domingo, 31 de outubro de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 15 ÍTENS 4 e 5 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

O Mandamento Maior

1. Como se pode sistematizar a resposta de Jesus ao doutor da Lei, quando este lhe perguntou: “qual o grande mandamento da Lei”?
Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.

– “Jesus lhe respondeu: Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito. Esse o primeiro mandamento. – E aqui está o segundo, que é semelhante ao primeiro: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

2. O que se entende por “amar a Deus de todo coração, alma e espírito”?
Ama a Deus dessa maneira, aquele que O reconhece como Pai misericordioso; que compreende a vida como dádiva do seu amor em benefício de nosso progresso; e que faz da própria vida uma caminhada em sua direção, pela observância de suas leis.

Amar a Deus sobre todas as coisas é reconhecer a natureza como obra de sua bondade. É agradecer-lhe diariamente por tudo que nos concede.
Amar a Deus sobre todas as coisas é recorrer a Ele como amparo de nossa fraqueza; é louvá-lo a cada instante. como fonte de nossa coragem e alegria.


3. E por “amar o próximo como a nós mesmos”, o que podemos entender?
Que devemos dispensar ao nosso irmão o mesmo tratamento que gostaríamos de receber, caso estivéssemos em seu lugar; desejar-lhe tudo o que almejamos para nós, regozijar-mos com suas alegrias e o consolamos em suas dores e aflições.

Devemos nos colocar no lugar do próximo e procurar dispensar-lhe as mesmas atenções que gostaríamos de receber, se nos encontrássemos em igual situação.

4. Que ensinamento podemos tirar da frase de Jesus: “Toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos”?
Que todos os preceitos religiosos, todos os ensinamentos dos profetas, todas as lições dos livros sagrados, podem ser resumidos em dois mandamentos: Amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a nós mesmos.

Jesus nos ensinou verdades eternas. Portanto, ontem, como hoje, estes dois mandamentos contêm tudo o que precisamos para a salvação do espírito.

5. É possível amar a Deus sem amar ao próximo?
Não. Aquele que, verdadeiramente, traz dentro de si o desejo de amar a Deus e observar seus mandamentos, estende esse amor a todas as pessoas, por nelas reconhecer criaturas por Ele criadas e irmãos seus.

Não se pode amar a Deus desprezando o próximo. Ao contrário: é pelo bem que fazemos ao próximo que demonstramos nosso amor a Deus.

6. Que conclusão prática podemos tirar desta lição?
Que fora da caridade não há salvação, uma vez que a caridade é a concretização do amor. É a forma pela qual o amor se realiza.

O caminho da salvação passa, obrigatoriamente, pelo amor ao próximo.

7. Que virtudes devemos cultivar, para conseguirmos observar estes mandamentos?
Devemos cultivar a caridade e a humildade, pois a primeira nos ensina o esquecimento de nós mesmos em favor do nosso próximo: e a segunda nos liberta das vaidades humanas, aproximando-nos de todos na condição de irmãos.

Pela caridade combatemos o egoísmo; pelo exercício da humildade libertamo-nos do orgulho.

8. Devemos praticar a caridade, mesmo sendo o próximo nosso inimigo?
Certamente que sim. Nestes casos, devemos amá-lo e perdoá-lo, desejando-lhe todo bem que gostaríamos de receber, sem recusar oportunidade de reconciliação.

Se, mesmo agindo assim, não formos compreendidos pelo nosso irmão, Deus, que tudo vê e preside, saberá reconhecer nosso esforço.

Conclusão:

Ama a Deus sobre todas as coisas aquele que O coloca como o centro de sua vida, observa seus mandamentos e em tudo percebe manifestações de seu amor. Ama o próximo com a si mesmo aquele que faz para os outros todo o bem que para si próprio desejaria. O amor ao próximo é mais autêntica manifestação de amor a Deus.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 47 - JULIANA SOLARE



A Volta de Laura

Não só minha mãe se preparava para regressar aos círculos terrenos.
Também a senhora Laura encontrava-se em vésperas do grande cometimento. Avisado por alguns companheiros, aderi à demonstração de simpatia e apreço que diversos funcionários, particularmente do Auxílio e da Regeneração, iam prestar à nobre matrona, por motivo de sua volta às experiências humanas. Realizou-se a homenagem afetuosa na noite em que o Departamento de Contas lhe entregou a notificação do tempo global de serviço na colônia.
Não é possível traduzir, em letras comuns, a significação espiritual da festa íntima.
Povoava-se a encantadora residência de melodias e luzes. As flores pareciam mais belas.
Numerosas famílias foram saudar a companheira, prestes a regressar.
Os visitantes, na maioria, cumprimentavam-na, carinhosos, ausentando-se, sem maiores delongas; no entanto, os amigos mais íntimos lá permaneceram até alta noite Tive, assim, ocasião de ouvir observações curiosas e sábias.
A senhora Laura me pareceu mais circunspecta, mais grave. Notavase-lhe o esforço para acompanhar a corrente de otimismo geral. Repleta a sala de estar, a genitora de Lísias explicava ao representante do Departamento:
- Creio não me demorar mais que dois dias. Terminaram as aplicações do Serviço de Preparação, do Esclarecimento.
E, com um olhar algo triste, concluía:
- Como vê, estou pronta.
O interlocutor tomou expressão de sincera fraternidade e acrescentou, estimulando-a:
- Espero, entretanto, que se encontre animada para a luta. É uma glória seguir para o mundo, nas suas condições. Milhares e milhares de horas de serviço a seu favor, perante a comunidade de mais de um milhão de companheiros. Além disso, os filhinhos constituirão seu belo estímulo à retaguarda.
- Tudo isso me reconforta - exclamou a dona da casa, sem disfarçar a preocupação íntima -, mas devemos compreender que a reencarnação é sempre uma tentativa de magna importância. Reconheço que meu esposo me precedeu no enorme esforço, e que os filhos amados serão meus amigos de todo instante; contudo...
- Ora essa! não se deixe levar por conjeturas - atalhou o Ministro Genésio -, precisamos confiar na Proteção Divina e em nós mesmos. O manancial da Providência é inesgotável. É preciso quebrar os óculos escuros que nos apresentam a paisagem física como exílio amarguroso. Não pense em possibilidades de fracasso; mentalize, sim, as probabilidades de êxito. Além do mais, é justo confiar alguma coisa em nós outros, seus amigos, que não estaremos tão longe, no tocante à "distância bratória". Pense na alegria de auxiliar antigas afeições, pondere na glória imensa de ser útil.
Sorriu a senhora Laura, parecendo mais encorajada, e asseverou:
- Tenho solicitado o socorro espiritual de todos os companheiros, a fim de manter-me vigilante nas lições aqui recebidas. Bem sei que a Terra está cheia da grandeza divina. Basta recordar que o nosso Sol é o mesmo que alimenta os homens; no entanto, meu caro Ministro, tenho receio daquele olvido temporário em que nos precipitamos. Sinto-me qual enferma que se curou de numerosas feridas... Em verdade, as úlceras não mais me apoquentam, mas conservo as cicatrizes. Bastaria um leve arranhão, para voltar a enfermidade.
O Ministro esboçou o gesto de quem compreendia o sentido da alegação e revidou:
- Não ignoro o que representam as sombras do campo inferior, mas é indispensável coragem, e caminhar para diante. Ajudá-la-emos a trabalhar muito mais no bem dos outros, que na satisfação de si mesma.
O grande perigo, ainda e sempre, é a demora nas tentações complexas do egoísmo.
- Aqui - tornou a interlocutora sensatamente -, contamos com as vibrações espirituais da maioria dos habitantes educados, quase todos, nas luzes do Evangelho Redentor; e ainda que velhas fraquezas subam á tona de nossos pensamentos, encontramos defesa natural no próprio ambiente. Na Terra, porém, nossa boa intenção é como se fora bruxuleante luz num mar imenso de forças agressivas.
- Não diga isso - atalhou o generoso Ministro -, não dê tamanha importância às influências das zonas inferiores. Seria armar o inimigo para que nos torturasse. O campo das idéias é igualmente campo de luta.
Toda luz que acendermos, de fato, na Terra, lá ficará para sempre, porque a ventania das paixões humanas jamais apagará uma só das luzes de Deus.
A senhora pareceu agora ver tudo mais claro, em face dos conceitos ouvidos; mudou radicalmente a atitude mental e falou, cobrando novo alento:
- Estou convencida, agora, de que sua visita é providencial. Precisava levantar energias. Faltava-me essa exortação. É verdade: nossa zona mental é campo de batalha incessante. É preciso aniquilar o mal e a treva dentro de nós mesmos, surpreendê-los no reduto a que se recolhem, sem lhes dar a importância que exigem. Sim, agora compreendo.
Genésio sorriu satisfeito e acrescentou:
- Dentro do nosso mundo individual, cada idéia é como se fora uma entidade à parte... É necessário pensar nisso. Nutrindo os elementos do bem, progredirão eles para nossa felicidade, constituirão nossos exércitos de defesa; todavia, alimentar quaisquer elementos do mal é construir base segura para os nossos inimigos verdugos.
A essa altura, o funcionário das Contas observou:
- E não podemos esquecer que Laura volta à Terra com extraordinários créditos espirituais. Ainda hoje, o Gabinete da Governadoria forneceu uma nota ao Ministério do Auxílio, recomendando aos cooperadores técnicos da Reencarnação o máximo cuidado no trato com os ascendentes biológicos que vão entrar em função para constituir o novo organismo de nossa irmã.
- Ah! é verdade - disse ela -, pedi essa providência para que não me encontre demasiadamente sujeita à lei da hereditariedade. Tenho tido grande preocupação, relativamente ao sangue.
- Repare - disse o interlocutor, solicito - que o seu mérito em "Nosso Lar" é bem grande, porquanto o próprio Governador determinou medidas diretas.
- Não se preocupe, portanto, minha amiga - exclamou o Ministro Genésio, sorridente -, terá ao seu lado inúmeros irmãos e companheiros a colaborarem no seu bem-estar.
- Graças a Deus! - disse a senhora Laura, confortada - faltava-me ouvilo, faltava-me ouvi-lo...
Lísias e as irmãs, às quais se unia agora a simpática e generosa Teresa, manifestaram alegria sincera.
- Minha mãe precisava esquecer as preocupações - comentou o abnegado enfermeiro do Auxílio -; afinal de contas, não ficaremos aqui a dormir.
- Têm razão - aduziu a dona da casa -; cultivarei a esperança, confiarei no Senhor e em todos vocês.
Em seguida, os comentários voltaram ao plano da confiança e do otimismo. Ninguém comentou a volta à Terra, senão como bendita oportunidade de recapitular e aprender, para o bem.
Ao despedir-me, alta noite, a senhora Laura disse-me em tom maternal:
- Amanhã à noite, André, espero igualmente por você. Faremos pequena reunião íntima. O Ministério da Comunicação prometeu-nos a visita de meu esposo. Embora se encontre nos laços físicos, Ricardo será trazido até aqui, com o auxílio fraternal de companheiros nossos. Além disso, amanhã estarei a despedir-me. Não falte.
Agradeci, comovidamente, esforçando-me por ocultar as lágrimas das saudades prematuras que me despontavam no coração.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 29 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



