooperadora naquele setor de serviço.
Não foi difícil encontrá-la.
Filas de leitos muitos alvos e bem cuidados exibiam mulheres, que mais se assemelhavam a frangalhos humanos. Aqui e ali, gemidos lancinantes; acolá, angustiosas exclamações. Nemésia, que se caracterizava pela mesma generosidade de Narcisa, falou com bondade:
- O amigo deve estar agora habituado a estes cenários. No departamento masculino a situação é quase a mesma.
E, fazendo um gesto significativo à companheira, acentuou:
- Narcisa, faça o obséquio de acompanhar nosso irmão e mostrar os serviços que julgar convenientes ao aprendizado dele. Fiquem à vontade.
Minha amiga e eu comentávamos a vaidade humana, sempre atida aos prazeres físicos, enumerando observações e ensinamentos, quando atingimos o Pavilhão 7. Localizavam-se ali algumas dezenas de mulheres, em leitos separados, um a um, a regular distância.
Estudava eu a fisionomia das enfermas, quando fixei alguém que me despertou mais viva atenção. Quem seria aquela mulher amargurada, de aparência original? Velhice que parecia prematura tipificava-lhe o semblante, em cujos lábios pairava um ricto, misto de ironia e resignação.
Os olhos, embaciados e tristes, mostravam-se defeituosos. Memória inquieta, coração oprimido, em poucos instantes localizei-a no passado. Era Elisa. Aquela mesma Elisa que conhecera nos tempos de rapaz. Estava modificada pelo sofrimento, mas não podia ter quaisquer dúvidas. Lembrei, perfeitamente, o dia em que ela, humilde, penetrara em nossa casa levada por velha amiga de minha mãe, que aceitou as recomendações trazidas, admitindo-a para os serviços domésticos. A princípio, o ritmo comum, nada
de extraordinário; depois, a intimidade excessiva, de quem abusa da faculdade de mandar e da condição de servir alguém. Elisa pareceu-me bastante leviana, e, quando a sós comigo, comentava sem escrúpulo certas aventuras da sua mocidade, agravando com isso a irreflexão de nossos pensamentos. Recordei o dia em que minha genitora me chamou a conselhos justos. Aquela intimidade, dizia, não ficava bem. Era razoável que dispensássemos à serva generosidade afetuosa, mas convinha pautar nossas relações com sadio critério.
Entretanto, estouvadamente, levara eu muito longe a nossa camaradagem.
Sob enorme angústia moral, abandonou Elisa, mais tarde, a nossa casa, sem coragem de me lançar em rosto qualquer acusação. E o tempo passou, reduzindo o fato, em meu pensamento, a episódio fortuito da existência humana. No entanto, o episódio, como alguma coisa da vida, estava também vivo. A minha frente tinha Elisa, agora, vencida e humilhada! Por onde vivera a mísera criatura, tão cedo atirada a doloroso capitulo de sofrimentos?
Donde vinha? Ah!... naquele caso, não me defrontava o Silveira, perto de quem pudera repartir o débito com meu pai. A dívida, agora, era inteiramente minha. Cheguei a tremer, envergonhado da exumação daquelas reminiscências, mas, qual criança ansiosa de perdão pelas faltas cometidas, dirigi-me a Narcisa, pedindo orientação. Eu mesmo me admirava da confiança que aquelas santas mulheres me inspiravam. Talvez nunca tivesse coragem de pedir ao Ministro Clarêncio as elucidações que pedira à mãe de
Lísias e, possivelmente, outra seria minha conduta naquele instante, se tivesse Tobias a meu lado. Considerando que a mulher generosa e cristã é sempre mãe, voltei-me para a enfermeira, confiando mais que nunca.
Narcisa, pelo olhar que me endereçou, parecia tudo compreender. Comecei a falar, contendo o pranto, mas, a certa altura da confissão penosa, minha amiga obtemperou:
- Não precisa continuar. Adivinho o epílogo da história. Não se entregue a pensamentos destrutivos. Conheço o seu martírio moral, de experiência própria. Entretanto, se o Senhor permitiu que reencontrasse agora esta irmã, é que já o considera em condições de resgatar a dívida.
Vendo a minha indecisão, prosseguiu:
- Não tema. Aproxime-se dela e reconforte-a. Todos nós, meu irmão, encontramos no caminho os frutos do bem ou do mal que semeamos. Esta afirmativa não é frase doutrinária, é realidade universal. Tenho colhido muito proveito de situações iguais a esta. Bem-aventurados os devedores em condições de pagar.
E, percebendo-me a resolução firme de empreender o necessário ajuste de contas, acentuou:
- Vamos, mas não se dê a conhecer, por enquanto. Faça-o, depois de beneficiá-la com êxito. Isso não será difícil, pelo fato de continuar ela em cegueira quase completa, temporariamente. Pelas forças que a envolvem, noto-lhe a triste característica das mães fracassadas e das mulheres de ninguém.
Aproximamo-nos. Tomei a iniciativa da palavra confortadora. Elisa identificou-se, dando o próprio nome e prestando, de boa-vontade, outras informações. Havia três meses que fora recolhida às Câmaras de Retificação. Interessado em castigar a mim mesmo, diante de Narcisa, para que a lição me penetrasse nalma com caracteres indeléveis, perguntei:
- E sua história, Elisa? Deve ter sofrido muito...
Sentindo a inflexão afetuosa da pergunta, sorriu, muito resignada, e desabafou:
- Para que lembrar coisas tão tristes?
- As experiências dolorosas ensinam sempre - objetei.
A infeliz, que apresentava profunda modificação moral, meditou alguns momentos, como quem concatenava idéias, e falou:
- Minha experiência foi a de todas as mulheres doidivanas que trocam o pão bendito do trabalho pelo fel venenoso da ilusão. Nos tempos da mocidade distante, como filha de um lar paupérrimo, vali-me do emprego em casa de abastado comerciante, onde
a vida me impôs imensa transformação. Esse negociante tinha um filho, tão jovem quanto eu, e depois da intimidade estabelecida entre nós, quando toda a reação de minha parte seria inútil, esqueci criminosamente que Deus reserva o trabalho a todos os que amem a vida sã, por mais faltosos que tenham sido, e entreguei-me a experiências dolorosas, que não preciso comentar. Conheci, de perto, o prazer, o luxo, o conforto material e, em seguida, o horror de mim mesma, a sífilis, o hospital, o abandono de todos, as tremendas desilusões que culminaram na cegueira e na morte do corpo.
Errei, muito tempo, em terrível desespero, mas, um dia, tanto roguei o amparo da Virgem de Nazaré, que mensageiros do bem me recolheram por amor ao seu nome, trazendo-me a esta casa de abençoada consolação.
Comovidíssimo até às lágrimas, perguntei:
- E ele? Como se chama o homem que a fez tão infeliz?
Ouvia-a, então, pronunciar meu nome e de meus pais.
- E você o odeia? - indaguei, acabrunhado.
Ela sorriu tristemente e respondeu:
- No período do meu sofrimento anterior, amaldiçoava-lhe a lembrança, nutrindo por ele um ódio mortal; mas a irmã Nemésia modificoume.
Para odiá-lo, tenho de odiar a mim mesma. No meu caso, a culpa deve ser repartida. Não devo, pois, recriminar ninguém.
Aquela humildade sensibilizou-me. Tomei-lhe a destra sobre a qual, sem que o pudesse evitar, rolou uma lágrima de arrependimento e remorso.
- Ouça, minha amiga - falei com emoção forte -, também eu me chamo André e preciso ajudá-la. Conte comigo, doravante.
- E sua voz - disse Elisa, ingenuamente - parece a dele.
- Pois bem - continuei, comovido -, até agora, não tenho propriamente uma família em "Nosso Lar". Mas você será aqui minha irmã do coração.
Conte com o meu devotamento de amigo.
No semblante da sofredora, um grande sorriso parecia uma grande luz.
- Como lhe sou grata! - disse ela enxugando as lágrimas - há quantos anos ninguém me fala assim, nesse tom familiar, dando-me o consolo da amizade sincera!... Que Jesus o abençoe.
Nesse instante, quando minhas lágrimas se fizeram mais abundantes, Narcisa tomou-me as mãos, maternalmente, e repetiu:
- Que Jesus o abençoe.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 14 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