29 – Ante a Reencarnação

Na noite imediata, atendendo-nos a solicitação, Clarêncio conduziu-nos ao domicílio do ferroviário para observações.
Penetramos respeitosamente o quarto em que Odila nos recebeu, contente e gentil.
Tudo lhe parecia desdobrar-se com segurança.
Júlio dormia.
Não mais acordara, informou a guardiã, feliz. Tinha a impressão de que o reencarnante desaparecia pouco a pouco, na constituição orgânica de Zulmira, como se a futura mãezinha fosse um filtro miraculoso a absorvê-lo.
A genitora desencarnada mostrava-se satisfeita e esperançosa.
Preferia ver o filhinho confiado ao sono profundo. As aflições e os gemidos dele lhe haviam dilacerado o coração.
O renascimento, por esse motivo, representava uma bênção para as inquietantes responsabilidades maternais de que se via detentora.
Observamos que Júlio se caracterizava por enorme diferença.
O corpo sutil do menino denotava espantosa transformação.
Adelgaçara-se de maneira surpreendente.
Tive a idéia de que ele e Zulmira, alma com alma, se fundiam um no outro. A moça ganhara em plenitude física e vivacidade espiritual quanto perdia o menino na apresentação exterior. Julio adormecera aliviado, ao passo que a jovem senhora demonstrava admirável despertamento para a vida. A segunda esposa de Amaro
modificara-se de modo sensível. Como as pessoas felicitadas por novos títulos de confiança no trabalho, revelava-se mais alegre e mais cônscia das obrigações que lhe competiam.
A transfusão fluídica era ali evidente.
O organismo materno assemelhava-se a um alambique destinado a sutilizar as energias do reencarnante para restituí-las, decerto, a ele mesmo, na formação do novo envoltório.
Registrando-nos o assombro, o instrutor explicou com a sua habitual gentileza:
– A reencarnação, tanto quanto a desencarnação, é um choque biológico dos mais apreciáveis. Unido à matriz geradora do santuário materno, em busca de nova forma, o perispírito sofre a influência de fortes correntes eletromagnéticas, que lhe impõem a redução automática. Constituído à base de princípios químicos semelhantes, em suas propriedades, ao hidrogênio, a se expressarem através de moléculas significativamente distanciadas umas das outras, quando ligado ao centro genésico feminino experimenta expressiva contração, à maneira do indumento de carne sob carga elétrica de elevado poder. Observa-se, então, a redução volumétrica do veículo sutil pela diminuição dos espaços intermoleculares.
Toda matéria que não serve ao trabalho fundamental de refundição da forma é devolvida ao plano etereal, oferecendo-nos o perispírito esse aspecto de desgaste ou de maior fluidez.
– Quer dizer então... – aventurou Hilário, em sua curiosidade construtiva.
– Quero dizer que os princípios organogênicos essenciais do perispírito de Júlio já se encontram reduzidos na intimidade do altar materno e, à maneira de um ímã, vão aglutinando sobre si os recursos de formação do novo vestuário de carne que lhe será o vaso próximo de manifestação.
– E a forma a rarefazer-se sob nossos olhos? – inquiriu meu colega, espantado.
– Está em ativo processo de dissolução.
E, com a bela serenidade que lhe assinala o espírito, continuou elucidando:
– Também o corpo físico parece dormir na desencarnação, quando, na realidade, começa a restituir as unidades químicas que o compõem à Natureza que lhos emprestou a titulo precário, apenas com a diferença de que a alma desencarnada, ainda mesmo quando em deploráveis condições de sofrimento e inferioridade, avança para a libertação relativa, ao passo que, em nos reencarnando, sofremos o processo de volta às teias da matéria densa, não obstante orientados por nobres objetivos de evolução. É por isso que, conduzidos à reconstituição orgânica, revivemos, nos primeiros tempos da organização fetal, embora apressadamente, todo o nosso pretérito biológico. Cada ser que retoma o envoltório físico revive, automaticamente, na reconstrução da forma em que se exprimirá na Terra, todo o passado que lhe diz respeito, estacionando na mais alta configuração típica que já conquistou, para o trabalho que lhe compete, de acordo com o degrau evolutivo em que se encontra.
A maneira simples pela qual Clarêncio esflorava problemas tão complexos, induzia-nos a sublimados pensamentos, quanto à magnitude das Leis Universais.
Ali, diante de um caso comum de reencarnação, auxiliado apenas pelas nossas preces no culto à fraternidade, obtínhamos vastas elucidações sobre o plano geral da existência.
Inspirado talvez na mesma faixa de reflexões que me preocupavam o espírito, Hilário inquiriu:
– Os princípios que analisamos funcionam em igualdade de circunstâncias para os animais?
– Como não? – replicou o nosso orientador, paciente – todos nos achamos na grande marcha de crescimento para a imortalidade. Nas linhas infinitas do instinto, da inteligência, da razão e da sublimação, permanecemos todos vinculados à lei do renascimento como inalienável condição de progresso. Atacamos experiências
múltiplas e recapitulamo-las, tantas vezes quantas se fizerem necessárias, na grande jornada para Deus. Crisálidas de inteligência nos setores mais obscuros da Natureza evolvem para o plano das inteligências fragmentárias, onde se localizam os animais de ordem superior que, por sua vez, se dirigem para o reino da consciência humana, tanto quanto os homens, pouco a pouco, se encaminham para as gloriosas esferas dos anjos.
O instrutor, entretanto, voltou-se para o leito em que mãe e filho jaziam, intimamente associados, e sentenciou:
– Preocupemo-nos, porém, com o serviço da hora presente.
Estudemos o caso sob nossa observação para que o nosso dever de solidariedade seja bem cumprido.
O apontamento reajustou-nos.
Hilário que, tanto quanto eu, se mostrava interessado em aproveitar a lição, fixando o quadro sob nossos olhos, pediu uma explicação tão simples quanto possível acerca da comunhão fisiopsíquica de Zulmira e Júlio naquele instante, ao que Clarêncio respondeu, após refletir alguns momentos:
– Imaginemos um pêssego amadurecido, lançado à cova escura, a fim de renascer. Decomposto em sua estrutura, restituirá aos reservatórios da Natureza todos os elementos da polpa e dos demais envoltórios que lhe revestem os princípios vitais, reduzindo-se no imo do solo ao embrião minúsculo que se transformará, no espaço e no tempo, em novo pessegueiro.
O ensinamento não podia ser mais lógico, mais preciso.
– Então, por isso – acrescentou Hilário, estudioso – é que as crianças desencarnadas reclamam período de tempo mais ou menos longo para demonstrarem crescimento mental, como ocorre na existência comum...
– Isso acontece com a maioria – informou o Ministro –, de vez que há exceções na regra. Em muitas circunstâncias, semelhante imposição não existe. Quando a mente já desenvolveu certas qualidades, aprimorando-se em mais altos degraus de sublimação espiritual, pode arrojar de si mesma os elementos indispensáveis à composição dos veículos de exteriorização de que necessite em planos que lhe sejam inferiores. Nesses casos, o Espírito já domina plenamente as leis de aglutinação da matéria, no campo de luta que nos é conhecido e, por esse motivo, governa o fenômeno da própria reencarnação sem subordinar-se a ele.
Fitávamos o semblante calmo de Zulmira, que respirava serena, feliz.
– O problema de Júlio, no entanto – considerei –, afigura-senos bastante doloroso...
– Doloroso mas educativo, quanto o de milhares de criaturas, cada dia, na Terra – ponderou Clarêncio, imperturbável –. Nosso companheiro vencido e enfermo, em razão de compromissos adquiridos na carne, na carne encontrará caminho ao próprio reajuste.
– E a questão da hereditariedade? – indagou meu companheiro, reverente. – Júlio, perdendo o corpo sutil em que chorava atormentado, ressurgirá na existência física sem a moléstia que o apoquentava, por herdar fatalmente os característicos biológicos dos pais?
O orientador sorriu, de maneira expressiva, e asseverou:
– A hereditariedade, qual é aceita nos conhecimentos científicos do mundo, tem os seus limites. Filhos e pais, indubitavelmente, ainda mesmo quando se cataloguem distantes uns dos outros, sob o ponto de vista moral, guardam sempre afinidade magnética entre si; desse modo, os progenitores fornecem determinados recursos ao Espírito reencarnante, mas esses recursos estão condicionados às necessidades da alma que lhes aproveita a cooperação, porque, no fundo, somos herdeiros de nós mesmos. Assimilamos as energias de nossos pais terrestres, na medida de nossas qualidades boas ou más, para o destino enobrecido ou torturado a que fazemos jus, pelas nossas conquistas ou débitos que voltam à Terra conosco, emergindo de nossas anteriores experiências.
– Somos então levados a crer que Júlio transportará consigo a enfermidade que sofria em nosso plano, à maneira de alguém que, em se mudando de domicílio, não modifica o quadro orgânico... – observou Hilário, com sensatez.
– Isso mesmo – elucidou o Ministro, satisfeito –, o problema é de natureza espiritual. Durante a gravidez de Zulmira, a mente de Júlio permanecerá associada à mente materna, influenciando, como é justo, à formação do embrião. Todo o cosmo celular do novo organismo estará impregnado pelas forças do pensamento enfermiço de nosso irmão que regressa ao mundo. Assim sendo, Júlio renascerá com as deficiências de que ainda é portador, embora favorecido pelo material genético que recolherá dos pais, nos limites da lei de herança, para a constituição do novo envoltório.
Depois de breve pausa, concluiu:
– Como vemos, na mente reside o comando. A consciência traça o destino, o corpo reflete a alma. Toda agregação de matéria obedece a impulsos do espírito. Nossos pensamentos fabricam as formas de que nos utilizamos na vida.
Calou-se o instrutor.
Odila tomou a palavra comentando as suas esperanças para o futuro.
Conversamos de novo, animadamente.
E, logo após, uma prece do Ministro encerrava para nós a deliciosa reunião.

domingo, 24 de outubro de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 15 ÍTEM 2 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

Parábola do Bom Samaritano

Sacerdote: Ministro religioso. Conhecedor das leis.
Levita: Membro da tribo de Levi.
Samaritano: Membro da tribo Samária, dissidente de Israel.


1. O que queria dizer o doutor da lei, com a expressão “possuir a vida eterna”?
Ele referia-se à salvação da alma; ao estado de bem-aventurança, que apenas os espíritos dos justos conseguem alcançar.

“Estamos na Terra para nos aperfeiçoar e , assim, conseguir a vida eterna; por isso, é fundamental que conheçamos os caminhos que a ela conduzem.”

2. O preceito contido na lei daquela época mudou em nossos dias?
Não. Ontem, como hoje, para que tenhamos a vida eterna, devemos cumprir o preceito que diz: “Amarás o Senhor teu Deus de todo coração, de toda a tua alma, com todas as tuas forças e de todo o teu espírito, e a teu próximo como a ti mesmo.”

“Disse-lhe Jesus: Respondeste muito bem; faze isso e viverás.” As leis de Deus são eternas, imutáveis; por isso, no passado como no presente, não se pode chegar a Ele, senão através do amor ao próximo.

3. Que ensinamentos nos trouxe Jesus, com esta parábola?
Jesus nos ensina duas lições fundamentais para a salvação do espírito:

a)Que a prática da caridade é a suprema manifestação de obediência e amor a Deus;
b)Que o “próximo” é todo aquele que encontramos ao nosso lado e necessita de nós.


Jesus não se limita a recomendar a caridade; põe-na claramente, e em termos explícitos como condição absoluta de felicidade futura. “O próximo, a quem precisamos prestar imediata assistência, é sempre a pessoa que se encontra mais perto de nós”.

4. Por que, ao contar esta parábola, Jesus escolheu o samaritano, e não o sacerdote ou o levita, para prestar auxílio ao necessitado?
A fim de deixar bem claro que praticar a caridade não é prerrogativa das pessoas religiosas, mas procedimento comum às almas nobres e compassivas, ainda que, às nossas vistas, pareçam distantes de Deus, por não possuírem religião.

“Jesus coloca o samaritano, considerando herético (homem sem fé), mas que pratica o amor ao próximo, acima do ortodoxo (observador da doutrina), mas que não pratica a caridade.” Não são os rótulos religiosos que nos conduzem à salvação, mas os atos de caridade para com o nosso próximo.

5. Se o samaritano não era religioso, o que levou a socorrer o próximo?
O sentimento de solidariedade e de compaixão pelo semelhante, pois, ao ver o homem ferido e abandonado, o samaritano apiedou-se dele e o socorreu, cuidando, em seguida, para que nada lhe faltasse. Os demais, ao contrário, agiram com indiferença.

“Mas, um samaritano que viajava, chegando ao lugar onde jazia aquele homem e tendo-o visto, foi tocado de compaixão”.
“O viajante compassivo encontra o ferido anônimo na estrada. Não hesita em auxiliá-lo”. Esquece seus próprios interesses e permanece junto dele, enquanto necessário. Nada pergunta, nada exige...


6. A religião não tem, portanto, nenhum valor?
A religião é importante na medida em que contribui para o esclarecimento de seus adeptos, aproximando-os de Deus e tornando-os mais solidários de seus adeptos, aproximando-os de Deus e tornando-os mais solidários e fraternos para com os outros. No entanto, a religião não salva ninguém.

Embora a religião não salve ninguém, seus ensinamentos conferem maior responsabilidade ao seguidor, que já sabe como proceder para salvar-se.

7. Que lição de vida Jesus nos oferece, com a parábola do Bom Samaritano?
Ele nos exorta a olhar em volta e a descobrir as feridas- aparente e secreto- de nossos irmãos; Ele nos estimula a amenizar-lhes as dores, a consolar-lhes as aflições, enfim, a sermos “bons samaritanos”.

“Então, vai, diz Jesus, e faze o mesmo”.
Façamos um exame de consciência e vejamos quantos ”feridos” deixamos desamparados na estrada da vida, por nosso egoísmo e indiferença.