14 – Entendimento

Antonina, modificada, esfregava os olhos como quem não desejava acreditar no que via, mas, resignando-se à evidência, continuou:
– Compadece-te de mim! compadece-te!...
– Lola, donde vens? – perguntou o infeliz.
– Não me induzas a lembrar!...
– Não lembrar? Que condenado no tormento da expiação será capaz de esquecer? A culpa é um fogo a consumir-nos por dentro...
– Não me reconduzas ao passado!...
– Para mim é como se o tempo fosse o mesmo. O inferno não tem horas diferentes... A dor paralisa a vida dentro de nós...
– É preciso olvidar...
– Nunca! O remorso é um monstro invisível que alimenta as labaredas da culpa... A consciência não dorme...
– Não me rebentes o coração!
– E acaso o meu não vive estraçalhado?
O diálogo prosseguia comovente e Antonina, genuflexa, explodindo em angustiosa crise de lágrimas, implorou com mais força:
– Não golpeies minhas feridas mal cicatrizadas! Não se rouba ao devedor o ensejo de pagar!
– Entretanto, por ti – gemeu o interlocutor –, enredei-me no crime.. Amei-te e perdi-me. Trazias nos olhos a traição disfarçada...
Oh! Lola, porquê, porquê?...
E, ante o doloroso acento com que essas palavras eram pronunciadas, a pobre mulher suplicou, mais triste:
– Leonardo, perdoa-me!... Sofri muito... Enlouqueceste, é verdade! Mas, a perturbação que me atacou era mais lastimável, mais amargosa!... Sabes o que seja o caminho da mulher aviltada, entre o arrependimento e a aflição? Meditaste, algum dia, no martírio do coração feminino, relegado à penúria e ao abandono?
Refletiste, alguma vez, na desilusão e na fome da meretriz desprezada e doente? Acaso, poderás perceber o que seja a flagelação de quem espera a morte, sob o sarcasmo de todos, entre a sede e o suor? Tudo isso conheci!.
– Matei, porém, por tua causa... – tartamudeou o mísero, infundindo compaixão.
– Naquele tempo – alegou a infortunada –, fiz pior. Exterminei minha alma... Esposa, troquei o altar doméstico pelo mentiroso tablado do gozo fácil; mãe, envileci o mandato que Deus me concedera, crestando todas as flores de minha felicidade!...
– Pudeste, no entanto, realizar o reerguimento que ainda não consegui... Foste, em suma, feliz!...
– Feliz? – bradou Antonina, semidesesperada – acusas-me de infiel, quando, como tantos outros, te cansaste de mim, procurando outras novidades e outros rumos !... Vi-me sozinha, enferma, aniquilada... Debalde busquei afogar no vinho do prazer a horrível impressão do abismo em que me precipitara, porque, quando o desencanto e a enfermidade me relegaram à margem da vida, acordou-se-me a consciência, inculpando-me, desapiedada... A morte recolheu-me na vala da miséria, como um carro de higiene pública reclama o lixo da sarjeta... Estarás habilitado a compreender-
me o sofrimento em toda a extensão?... Por muitos anos, vagueei aflita, como ave sem ninho, refugiada no espinheiro de dor que cultivara em mim mesma... Esmolei proteção, junto da queles que me haviam sido afetos estimulantes da juventude...
Ninguém se recordava de mim...
Não me cabia recolher uma gratidão que eu não semeara...
Até que um dia...
Antonina passou a destra pela fronte pálida, como se evocasse velhas recordações fortemente trancadas na memória. Seu olhar adquirira a assustadiça expressão dos enfermos que a febre torna dementados.
Findos alguns instantes, exibiu no rosto a surpresa de quem se banha num relâmpago de luz.
Parecendo haver encontrado a imagem que ansiosamente procurara, continuou:
– ... até que um dia, senti que me chamavas com pensamentos de carinho e de paz... Rememoravas alguns traços elogiáveis de nossa vida, recompondo na lembrança as festas que organizávamos em favor dos combatentes mutilados... As tuas divagações,
arrancando ao pretérito as raras reminiscências felizes que poderíamos identificar, caíram sobre mim como bálsamo refrigerante...
Chorei aliviada e adormeci em tua casa, no aconchego da família que tiveste a ventura de constituir...
Interrompeu-se Antonina, figurando-se-nos incapaz de prosseguir recordando. Via-se que esbarrara com insuperáveis impedimentos íntimos.
Emudecera, torturada pela incapacidade mnemônica que a assaltara de improviso; contudo, o nosso orientador acercou-se dela e afagou-lhe a cabeça, deixando perceber que a auxiliava magneticamente na recuperação das próprias forças.
– Não posso saber – gritava Leonardo –, não posso saber!
Desde que meu espírito foi ocupado por “ele”, não consigo coordenar as idéias que me são próprias... Sim, certamente sou culpa do... Tens razão... Podias ter recebido meu concurso... Não me cabia pensar em ti como se fosses tão somente mulher.
Mais calma, a pobre interlocutora suplicou, triste:
– Agora, que te capacitas de minhas dificuldades, perdoa-me.
Não me move outro desejo senão o de renovar-me! Sofri muito, aprendi duramente!.. Peço a proteção da Divina Bondade para todos aqueles que me não compreenderam e procuro sinceramente olvidar as ofensas que outros me assacaram, como desejo sejam
esquecidas as ofensas que pratiquei contra os outros!... Não me reconduzas, pois, ao passado!... Compadeceste de mim!...