Conclusão:

Não são as práticas exteriores ou os rótulos religiosos que nos conduzem à vida eterna, mas os nossos atos de caridade para com o próximo, por amor a Deus. A religião apenas esclarece.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 28 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



28 – Retorno

Preocupados com o caso de Júlio, no dia imediato indagamos do orientador sobre a planificação do serviço reencarnatório, ao que Clarêncio informou, conciso:
– O problema é doloroso, mas é simples. Trata-se tão somente de ligeira prova necessária. Júlio sofrerá o aflitivo desejo de permanecer na Terra, com o empréstimo do corpo físico a prazo longo; entretanto, suicida que foi, com duas tentativas de autoaniquilamento, por duas vezes deverá experimentar a frustração para valorizar com mais segurança a bênção da vida terrestre.
Depois de estagiar por muitos anos nas regiões inferiores de nosso plano, confiando-se inutilmente à revolta e à inércia, já passou pelo afogamento e agora enfrentará a intoxicação. Tudo isso é lastimável, no entanto...
E mostrando significativa expressão fisionômica, ajuntou:
– Quem aprenderá sem a cooperação do sofrimento?
– Penso, contudo, no martírio dos pais... – considerou Hilário, hesitante.
– Meus amigos – falou o Ministro, generoso –, a justiça é inalienável.
Não podemos iludi-la. Com o desequilíbrio emocional de Amaro e Zulmira, no pretérito, Júlio arrojou-se a escuro despenhadeiro de compromissos morais e, na atualidade, reabilitar-se-á com a cooperação deles. Ontem, o casal, por esquecê-lo, inclinouo à queda; hoje, por amá-lo, garantir-lhe-á o soerguimento.
A palestra esmoreceu, talvez porque o assunto nos compelisse a severa meditação.
Hilário e eu, refletindo na absoluta harmonia da Lei, calamonos cismarentos, à espera da noite, quando integraríamos a caravana da amizade que restituiria a criança enferma ao ninho antigo.
Com efeito, avizinhava-se a madrugada, quando alcançamos a residência do ferroviário, envolvida em sombra.
Odila trazia nos braços o filho irrequieto e gemente, enquanto o Ministro, Irmã Clara, Blandina, Mariana, Hilário e eu rodeávamos ambos, em silêncio.
Penetramos a sala humilde.
Qual se houvera sorvido invisível anestésico, o menino emudeceu.
Junto de nós, o orientador, solícito, explicou:
– O doentinho encontra grande alívio em contacto com os fluidos domésticos. O reequilíbrio da alma no ambiente que lhe é familiar no mundo constitui base firme para o êxito da reencarnação.
Não prosseguiu, contudo.
Irmã Clara fez expressivo aceno e o nosso instrutor penetrou, sozinho, a câmara conjugal, sem dúvida para certificar-se quanto à conveniência de confiarmos o pequenino à sua futura mãe.
Transcorridos alguns minutos, Clarêncio veio ao nosso encontro, convidando-nos a entrar.
Enternecedor espetáculo desdobrou-se à nossa vista.
Zulmira em Espírito estendeu-nos braços fraternos. Estava bela, radiante de alegria... E, quando recebeu Júlio, conchegandoo ao próprio peito, pareceu-me sublimada madona, aureolada por maternidade vitoriosa.
Odila chorava.
Clarêncio ergueu os olhos para o Alto e orou, em voz comovedora:
– Senhor, abençoa-nos!... De almas entrelaçadas na esperança em teu infinito amor e no júbilo que nasce da obediência aos teus desígnios, aqui nos achamos, acompanhando um amigo que volta à recapitulação! Dá-lhe forças para submeter-se resignado à cruz que lhe será a salvação!... Ó Pai, sustenta-nos na grande estrada redentora em que o obstáculo e a dor devem ser nossos guias, fortalece-nos o bom ânimo e a serenidade e modera-nos o coração para que saibamos servir-te em qualquer circunstância!... Sobretudo, Senhor, rogamos-te auxilies a nossa irmã que investe sagradas aspirações femininas no apostolado maternal! Santifica-lhe os anseios, multiplica-lhe as energias para que ela se honre contigo na divina tarefa de criar!...
A palavra do Ministro, saturada de paternal amor, desse amor que nos atinge o espírito até à fonte oculta das lágrimas, levaranos à comoção.
Zulmira, todavia, sensibilizou-nos ainda mais. Atraída pelo poder magnético da oração, avançou com o menino colado ao regaço até junto de nosso orientador, e ajoelhou-se.
Aquela humildade ingênua lembrava-me a narração evangélica da viúva de Naim com o filho morto aos pés do Cristo e não pude conter o pranto que me vertia do coração.
Igualmente tocado por aquele gesto espontâneo de confiança e fé, o Ministro voltou-se para ela e afagou-lhe a cabeça, transfigurado.
Algo de sublime devia ter acontecido na alma daquele missionário da abnegação que me habituara a querer com extremado carinho.
Jorro estelar descia da Altura, inflamando-lhe a fronte e da destra que acariciava a irmã genuflexa, projetavam-se raios de safirina luz...
Maravilhosos instantes de expectação correram sobre nós.
Em seguida, sustentando-a nos braços, Clarêncio reergueu-a, conduzindo-a ao leito com a criança.
Zulmira, desde então, afigurou-se-nos integralmente concentrada no filhinho, que se enlaçou a ela, instintivamente, à maneira de um molusco a acomodar-se na própria concha.
Júlio dormira placidamente, enfim.
Abraçado ao colo materno, parecia fundir-se nele.
De outras vezes, acompanhara trabalhos preparatórios de reencarnação, que exigiam concurso ativo de técnicos do assunto e de benfeitores da vida superior, mas ali o fenômeno era demasiado simples. O corpo sutil do menino como que se justapunha aos delicados tecidos do perispírito maternal, adelgaçando-se gradativamente aos nossos olhos.
Irmã Clara e as companheiras oscularam a futura mãezinha, que tentava recuperar o corpo denso, conduzindo consigo o pequeno confortado e desfalecente e retiramo-nos, tomados da alegria que nasce, pura, da obrigação bem cumprida.
Odila encarregou-se da assistência a Zulmira, e Clarêncio prometeu seguir, de perto, os serviços naturais daquela gravidez incipiente.
Quando nos vimos, de novo, a sós, as indagações surgiram, imperiosas.
O Ministro, com a paciência admirável de todos os dias, tomou a palavra e esclareceu:
– A reencarnação no caso de Júlio não reclama de nossa esfera cuidados especiais. É uma descida experimental ao campo da matéria densa, com interesse tão somente para ele mesmo e para os familiares que o cercam.
Todavia, se a existência do filho de Amaro estivesse destinada, no momento, a influenciar a comunidade, se ele fosse detentor de méritos indiscutíveis, com responsabilidades justas nos caminhos alheios, o problema seria efetivamente outro. Forças de ordem superior seriam fatalmente mobilizadas para a interferência nos cromossomos, garantindo-se o embrião do veículo físico de maneira adequada à missão que lhe coubesse...
– E se o reencarnante fosse um homem de larga intelectualidade?
– inquiriu Hilário, estudioso.
– Merecer-nos-ia cautelosa atenção na estrutura cerebral, para que lhe não faltasse um instrumento à altura de seus deveres na materialização do pensamento.
– E se fosse um médico? um grande cirurgião por exemplo? – perguntei por minha vez.
– Receberia assistência aprimorada na formação do sistema nervoso, assegurando-se-lhe pleno domínio das emoções.
Porque não mais indagássemos especificamente, o instrutor continuou:
– Contudo, em milhares de renascimentos, na Terra, os princípios embriogênicos funcionam, automáticos, cada dia. A lei de causa e efeito executa-se sem necessidade de fiscalização da nossa parte. Na reencarnação, basta o magnetismo dos pais, aliado ao forte desejo daquele que regressa ao campo das formas físicas.
De retorno ao corpo físico, estamos invariavelmente animados de um propósito firme... seja o anseio de alijar a dor que nos atormenta, a aspiração de conquistas espirituais que nos facilitem o acesso à Vida Superior, o voto de recapitular serviços mal feitos ou o ideal de realizar grandes tarefas de amor entre aqueles a
quem nos afeiçoamos no mundo. De modo geral, a maioria das almas que reencarnam satisfazem à fome inquietante de recomeço.
Quem não atendeu com exatidão ao trabalho que a vida lhe delegou, depressa se rende ao impositivo de repetição da experiência e o ressurgimento na luta física aparece por bênção salvadora.
Milhões de destinos se reestruturam dessa forma, qual se refaz uma grande floresta. A sementeira cresce, estimulada pelo magnetismo do solo; a existência corpórea germina de novo, incentivada pelo magnetismo da carne...
Ante a pausa ligeira do Ministro, Hilário perguntou, respeitoso:
– O seio maternal, desse modo...
Nosso mentor completou-lhe a definição, respondendo:
– É um vaso anímico de elevado poder magnético ou um molde vivo destinado à fundição e refundição das formas, ao sopro criador da Bondade Divina, que, em toda a parte, nos oferece recursos ao desenvolvimento para a Sabedoria e para o Amor.
Esse vaso atrai a alma sequiosa de renascimento e que lhe é afim, reproduzindo-lhe o corpo denso, no tempo e no espaço, como a terra engole a semente para doar-lhe nova germinação, consoante os princípios que encerra. Maternidade é sagrado serviço espiritual em que a alma se demora séculos, na maioria das vezes aperfeiçoando
qualidades do sentimento.
A palestra prosseguia valiosa, mas o tempo nos convocava a outros misteres e, em razão disso, fomos constrangidos a interromper o nosso entendimento, em torno do que havíamos visto.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ESTUDO DO LIVRO LIBERTAÇÃO - CAPÍTULO 4 -JULIANA SOLARE