Reparávamos com assombro, que Leonardo e Antonina sob o controle paternal de Clarêncio, se mantinham detidos na posição vibratória em que haviam subitamente caído.
Porque não se recordavam os dois do parentesco que os reunia?
Nosso instrutor, assinalando-nos a indagação socorreu-nos, esclarecendo:
– Encontram-se ambos imobilizados em certo momento do pretérito, num encontro provocado por influência magnética. Em tais recursos utilizados por nosso plano, no tratamento salutar das moléstias da alma, determinados centros da memória se reavivam, ao passo que outros empalidecem. As sensações do presente dão lugar às sensações do passado, para efeito de reajustamento perante o futuro. O fenômeno, porém, é momentâneo. A breves minutos regressarão à consciência normal, melhorados para a boa luta.
A explicação não podia ser mais satisfatória nem mais simples.
O Ministro continuava prestando assistência à nossa amiga, qual se Antonina não devesse avançar na faixa de lembranças.
Aceitando-lhe os apelos, Leonardo como que arrefecera o ímpeto inicial de desesperação.
Fitava-a, agora, quase que piedosamente, mas, longe de albergar qualquer sentimento positivo de ordem superior, arrancou do próprio íntimo nova onda de cólera, que lhe tingiu a máscara fisionômica.
Cerrando os punhos, bradou, desvairado:
– Sim, sim, entendo-te... Foste suficientemente infeliz... Mas, porque trago comigo o fantasma dele? Ter-se-á convertido num demônio intangível para arrasar-me a existência? Estaremos no inferno, sem saber, agarrados um ao outro? Viverei dentro dele, quanto ele vive dentro de mim? Porque me não permite o verdadeiro repouso? Se procuro dormir, desperta-me, cruel; se tento olvidar, agiganta-se-me no pensamento!...
Desequilibrado, Pires ergueu para o teto os punhos retesos, ensaiou alguns passos no recinto estreito e passou a clamar:
– Esteves, homem ou diabo, onde estiveres, em mim ou fora de mim, corporifica-te e vem!... Estou pronto! Acertemos a diferença!...
Vítima ou carrasco, aparece! Que meu pensamento te encontre e te traga!... Que as forças do nosso destino nos reúnam, enfim, corpo a corpo!...
Alguns instantes decorreram, quando fomos surpreendidos pela entrada de nova personagem na sala.
Era um homem de seus trinta e cinco anos presumíveis, que se abeirava de nós, igualmente fora do vaso físico.
Passeou no recinto esgazeado olhar, dando-nos a impressão de que não nos percebia a presença e, ofegante e contrariado, qual se estivesse ingressando ali, constrangidamente, deteve-se apenas na contemplação de Leonardo e Antonina, reconhecendo-os, estarrecido e agoniado.
Clarêncio, junto de nós, informou prestimoso:
– Sob a positiva invocação de Leonardo, Esteves, parcialmente libertado pelo sono, comparece ao desafio. O repouso noturno favorece tais entendimentos, pela atração magnética mais intensivamente facilitada, quando o envoltório de matéria densa exige
recuperação.
Notamos que os três protagonistas da cena que se improvisara jaziam repentinamente hipnotizados por vibrações de assombro e desespero.
Leonardo, porém, dando um salto à retaguarda, bradou:
– Agora! agora, sim !... Vieste mesmo! Vejo-te, fora de minha cabeça, vejo-te como és!... Liquidemos nossa conta... Riscame dentre os vivos ou eu te riscarei!
– Piedade! Piedade!... – suplicava Antonina, lacrimosa.
Pires, no entanto parecia não ouvi-la, sob o olhar de Esteves que o observava com visível repugnância.
Semi-apavorado e pondo-se em guarda sacudido pelas próprias reminiscências o recém-chegado respondeu, agressivo:
– Conheço-te e odeio-te!... Assassino, assassino!...
Engalfinhar-se-iam sem dúvida, como animais enfurecidos, mas o nosso orientador interferiu, de imediato, imobilizando-os prontamente.
Tocado pelo Ministro, Esteves enxergou-nos e, surpreendido aquietou-se.
Clarêncio confiou-o à nossa vigilância e, dirigindo-se a Leonardo em Voz segura, concitou:
– Meu amigo, extirpa da mente a idéia do crime. Achas-te cansado, enfermo. Receberás a medicação de que necessita.
Num átimo, ausentou-se e regressou trazendo ao recinto dois amigos de nosso plano, os quais transportaram Leonardo semiinconsciente para um santuário de reajuste, em que mais tarde nos receberia a assistência.
Em seguida, nosso instrutor acomodou Esteves na poltrona singela, recomendando-lhe esperar-nos.
O novo companheiro, amedrontado, obedeceu automaticamente.
Logo após, amparando Antonina, procuramos restituí-la ao quarto particular.
Consideramos, então, que se grande fora a ventura da pobre senhora na véspera, naquela noite assemelhava-se, desditosa, a um trapo de sofrimento.
Encontramos grande dificuldade para recompô-la em espírito e para religá-la à vestimenta carnal, quase inerte.
Revelava-se imensamente confrangida.
Por mais de duas horas mereceu-nos especial atenção. Somente depois de considerável esforço de Clarêncio, conseguiu refazer-se. Vimo-la acordar, exausta e entontecida.
Algo aliviada, Antonina acreditou-se liberta de estranho pesadelo.
Ainda assim, sem saber explicar a razão, torturada e apreensiva, continuava soluçando...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 13 ÍTEM 9 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO DIREITA