Numa Cidade Estranha

No dia imediato, pusemo-nos em marcha.
Respondendo-nos às arguições afetuosas, o Instrutor informou-nos de que teríamos apenas alguns dias de ausência.
Além dos serviços referentes ao encargo particular que nos mobilizava, entraríamos em algumas atividades secundárias de auxílio. Técnico em missões dessa natureza, afirmou que nos admitira, num trabalho que ele poderia desenvolver sôzinho, não só pela confiança que em nós depositava, mas também pela necessidade da formação de novos cooperadores, especializados no ministério de socorro às trevas.
Após a travessia de várias regiões, “em descida”, com escalas por diversos postos e instituições socorristas, penetramos vasto domínio de sombras.
A claridade solar jazia diferençada.
Fumo cinzento cobria o céu em toda a sua extensão.
A volitação fácil se fizera impossível.
A vegetação exibia aspecto sinistro e angustiado. As árvores não se vestiam de folhagem farta e os galhos, quase secos, davam a ideia de braços erguidos em súplicas dolorosas.
Aves agoureiras, de grande tamanho, de uma espécie que poderá ser situada entre os corvideos. crocitavam em surdina, semelhando-se a pequenos monstros alados espiando presas ocultas.
O que mais contristava, porém, não era o quadro desolador, mais ou menos semelhante a outros de meu conhecimento, e, sim, os apelos cortantes que provinham dos charcos. Gemidos tipicamente humanos eram pronunciados em todos os tons.
Acredito, teríamos examinado individualmente os sofredores que aí se localizavam, se nos entregássemos a detida apreciação; todavia, Gúbio, à maneira de outros instrutores, não se detinha para atender a curiosidade improfícua.
Lembrando a “selva escura” a que Alighieri se reporta no imortal poema, eu trazia o coração premido de interrogativas inquietantes.
Aquelas árvores estranhas, de frondes ressecadas, mas vivas, seriam almas convertidas em silenciosas sentinelas de dor, qual a mulher de Lot, transformada simbolicamente em estátua de sal?
E aquelas grandes corujas diferentes, cujos olhos brilhavam desagradàvelmente nas sombras, seriam homens desencarnados sob tremendo castigo da forma? Quem chorava nos vales extensos de lama? criaturas que houvessem vivido na Terra que recordávamos, ou duendes desconhecidos para nós?
De quando em quando, grupos hostis de entidades espirituais em desequilíbrio nos defrontavam, seguindo adiante, indiferentes, incapazes de registrar-nos a presença.
Falavam em alta voz, em português degradado, mas inteligível, evidenciando, pelas gargalhadas, deploráveis condições de ignorância. Apresentavam-se em trajes bisonhos e conduziam apetrechos de lutar e ferir.
Avançamos mais profundamente, mas o ambiente passou a sufocar-nos. Repousamos, de algum modo, vencidos de fadiga singular, e Gúbio, depois de alguns momentos, nos esclareceu:
— Nossas organizações perispiríticas, à maneira de escafandro estruturado em material absorvente, por ato deliberado de nossa vontade, não devem reagir contra as baixas vibrações deste plano. Estamos na posição de homens que, por amor, descessem a operar num imenso lago de lodo; para socorrer eficientemente os que se adaptaram a ele, são compelidos a cobrir-se com as substâncias do charco, sofrendo-lhes, com paciência e coragem, a influenciação deprimente.
Atravessamos importantes limites vibratórios e cabe-nos entregar a forma exterior ao meio que nos recebe, a fim de sermos realmente úteis aos que nos propomos auxiliar. Finda a nossa transformação transitória, seremos vistos por qualquer dos habitantes desta região menos feliz. A oração, de agora em diante, deve ser nosso único fio de comunicação com o Alto, até que eu possa verificar, quando na Crosta, qual o minuto mais adequado de nosso retorno aos dons luminescentes. Não estamos em cavernas infernais, mas atingimos grande império de inteligências perversas e atrasadas, anexo aos círculos da Crosta, onde os homens terrestres lhes sofrem permanente influenciação. Chegou para nós o momento de pequeno testemunho. Muita capacidade de renúncia é indispensável, a fim de alcançarmos nossos fins. Podemos perder por falta de paciência ou por escassez de vocação para o sacrifício. Para a malta de irmãos retardados que nos envolverá, seremos simples desencarnados, ignorantes do próprio destino.
Passamos a inalar as substâncias espessas que pairavam em derredor, como se o ar fosse constituído de fluidos viscosos.
Elói estirou-se, ofegante, e não obstante experimentar, por minha vez, asfixiante opressão, busquei padronizar atitudes pela conduta do Instrutor, que tolerava a metamorfose, silencioso e palidíssimo.
Reparei, confundido, que a voluntária integração com os elementos inferiores do plano nos desfigurava enormemente. Pouco a pouco, sentimo-nos pesados e tive a ideia de que fora, de improviso, religado, de novo, ao corpo de carne, porque, embora me sentisse dono da própria individualidade, me via revestido de matéria densa, como se fôsse obrigado a envergar inesperada armadura.
Decorridos longos minutos, o orientador apelou, diligente:
— Prossigamos! Doravante, seremos auxiliares anônimos. Não nos convém, por enquanto, a identificação pessoal.
— Mas, não será isto mentir? clamou Elói, quase refeito.
Gúbio dividiu conosco um olhar de benevolência e explicou, bondoso:
— Não te recordas do texto evangélico que recomenda não saiba a mão esquerda o que dá a direita? Este é o momento de ajudarmos sem alarde. O Senhor não é mentiroso quando nos estende invisíveis recursos de salvação, sem que lhe vejamos a presença. Nesta cidade sombria, trabalham inúmeros companheiros do bem nas condições em que nos achamos. Se erguermos bandeira provocante, nestes campos, nos quais noventa e cinco por cento das inteligências se encontram devotadas ao mal e à desarmonia, nosso programa será estraçalhado em alguns instantes. Centenas de milhares de criaturas aqui padecem amargos choques de retorno à realidade, sob a vigilância de tribos cruéis, formadas de espíritos egoístas, invejosos e brutalizados. Para a sensibilidade medianamente desenvolvida, o sofrimento aqui é inapreciável.
— E ha governo estabelecido num reino estranho e sinistro quanto este? — indaguei.
— Como não? — respondeu Gúbio, atenciosamente. — Qual ocorre na esfera carnal, a direção, neste domínio, é concedida pelos Poderes Superiores, a título precário. Na atualidade, este grande empório de padecimentos regeneratívos permanece dirigido por um sátrapa de inqualificável impiedade, que aliciou para si próprio o pomposo título de Grande Juiz, assistido por assessores políticos e religiosos tão frios e perversos quanto ele mesmo. Grande aristocracia de gênios implacáveis aqui se alinha, senhoreando milhares de mentes preguiçosas, delinqüentes e enfermiças...
— E porque permite Deus semelhante absurdo?
Dessa vez, era o meu colega que perguntava, de novo, semi-apavorado, agora, ante os compromissos que assumíramos.
Longe de perturbar-se, Gúbio replicou:
— Pelas mesmas razões educativas através das quais não aniquila uma nação humana quando, desvairada pela sede de dominação, desencadeia guerras cruentas e destruidoras, mas a entrega à expiação dos próprios crimes e ao infortúnio de si mesma, para que aprenda a integrar-se na ordem eterna que preside à vida universal. De período a período, contado cada um por vários séculos, a matéria utilizada por semelhantes inteligências é revolvida e reestruturada, qual acontece nos círculos terrenos; mas se o Senhor visita os homens pelos homens que se santificam, corrige igualmente as criaturas por intermédio das criaturas que se endurecem ou bestializam.
— Significa então que os gênios malditos, os demônios de todos os tempos... — exclamei, reticencioso...
— Somos nós mesmos — completou o Instrutor, paciente — quando nos desviamos, impenitentes, da Lei. Já perambulamos por estes sítios sombrios e inquietantes, mas os choques biológicos do renascimento e da desencarnação, mais ou menos recentes, não te permitem, nem a Elói, o desabrocho de reminiscências completas do passado. Comigo, porém, a situação é diversa.
A extensão de meu tempo, na vida livre, já me confere recordações mais dilatadas e, de antemão, conheço as lições que constituam novidade. Muitos de nossos companheiros, guindados à altura, não mais identificam nestas paragens senão motivos de cansaço, repugnância e pavor; todavia, é forçoso observar que o pântano, invariàvelmente, é uma zona da natureza pedindo o socorro dos servos mais fortes e generosos.
Música exótica fazia-se ouvir não distante e Gúbio rogou-nos prudência e humildade em favor do êxito no trabalho a desdobrar-se.
Reerguemo-nos e avançamos.
Fizera-se-nos tardio o passo e nossa movimentação difícil.
Em voz baixa, o orientador reiterou a recomendação:
— Em qualquer constrangimento íntimo, não nos esqueçamos da prece. É, de ora em diante, o único recurso de que dispomos a fim de mobilizar nossas reservas mentais superiores, em nossas necessidades de reabastecimento psíquico. Qualquer precipitação pode arrojar-nos a estados primitivistas, lançando-nos em nivel inferior, análogo ao dos espíritos infelizes que desejamos auxiliar. Tenhamos calma e energia, doçura e resistência, de ânimo voltado para o Cristo.
Lembremo-nos de que aceitamos o encargo desta hora, não para justiçar e sim para educar e servir.
Adiantamo-nos, caminho a fora, como se fazia possível.
Em minutos breves, penetramos vastissima aglomeração de vielas, reunindo casario decadente e sórdido.
Rostos horrendos contemplavam-nos furtivamente, a princípio, mas, à medida que varávamos o terreno, éramos observados, com atitude agressiva, por transeuntes de miserável aspecto.
Alguns quilômetros de via pública, repletos de quadros deploráveis, desfilaram a nossos olhos.
Mutilados às centenas, aleijados de todos os matizes, entidades visceralmente desequilibradas, ofereciam-nos paisagens de arrepiar.
Impressionado com a multidão de criaturas deformadas que se enfileiravam sob nosso raio visual, perfeitamente arrebanhadas ali em experiência coletiva, enderecei algumas interrogações ao Instrutor, em tom discreto.
Porque tão extensa comunidade de sofredores? Que causas impunham tão flagrante decadência da forma?
Paciente, o orientador não se fêz demorado na resposta.
— Milhões de pessoas — informou, calmo —, depois da morte, encontram perigosos inimigos no medo e na vergonha de si mesmas. Nada se perde, André, no círculo de nossas ações, palavras e pensamentos. O registro de nossa vida opera-se em duas fases distintas, perseverando no exterior, através dos efeitos de nossa atuação em criaturas, situações e coisas, e persistindo em nós mesmos, nos arquivos da própria consciência, que recolhe matemàticamente todos os resultados de nosso esforço, no bem ou no mal, ao interior dela própria.
O espírito, em qualquer parte, move-se no centro das criações que desenvolveu. Defeitos escuros e qualidades louváveis envolvem-no, onde se encontre. A criatura na Terra, por onde peregrinamos, ouve argumentos alusivos ao Céu e ao Inferno e acredita vagamente na vida espiritual que a espera, além-túmulo.
Mais cedo que possa imaginar, perde o veículo de carne e compreende que não se pode ocultar por mais tempo, desfeita a máscara do corpo sob a qual se escondia à maneira da tartaruga dentro da carapaça. Sente-se tal qual é e receia a presença dos filhos da luz, cujos dons de penetração lhe identificariam, de pronto, as mazelas indesejáveis. O perispírito, para a mente, é uma cápsula mais delicada, mais suscetível de refletir-lhe a glória ou a viciação, em virtude dos tecidos rarefeitos de que se constitui. Em razão disso, as almas decaídas, num impulso de revolta contra os deveres que nos competem a cada um, nos serviços de sublimação, aliam-se umas às outras através de organizações em que exteriorizam, tanto quanto possível, os lamentáveis pendores que lhes são peculiares, não obstante ferretoadas pelo aguilhão das inteligências vigorosas e cruéis.
— Mas — interferi — não há recursos de soerguer semelhantes comunidades?
— A mesma lei de esforço próprio funciona igualmente aqui. Não faltam apelos santificantes de Cima; contudo, com a ausência da íntima adesão dos interessados ao ideal da melhoria própria, é impraticável qualquer iniciativa legítima, em matéria de reajustamento geral. Sem que o espírito, senhor da razão e dos valores eternos que lhe são consequentes, delibere mobilizar o patrimônio que lhe é próprio, no sentido de elevar o seu campo vibratório, não é justo seja arrebatado, por imposição, a regiões superiores que ele mesmo, por enquanto, não sabe desejar. E até que resolva atirar-se ao empreendimento da própria ascensãO, vai sendo aproveitado pelas leis universais no que possa ser útil à Obra Divina. A minhoca, enquanto é minhoca, é compelida a trabalhar o solo; o peixe, enquanto é peixe, não viverá fora d’água...
Sorrindo, ante a própria argumentação, concluiu bem humorado:
— É natural, pois, que o homem, dono de vastas teorias de virtude salvadora, enquanto se demora no comboio da inferioridade seja empregado em atividades inferiores. A Lei estima infinitamente a lógica.
Calou-se Gubio, evidentemente constrangido pela necessidade de não acordarmos demasiada atenção em torno de nós.
Tocado, no entanto, pela miséria que ali emoldurava tanta dor, perdi-me num mar de indagações íntimas.
Que empório extravagante era aquele? algum país onde vicejassem tipos sub-humanos? Eu sabia que semelhantes criaturas não envergavam corpos carnais e que se congregavam num reino purgatorial, em beneficio próprio; entretanto, vestiam-se de roupagens de matéria francamente imunda. Lombroso e Freud encontrariam aí extenso material de observação. Incontáveis tipos que interessariam, de perto, à criminologia e à psicanálise. Vagueavam absortos, sem rumo. Exemplares inúmeros de pigmeus, cuja natureza em si ainda não posso precisar, passavam por nós, aos magotes. Plantas exóticas, desagradáveis ao nosso olhar, ali proliferam, e animais em cópia abundante, embora monstruosos, se movimentavam a esmo, dando-me a ideia de seres acabrunhados que pesada mão transformara em duendes. Becos e despenhadeiros escuros se multiplicavam em derredor, acentuando-nos o angustioso assombro.
Após a travessia de vastíssima área, não sopitei as interrogações que me escapavam do cérebro.
O Instrutor, todavia, esclareceu, discreto:
— Guarda as perguntas intempestivas no momento. Estamos numa colônia purgatorial de vasta expressão. Quem não cumpre aqui dolorosa penitência regenerativa, pode ser considerado inteligência sub-humana. Milhares de criaturas, utilizadas nos serviços mais rudes da natureza, movimentam-se nestes sítios em posição infraterrestre. A ignorância, por ora, não lhes confere a glória da responsabilidade. Em desenvolvimento de tendências dignas, candidatam-se à humanidade que conhecemos na Crosta. Situam-se entre o raciocínio fragmentário do macacóide e a idéia simples do homem primitivo na floresta. Afeiçoam-se a personalidades encarnadas ou obedecem, cegamente, aos espíritos prepotentes que dominam em paisagens como esta. Guardam, enfim, a ingenuidade do selvagem e a fidelidade do cão. O contacto com certos indivíduos inclina-os ao bem ou ao mal e somos responsabilizados pelas Forças Superiores que nos governam, quanto ao tipo de influência que exercermos sobre a mente infantil de semelhantes criaturas.
Com respeito aos Espíritos que se mostram nestas ruas sinistras, exibindo formas quase animalescas, neles reparamos várias demonstrações da anormalidade a que somos conduzidos pela desarmonia interna. Nossa atividade mental nos marca o perispírito. Podemos reconhecer a propriedade do acerto, quando ainda no mundo. O glutão começa a adquirir aspecto deprimente no corpo em que habita. Os viciados no abuso do álcool passam a viver de borco, arrojados ao solo, à maneira de grandes vermes. A mulher que se habituou a mercadejar com o vaso físico, olvidando as sagradas finalidades da vida, apresenta máscara triste, sem sair da carne. Aqui, porém, André, o fogo devorador das paixões aviltantes revela suas vítimas com mais hedionda crueldade.
Certo, porque eu refletisse no problema de assistência, o orientador aduziu:
— É impraticável a enfermagem individual e sistemática numa cidade em que se amontoam milhares de alienados e doentes. Um médico do mundo surpreenderia aqui, às centenas, casos de amnésia, de psicastenia, de loucura, através de neuroses complexas, alcançando a conclusão de que toda a patogenia permanece radicada aos ascendentes de ordem mental. Quem cura nestes lugares há de ser o tempo com a piedade celeste ou a piedade celeste por intermédio de embaixadores da renúncia, em serviços de intercessão para os espíritos arrependidos que se refugiem na obediência aos imperativos da Lei, inspirados pela boa vontade.
Alguns transeuntes repulsivos ombrearam conosco e Gúbio considerou prudente silenciar.
Notei a existência de algumas organizações de serviços que nos pareceriam, na esfera carnal, ingênuas e infantis, reconhecendo que a ociosidade era, ali, a nota dominante. E porque não visse crianças, exceção feita das raças de anões, cuja existência percebia sem distinguir os pais dos filhos, arrisquei, de novo, uma indagação, em voz baixa.
Respondeu o Instrutor, atencioso:
— Para os homens da Terra, propriamente considerados, este plano é quase infernal. Se a compaixão humana separa as crianças dos criminosos definidos, que dizer do carinho com que a compaixão celestial vela pelos infantes?
— E porque em geral tanta ociosidade neste plano? — indaguei ainda.
— Quase todas as almas humanas, situadas nestas furnas, sugam as energias dos encarnados e lhes vampirizam a vida, qual se fôssem lampreias insaciáveis no oceano do oxigênio terrestre. Suspiram pelo retorno ao corpo físico, de vez que não aperfeiçoaram a mente para a ascensão, e perseguem as emoções do campo carnal com o desvario dos sedentos no deserto. Quais fetos adiantados absorvendo as energias do seio materno, consomem altas reservas de força dos seres encarnados que as acalentam, desprevenidos de conhecimento superior. Daí, esse desespero com que defendem no mundo os poderes da inércia e essa aversão com que interpretam qualquer progresso espiritual ou qualquer avanço do homem na montanha de santificação. No fundo, as bases econômicas de toda essa gente residem, ainda, na esfera dos homens comuns e, por isto, preservam, apaixonadamente, o sistema de furto psíquico, dentro do qual se sustentam, junto às comunidades da Terra.
A essa altura, defrontamos acidentes no solo, que o Instrutor nos levou a atravessar.
Subimos, dificilmente, a rua íngreme e, em pequeno planalto, que se nos descortinou aos olhos espantadiços, a paisagem alterou-se.
Palácios estranhos surgiam imponentes, revestidos de claridade abraseada, semelhante à auréola do aço incandescente.
Praças bem cuidadas, cheias de povo, osten¬tavam carros soberbos, puxados por escravos e animais.
O aspecto devia, a nosso ver, identificar-se com o das grandes cidades do Oriente, de duzentos anos atrás.
Liteiras e carruagens transportavam personalidades humanas, trajadas de modo surpreendente, em que o escarlate exercia domínio, acentuando a dureza dos rostos que emergiam dos singulares indumentos.
Respeitável edifício destacava-se diante de uma fortaleza, com todos os característicos de um templo, e o orientador confirmou-me as impressões, asseverando que a casa se destinava a espetaculoso culto externo.
Enquanto nos movimentávamos, admirando o suntuoso casario em contraste chocante com o vasto reino de miséria que atravessáramos, alguém nos interpelou, descortês:
— Que fazem?
Era um homem alto, de nariz adunco e olhos felinos, com todas as maneiras do policial desrespeitoso, a identificar-nos.
— Procuramos o sacerdote Gregório, a quem estamos recomendados — esclareceu Gúbio, humilde.
O estranho pôs-se à frente, determinou lhe acompanhássemos as passadas, em silêncio, e guiou-nos a um casarão de feio aspecto.
— É aqui! — disse em tom seco e, após apresentar-nos a um homem maduro, envolvido em longa e complicada túnica, retirou-se.
Gregório não nos recebeu hospitaleiramente. Fitou em Gúbio os olhos desconfiados de fera surpreendida e interrogou:
— Vieram da Crosta, há muito tempo?
— Sim — respondeu nosso Instrutor —, e temos necessidade de auxilio.
— Já foram examinados?
— Não.
— E quem os enviou? — inquiriu o sacerdote, sob visível perturbação.
— Certa mensageira de nome Matilde.
O anfitrião estremeceu, mas observou, implacável:
— Não sei quem seja. Todavia, podem entrar. Tenho serviços nos mistérios e não posso ouvi-los agora. Amanhã, porém, ao anoitecer, serão levados aos setores de seleção, antes de admitidos ao meu serviço.
Nem mais uma palavra.
Entregues a um servidor de fisionomia desagradável, demandamos porão escuro, e confesso que acompanhei Gúbio e Elói, de alma conturbada por receio absorvente e indefinível.