A Caridade Material e a Caridade Moral - 1

1. Qual a diferença entre caridade material e caridade moral?
Enquanto a primeira ocupa-se em atender o necessitado com bens materiais, a segunda, que nada custa materialmente falando, consiste em se conviver com o próximo, dispensando-lhe o tratamento e as atenções que gostaríamos nos fossem dispensados.

" Quando se pratica a caridade material, dá-se do que se tem. Quando se pratica a caridade moral, dá-se do que se é. “Amemo-nos uns aos outros e façamos aos outros o que quereríamos nos fizessem eles."

2. De que modo a prática do amor ao próximo tornaria o homem mais feliz na Terra?
Eliminando o ódio e o ressentimento, e amenizando a pobreza. O rico auxiliaria o pobre com o que lhe fosse supérfluo e mesmo com o que lhe fosse supérfluo e mesmo com o que lhe fosse necessário.

“Daí, para que Deus, um dia, vos retribua o bem que houverdes feito.”

3. Dar, mesmo do que nos sobra, não seria estimular a ociosidade do próximo?
Não, pois nem todo carente é ocioso. Ademais, quando ajudamos alguém, não devemos nos preocupar com a destinação dada ao nosso donativo. Esta é responsabilidade de quem o recebe.

Nossas sobras de hoje poderão ser nossas necessidades de amanhã.

4. Que reflexo terá a ajuda que prestamos ao próximo, quando nos encontramos na vida espiritual?
Nossa maior alegria será o reconhecimento e a gratidão daqueles a quem tivermos ajudado aqui na Terra.

Nossas doações e ajudas geram gratidões e amizades que nos ajudarão, ao retornarmos a vida espiritual.

5. Por que não devemos repelir aquele que nos pede ajuda?
Porque, repelindo um desgraçado, estaremos, talvez, afastando de nós um irmão, um pai, um amigo nosso de outras existências.

Muitas vezes nos desesperamos ao reconhecer, no plano espiritual, irmãos nossos de outrora naqueles a quem deixamos de ajudar.

6. Porque a caridade moral é a mais difícil de se praticar do que a caridade material?
Porque nos exige verdadeiro sentimento de fraternidade, espírito de renuncia e tolerância, princípios tão contrários ao egoísmo a que ainda estamos presos.

“A caridade moral, que todos podem praticar, nada custa (...) porém é a mais difícil de exerce-se”.

7. Como podemos exercitar a caridade moral?
Pelas pequeninas ações de cada dia, como tolerar o semelhante, não desejar mal ao próximo, não revidar as ofensas, saber calar, ignorar a má palavra e o mau procedimento, começando sempre pelos nossos familiares.

“Grande mérito há em um homem saber calar, deixando fale outro mais tolo do que ele.”
“Não dar atenção ao mau proceder de outrem é a caridade moral.”


Conclusão:

O preceito de Jesus, “amai-vos uns aos outros”, manifesta-se na prática da caridade material e moral, sendo que maior valor tem esta ultima, porque exige de quem a pratica verdadeiro sentimento de fraternidade, espírito de renúncia e tolerância.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 39 - JULIANA SOLARE



Ouvindo a Senhora Laura

O caso Tobias impressionara-me profundamente.
Aquela casa, alicerçada em princípios novos de união fraterna, preocupava-me como assunto obsidente. Afinal de contas, também ainda me sentia senhor do lar terrestre e avaliava quão difícil para mim próprio seria semelhante situação. Teria coragem de proceder como Tobias, imitando-lhe a conduta? Admitia que não. A meu ver, não seria capaz de aborrecer tanto a minha querida Zélia e jamais aceitaria tal imposição por parte de minha esposa.
Aquelas observações da casa de Tobias torturavam-me o cérebro. Não conseguia encontrar esclarecimentos justos que pudessem satisfazer-me.
Tão preocupado me senti que, no dia imediato, deliberei visitar Lísias, num momento de folga, ansioso de explicações da senhora Laura, a quem votava confiança filial.
Recebido com enormes demonstrações de alegria, esperei o momento propicio, em que pudesse ouvir a mãezinha de Lísias com calma e serenidade.
Depois de se ausentarem os jovens, a caminho de entretenimentos habituais, expus à generosa amiga o problema que me apoquentava, não sem natural acanhamento.
Ela sorriu, com a grande experiência da vida, e começou a dizer:
- Você fez bem em trazer a questão ao nosso estudo recíproco. Todo problema que torture a alma pede cooperação amiga para ser resolvido.
E depois de ligeira pausa, prosseguiu, atenciosa:
- O caso Tobias é apenas um dos inumeráveis que conhecemos aqui e noutros núcleos espirituais, que se caracterizam pelo pensamento elevado.
- Mas, choca-nos o sentimento, não é verdade? - atalhei com interesse.
- Quando nos atemos aos pontos de vista propriamente humanos, essas coisas dão até para escandalizar; entretanto, meu amigo, é necessário, agora, sobrepor-mos a tudo os princípios de natureza espiritual.
Nesse sentido, André, precisamos compreender o espírito de seqüência que rege os quadros evolutivos da vida. Se atravessamos longa escala de animalidade, é justo que essa animalidade não desapareça de um dia para outro. Empregamos muitos séculos para emergir das camadas inferiores. O sexo participa do patrimônio de faculdades divinas, que demoramos a compreender. Não será fácil para você, presentemente, a penetração, no sentido elevado, da organização doméstica que visitou ontem; entretanto, a felicidade, ali, é muito grande, pela atmosfera de compreensão que se criou entre as personagens do drama terrestre. Nem todos conseguem substituir
cadeias de sombra por laços de luz em tão pouco tempo.
- Mas temos nisso uma regra geral? - indaguei. Todo homem e toda mulher, que se tenham casado mais de uma vez, restabelecem aqui o núcleo doméstico, fazendo-se
acompanhar de todas as afeições que hajam conhecido?
Esboçando um gesto de grande paciência, a interlocutora explicou:
- Não seja tão radicalista. É indispensável seguir devagar. Muita gente pode ter afeição e não ter compreensão. Não esqueça que nossas construções vibratórias são muito mais importantes que as da Terra. O caso Tobias é o caso de vitória da fraternidade real, por parte das três almas interessadas na aquisição de justo entendimento.
Quem não se adaptar à lei de fraternidade e compreensão, logicamente não atravessará essas fronteiras. As regiões obscuras do Umbral estão cheias de entidades que não resistiram a semelhantes provas. Enquanto odiarem, assemelham-se a agulhas magnéticas sob os mais antagônicos influxos; enquanto não entenderem a verdade, sofrerão o império da mentira e, conseqüentemente, não poderão penetrar as zonas de atividade superior. São incontáveis as criaturas que padecem longos anos, sem qualquer alívio espiritual, simplesmente porque se esquivam à fraternidade legítima.
- E que acontece, então? - interroguei, valendo-me da pausa da interlocutora - se não são admitidas aos núcleos espirituais de aprendizado nobre, onde se localizarão as pobres almas em experiências dessa ordem?
- Depois de padecimentos verdadeiramente infernais, pelas criações inferiores que inventam para si mesmas - redargüiu a mãe de Lísias -, vão fazer na experiência carnal o que não conseguiram realizar em ambiente estranho ao corpo terrestre. Concede-lhes a Bondade Divina o esquecimento do passado, na organização física do planeta evã o receber, nos laços da consangüinidade, aqueles de quem se afastaram deliberadamente pelo veneno do ódio ou da incompreensão. Daí se infere a oportunidade, cada vez mais viva, da recomendação de Jesus, quando nos aconselha imediata reconciliação com os adversários. O alvitre, antes de tudo, interessa a nós mesmos. Devemos observá-lo em proveito próprio.
Quem sabe valer-se do tempo, finda a experiência terrena, ainda que precise voltar aos círculos da carne, pode efetuar sublimes construções espirituais, com relação à paz da consciência, regressando à matéria grosseira, suportando menor bagagem de preocupações. Há muitos espíritos que gastam séculos tentando desfazer animosidades e antipatias na existência terrestre e refazendo-as após a desencarnação. O problema do perdão, com Jesus, meu caro André, é problema sério. Não se resolve em conversas.
Perdoar verbalmente é questão de palavras; mas aquele que perdoa realmente, precisa mover e remover pesados fardos de outras eras, dentro de si mesmo.
A essa altura, a senhora Laura silenciou, como quem precisava meditar na amplitude dos conceitos expendidos. Aproveitando o ensejo, aduziu:
- A experiência do casamento é muito sagrada aos meus olhos.
A interlocutora não se surpreendeu com a afirmativa e obtemperou:
- Aos espíritos ainda em simples experiência animal, nossa conversação não interessa; mas, para nós, que compreendemos a necessidade da iluminação com o Cristo, é imprescindível destacar, não só a experiência do casamento, mas toda experiência de sexo, por afetar profundamente a vida da alma.
Ouvindo a observação, não deixei de corar, lembrando o meu passado de homem comum. Minha mulher fora para mim um objeto sagrado, que eu sobrepunha a todas as afeições; no entanto, ao ouvir a mãe de Lísias, ocorriam-me a mente as palavras antigas do Velho Testamento: - "não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do
teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu jumento, nem o seu boi, nem coisa alguma que lhe pertença". Num instante, senti-me incapaz de prosseguir, estranhando o caso Tobias. A interlocutora, porém, percebeu minha perturbação intima e continuou:
- Onde o esforço de consertar é tarefa de quase todos, deve haver lugar para muita compreensão e muito respeito à misericórdia divina, que nos oferece tantos caminhos a retificações justas. Toda experiência sexual da criatura que já recebeu alguma luz do espírito, e acontecimento de enorme importância para si mesma. É por isso que o entendimento fraterno precede a qualquer trabalho verdadeiramente salvacionista. Ainda há pouco tempo ouvi um grande instrutor no Ministério da Elevação assegurar que, se pudesse, iria materializar-se nos planos carnais, a fim de dizer aos
religiosos, em geral, que toda caridade, para ser divina, precisa apoiar-se na
fraternidade.
Nessa altura, a dona da casa convidou-me a visitar Eloísa, ainda recolhida ao interior doméstico, dando a entender que não desejava explanar outras minudências sobre o assunto; e depois de verificar as melhoras crescentes da jovem recém-chegada do planeta, voltei às Câmaras de Retificação, mergulhado em profundas cogitações.
Agora não mais me preocupava a situação de Tobias, nem as atitudes de Hilda e Luciana. Impressionava-me, sim, a imponente questão da fraternidade humana.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 13 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