domingo, 17 de outubro de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 15 ÍTEM 1 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

De que Precisa o Espírito para ser Salvo

1. A que fato faz Jesus referência no início do texto?
À época em que a Terra deixar de ser um mundo de provas e expiações portanto, inferior, para ser um mundo melhor, no qual o egoísmo e o mal não sejam a tônica. Nessa oportunidade, os maus serão afastados para mundo inferiores, tornando-se reais as palavras: “Bem-aventurados os brandos e pacíficos, porque possuirão a Terra.”

“(...) quando o Filho do homem vier em sua majestade... separará uns dos outros, como o pastor separa dos bodes as ovelhas... e colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda.”Nas palavras de Jesus há uma idéia dominante: “a da felicidade reservada ao justo e da infelicidade que espera o mau.”

2. Que sentido podemos atribuir à expressão “posse do reino”, usada por Jesus nesta passagem?
Não se trata, evidentemente, de um reino material, com o conforto e as riquezas conhecidas na Terra, mas do reino espiritual, onde os justos encontrarão a suprema alegria, a paz, e gozarão da presença do amor infinito de Deus.

Para se fazer entender, Jesus usava imagens, figuras de linguagem, pois os homens que o ouviam ainda eram espíritos de pouco progresso, incapazes de compreender as questões puramente espirituais.

3. O que fizeram os justos para merecer o reino prometido?
Quando foi possível e esteve ao alcance de cada um, atenderam às necessidades básicas de seus irmãos mais carentes: necessidades de alimentação, habitação, vestuário, saúde e conforto moral.

Alimentar os famintos, dar água aos sedentos e teto aos desabrigados, vestir os nus: eis aí o caminho ensinado por Jesus, para chegarmos ao reino do nosso Pai. O conforto moral e espiritual também é uma necessidade humana, pois ”nem só de pão vive o homem “.

4. Como Jesus considera boa ação, praticada em favor dos necessitados?
Como se fora praticada em seu próprio favor, em seu próprio benefício.

“(...) portanto, tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; careci de teto e me hospedastes;- estive nu e me vestistes; achei-me doente e me visitastes; estive preso e me fostes ver.””Em verdade vos digo, todas as vezes que isso fizestes a um destes mais pequeninos dos meus irmãos, foi a mim mesmo que o fizestes.”

5. Por que, socorrendo o próximo, estamos agradando a Deus?
Porque o caminho que conduz a Deus passa, obrigatoriamente, pelo nosso próximo, a quem devemos auxílio e amparo.

O preceito de Jesus “amai-vos uns aos outros”, é rota segura que nos levará, sem desvios, ao reino de Deus.

6. De acordo com esta lição, de que necessita o espírito para ser salvo?
De fazer o bem ao próximo, sobretudo àqueles mais necessitados e esquecidos; em outras palavras: de praticar a caridade.
Nesta passagem, Jesus ressalta que o juiz não procura saber se a pessoa preencheu tal ou qual formalidade, se observou mais ou menos tal ou qual prática exterior, se freqüentou esta ou aquela religião. Indaga, simplesmente, se a caridade foi praticada.

7. Como devemos agir em nossa vida diária para atender aos ensinamentos de Jesus e, mais rapidamente, tomarmos posse do reino que Deus nos preparou?
Devemos estender sempre nossas mãos em auxílio dos irmãos necessitados, alimentando-os, vestindo-os, abrigando-os, curando-os, confortando-os.

“A Boa Nova não prometia a paz da vida superior aos que calejassem os joelhos nas penitências incompreensíveis, aos que especulassem sobre a natureza de Deus, que discutissem as coisas do Céu por antecipação ou que simplesmente pregassem as verdades eternas, mas exaltou a posição sublime de todos os que disseminassem o amor, em nome do Todo-Misericordioso.”

8. O que ocorre a quem não pratica a caridade?
Reencarna em situação de miséria e abandono, para aprender o divino valor da caridade.

“Por mais que rebusquemos motivos de salvação, se não praticarmos a caridade, estaremos por muito tempo nas prisões sem grades do egoísmo, do orgulho e da vaidade. Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na humildade, isto é, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao orgulho.”