13 – ANALISE MENTAL

O relógio terrestre assinalava meia-noite e três quartos, quando tornamos ao singelo domicílio de Antonina.
A casinha dormia, calma.
Acocorado a um canto, o velho Leonardo mantinha-se na sala, pensando... pensando...
Adensamo-nos, ante a visão dele, e, reconhecendo-nos, ergueu-se e começou a gritar:
– Ajudai-me, por amor de Deus! Estou preso! preso!...
Clarêncio, bondoso, convidou-o a acomodar-se na poltrona simples e induziu-o à prece.
O velhinho, contudo, alegou total esquecimento das orações que formulara no mundo, crendo que apenas lhe serviriam as palavras decoradas, mas o orientador, elevando a voz, com o intuito evidente de sossegá-lo na confiança íntima, pronunciou
comovente súplica à Divina Providência, implorando-lhe proteção e segurança para quem se mostrava tão desarvorado e tão infeliz.
Emocionados com aquela petição que nos renovava igualmente as disposições interiores, observamos que o avô de Antonina se aquietara, resignado.
Clarêncio, logo após a oração, começou a aplicar-lhe forças magnéticas no campo cerebral.
O paciente revelou-se mais intensamente abatido. A cabeça pendeu-lhe sobre o peito, desgovernada e sonolenta.
Fitando-nos de modo significativo, o Ministro ponderou:
– A corrente de força devidamente dinamizada no passe magnético arrancá-lo-á da sombra anestesiante da amnésia. Poderemos, então, sondar-lhe o íntimo com mais segurança. Assistido por nossos recursos, a memória dele regredirá no tempo, informando-nos quanto à causa que o retém junto da neta, aclarandonos, ainda, sobre prováveis ligações que nos conduzirão à chave do socorro, a benefício dele mesmo.
– Mas o retrocesso das recordações poderá verificar-se de improviso? – indagou Hilário, perplexo.
– Sem dúvida – respondeu o instrutor –, a memória pode ser comparada a placa sensível que, ao influxo da luz, guarda para sempre as imagens recolhidas pelo espírito, no curso de seus inumeráveis aprendizados, dentro da vida. Cada existência de nossa alma, em determinada expressão da forma, é uma adição de experiência, conservada em prodigioso arquivo de imagens que, em se superpondo umas às outras, jamais se confundem. Em obras de assistência, qual a que desejamos movimentar, é preciso recorrer aos arquivos mentais, de modo a produzir certos tipos de vibração, não só para atrair a presença de companheiros ligados ao irmão sofredor que nos propomos socorrer, como também para descerrar os escaninhos da mente, nas fibras recônditas em que ela detém as suas aflições e feridas invisíveis.
– Quer dizer então que...
A frase de Hilário, porém, se lhe apagou nos lábios, porque o Ministro atalhou, completando-lhe a conceituação:
– A mente, tanto quanto o corpo físico, pode e deve sofrer intervenções para reequilibrar-se. Mais tarde, a ciência humana evolverá em cirurgia psíquica, tanto quanto hoje vai avançando em técnica operatória, com vistas às necessidades do veiculo de matéria carnal. No grande futuro, o médico terrestre desentranhará
um labirinto mental, com a mesma facilidade com que atualmente extrai um apêndice condenado.
Hilário arregalou os olhos, espantado feliz. E exclamou, em voz quase gritante:
– Ah! Freud, como viste a verdade!.., como detinhas a razão!...
O orientador fixou-o, paternalmente e aduziu:
– Freud vislumbrou a verdade, mas toda verdade sem amor é como luz estéril e fria. Não bastará conhecer e interpretar. É indispensável sublimar e servir. O grande cientista observou aspectos de nossa luta espiritual na senda evolutiva e catalogou os problemas da alma, ainda encarcerada nas teias da vida inferior.
Assinalou a presença das chagas dolorosas do ser humano, mas não lhes estendeu eficiente bálsamo curativo. Fez muito, mas não o bastante, O médico do porvir, para sanar as desarmonias do espírito, precisará mobilizar o remédio salutar da compreensão e do amor, retirando-o do próprio coração. Sem mão que ajude, a
palavra erudita morre no ar.
O Ministro, contudo, calou-se, dando-nos a entender que o momento não comportava digressões filosóficas.
Acariciou, ainda por alguns instantes, a cabeça do ancião e, em seguida, chamou-o, de manso:
– Leonardo, recorda! Volta ao Paraguai, onde adquiriste o remorso que hoje te retalha o coração! A dor, quase sempre, é culpa sepultada dentro de nós... Retrocedamos ao ponto inicial de teu sofrimento!... Recorda! Recorda!...
O velhinho, diante de nosso intraduzível assombro, acordou de olhos transtornados.
Ergueu a fronte, mas seu rosto alterara-se de maneira sensível.
Sustentava iniludivelmente os traços fundamentais, mas fizera-se mais jovem.
Registrando a surpreendente transfiguração, Hilário interferiu, perguntando:
– Oh! que força mágica será esta?
Nosso orientador fitou-o, sereno, e esclareceu:
– Não nos esqueçamos de que temos diante de nós o veículo espiritual, por excelência vibrátil. O corpo da alma modifica-se, profundamente, segundo o tipo de emoção que lhe flui do âmago.
Isso, aliás, não é novidade. Na própria Terra, a máscara física altera-se na alegria ou no sofrimento, na simpatia ou na aversão.
Em nosso plano, semelhantes transformações são mais rápidas e exteriorizam aspectos íntimos do ser, com facilidade e segurança, porque as moléculas do perispírito giram em mais alto padrão vibratório, com movimentos mais intensivos que as moléculas do
corpo carnal. A consciência, por fulcro anímico, expressa-se, desse modo, na matéria sutil com poderes plásticos mais avançados.
Clarêncio relanceou o olhar pelo recinto e acrescentou:
– Entretanto, não nos descuidemos do serviço a fazer.
Nesse ínterim, Leonardo soerguera-se. Parecia animado de estranha energia. O corpo, não obstante continuar obscuro e pastoso, revelava-se desempenado.
Repentinamente refeito, vigoroso e móbil, clamou:
– Lola! Lola! estás aqui? Sinto-te a presença... Onde te ocultas?
Ouve-me! ouve-me!
Com inexprimível espanto, vimos dona Antonina escapar do aposento, no corpo espiritual com que a divisáramos na véspera.
Avançou ao nosso encontro, extremamente surpreendida, e, avistando o avô transfigurado, como se fosse tangida no imo da personalidade por misteriosa influência, estampou súbita alteração facial, renovando-se igualmente aos nossos olhos.
As linhas do semblante modificaram-se, de inopino, e vimo-la realmente mais bela, todavia, menos serena e menos espiritualmente.
Favorecendo-nos o máximo proveito nas observações, o Ministro falou em voz baixa:
– Nossa irmã exige tão somente leve auxílio magnético para lembrar-se. Basta-lhe a emotividade anormal do reencontro para cair na posição vibratória do passado, de vez que ainda não se encontra quitada com a Lei.
Aterrada, Antonina rojou-se de joelhos aos pés do ancião que se rejuvenescera ao influxo dos passes de Clarêncio e gritou:
– Leonardo! Leonardo!
Ele, porém, irradiando no olhar ódio e padecimento intraduzíveis bradou:
– Enfim!... Enfim!
E prorrompeu em pranto convulso.
Estupefatos, ouvimos Clarêncio que nos informava, generoso:
– Repararam? Antonina é Lola Ibarruri reencarnada. Leonardo está vinculado a ela por laços de imenso amor. Ambos procedem de lutas enormes, na teia infinita do tempo. A mulher irresponsável de ontem, hoje é mãe amorosa e digna, à procura da própria regeneração. Tendo abandonado outrora o marido, foi induzida a desposar um homem animalizado, com quem se encontra igualmente enleada por laços do pretérito e que, em não a entendendo agora, relegou-a ao esquecimento. Recebeu, contudo, antigos associados de destino por filhos do coração, que conduz para o bem.
Em contra-posição às facilidades delituosas do passado, atravessa atualmente aflitivos obstáculos para viver.
Simpatia incoercível inclinou-nos para aquela mulher em provas tão ríspidas.
O ensinamento que a vida ali nos ofertava era efetivamente sublime.
A voz do orientador, no entanto, era clara e segura a recomendar:
– Ajudemos. O momento determina auxiliar.