Conclusão:

A salvação do espírito depende do bem que se faz ao próximo e resume-se, exclusivamente, na prática da caridade, por amor a Deus.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 46 - JULIANA SOLARE



Sacrifício de Mulher

Um ano se passou em trabalhos construtivos, com imensa alegria para mim. Aprendera a ser útil, encontrara o prazer do serviço, experimentando crescente júbilo e confiança.
Até ali, não voltara ao lar terrestre, apesar do imenso desejo que me espicaçava o coração. As vezes, intentava pedir concessões, nesse particular, mas alguma coisa me tolhia. Não recebera auxilio adequado, não contava, ali, com o carinho e apreço de todos os companheiros?
Reconhecia, portanto, que, se houvesse proveito, de há muito teria sido encaminhado ao velho ambiente doméstico. Cumpria, pois, aguardar a palavra de ordem. Além disso, não obstante desdobrar atividades na Regeneração, o Ministro Clarêncio continuava a responsabilizar-se pela minha permanência na colônia. A senhora Laura e o próprio Tobias não se cansavam de me lembrar esse fato. Por diversas vezes tinha defrontado o generoso Ministro do Auxilio e, no entanto, mantinha-se ele sempre silencioso sobre o assunto. Aliás, Clarêncio nunca modificava a atitude reservada, no desempenho das obrigações concernentes à sua autoridade.
Apenas pelo Natal, quando me encontrara nos festejos da Elevação, tocara levemente no assunto, adivinhando-me as saudades da esposa e dos filhinhos. Comentara as alegrias da noite e asseverara não andar longe o dia em que me acompanharia ao ninho familiar. Agradeci, comovidamente, esperando, cheio de bom ânimo. Entretanto, atingíramos setembro de 1940, sem que visse a realização de meus desejos.
Confortava-me, porém, a certeza de haver preenchido todo o meu tempo nas Câmaras de Retificação, com serviço útil. Não descansara.
Nossas tarefas prosseguiam sempre, sem solução de continuidade.
Habituara-me a cuidar dos enfermos, a interpretar-lhes os pensamentos. Não perdia de vista a pobre Elisa, encaminhando-a, de maneira indireta, a melhores tentames.
À medida, porém, que se consolidava meu equilíbrio emocional, intensificava-se-me a ansiedade de rever os meus.
A saudade doía fundo. Em compensação, de longe em longe era visitado por minha mãe, que nunca me abandonou à própria sorte, embora permanecesse em círculos mais altos.
A última vez que nos avistáramos, ela me disse que tencionava cientificar-me de projetos novos. Aquela atitude maternal de suave conformação nos sofrimentos morais que lhe feriam a alma sensível, comovera-me profundamente. Que novas resoluções teria tomado?
Intrigado, esperei-lhe a visita, ansioso de conhecer-lhe os planos.
Com efeito, nos primeiros dias de setembro de 1940, minha mãe veio às Câmaras e, depois das saudações carinhosas, comunicou-me o propósito de voltar à Terra.
Em tom afetuoso, explicou o projeto. Mas, surpreendido e discordando de semelhante decisão, protestei:
- Não concordo. Voltar a senhora à carne? Por quê? Internar-se, de novo, no caminho escuro, sem necessidade imediata?
Mostrando nobre expressão de serenidade, minha mãe ponderou:
- Não consideras a angustiosa condição de teu pai, meu filho? Há muitos anos trabalho para reerguê-lo e meus esforços têm sido improfícuos.
Laerte é hoje um céptico de coração envenenado. Não poderia persistir em semelhante posição, sob pena de mergulhar em abismos mais fundos. Que fazer, André? Terias coragem de revê-lo em tal situação, esquivando-te ao socorro justo?
- Não - respondi, impressionado -; trabalharia por auxiliá-lo; mas a senhora poderá ajudá-lo mesmo daqui.
- Não duvido. No entanto, os espíritos que amam, verdadeiramente, não se limitam a estender as mãos de longe. De que nos valeria toda a riqueza material, se não pudéssemos estendê-la aos entes amados?
Poderíamos, acaso, residir num palácio relegando os filhinhos à intempérie?
Não posso ficar a distância. Já que poderei contar contigo aqui, doravante reunir-me-ei a Luísa a fim de auxiliar teu pai a reencontrar o caminho certo.
Pensei, pensei, e redargui:
- Insistiria, no entanto, com a senhora. Não haverá meios de evitar essa contingência?
- Não. Não seria possível. Estudei detidamente o assunto. Meus superiores hierárquicos foram acordes no conselho. Não posso trazer o inferior para o superior, mas posso fazer o contrário. Que me resta, senão isso? Não devo hesitar um minuto. Tenho em ti o amparo do futuro. Não te percas, pois, meu filho, e auxilia tua mãe, quando puderes transitar entre as esferas que nos separam da crosta. Entrementes, zela por tuas irmãs, que talvez ainda se encontrem nas sombras do Umbral, em trabalho ativo de purgação.
Estarei novamente no mundo, em breves dias, onde me encontrarei com Laerte para os serviços que o Pai nos confiar.
- Mas - indaguei - como se encontra ele com a senhora? Em espírito?
- Não - disse minha mãe com significativa expressão fisionômica. Com a colaboração de alguns amigos, localizei-o na Terra, a semana passada, preparando-lhe a reencarnação imediata sem que ele nos identificasse o auxílio direto. Quis fugir das mulheres que ainda o subjugam, talvez com razão, e aproveitamos essa disposição, para jungi-lo à nova situação carnal.
- Mas isso é possível? E a liberdade individual?
Minha mãe sorriu, algo triste, e obtemperou:
- Há reencarnações que funcionam como drásticos. Ainda que o doente não se sinta corajoso, existem amigos que o ajudam a sorver o remédio santo, embora muito amargo. Relativamente à liberdade irrestrita, a alma pode invocar esse direito somente quando compreenda o dever e o pratique. Quanto ao mais, é indispensável reconhecer que o devedor é escravo do compromisso assumido. Deus criou o livre-arbítrio, nós criamos a fatalidade. É preciso quebrar, portanto, as algemas que fundimos para nós mesmos.
Enquanto me perdia em graves pensamentos, continuou ela, retomando as anteriores observações:
- As infelizes irmãs que o perseguem, entretanto, não o abandonam, e, não fosse a Proteção Divina por intermédio de nossos guardas espirituais, talvez lhe subtraíssem a oportunidade da nova reencarnação.
- Deus meu! - exclamei. - Será então possível? Estamos à mercê do mal até esse ponto? Simples joguetes em mão dos inimigos?
- Essas interrogações, meu filho - esclareceu minha genitora, muito calma -, devem pairar em nossos corações e em nossos lábios, antes de contrairmos qualquer débito, e antes de transformarmos irmãos em adversários para o caminho. Não tomes empréstimos à maldade...
- E essas mulheres? - indaguei. Que será feito dessas infelizes?
Minha mãe sorriu e respondeu:
- Serão minhas filhas daqui a alguns anos. É preciso não esqueceres que irei ao mundo em auxílio de teu pai. Ninguém ajuda eficientemente, intensificando as forças contrárias, como não se pode apagar na Terra um incêndio com petróleo. É indispensável amar, André! Os que descrêem perdem o rumo verdadeiro, peregrinando pelo deserto; os que erram se desviam da estrada real, mergulhando no pântano. Teu pai é hoje um céptico e essas pobres irmãs suportam pesados fardos na lama da ignorância e da ilusão. Em futuro não distante, colocarei todos eles em meu regaço materno, realizando minha nova experiência.
E, olhos brilhantes e úmidos, como se estivesse a contemplar horizontes do porvir, rematou:
- E mais tarde... quem sabe? talvez regresse a "Nosso Lar", cercada de outros afetos sacrossantos, para uma grande festividade de alegria, amor e união...
Identificando-lhe o espírito de renúncia, ajoelhei-me e beijei-lhe as mãos.
Desde aquela hora, minha mãe não era apenas minha mãe. Era muito mais que isso. Era a mensageira do Amparo, que sabia converter verdugos em filhos do seu coração, para que eles retomassem o caminho dos filhos de Deus.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 27 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



27 – Preparando a Volta

Quatro semanas correram céleres, quando fomos realmente procurados por Odila, no Templo do Socorro, para um entendimento particular.
Clarêncio, Hilário e eu recebemo-la quase sem surpresa.
Vinha algo triste e preocupada.
Com respeitosa delicadeza, contou-nos a experiência inquietante que atravessava.
Júlio prosseguia apresentando na fenda glótica a mesma ferida.
Instalara-se com ele em aposentos adequados na Escola das Mães e ao filhinho dispensava todo o cuidado suscetível de reerguer-lhe as energias, entretanto, a luta continuava... Recursos medicamentosos e passes magnéticos não faltavam, contudo, não
surtiam efeito.
Daria tudo para vê-lo forte e feliz.
Esperava a descoberta de algum milagre, capaz de atender-lhe o anseio de mãe, no entanto visitara, em companhia de Blandina, outros setores de assistência à infância torturada; vira inúmeras crianças infelizes, portadoras de problemas talvez mais dolorosos que aqueles do filhinho bem-amado.
Apavorara-se.
Jamais supusera a existência de tantas enfermidades depois da morte.
Tentara obter os bons ofícios de vários amigos, para esclarecer-se convenientemente, e todos, à uma, repetiam sempre que os compromissos morais adquiridos conscientemente na carne somente na carne deveriam ser resolvidos e que, por isso mesmo, a reencarnação para Júlio era o único caminho a seguir.
O corpo físico funcionaria como abafador da moléstia da alma, sanando-a, pouco a pouco...
Que fizera o menino no pretérito para receber semelhante punição?
A pobre senhora enxugava as lágrimas que lhe caíam espontâneas.
Clarêncio, profundo conhecedor do sofrimento humano, falou como sacerdote:
– Odila, o passado agora não é o remédio próprio. Atendamos à hora que passa. Temos Júlio extremamente necessitado à nossa frente e o alívio dele é o nosso objetivo mais imediato.
A mãezinha resignada concordou num gesto silencioso.
– Também creio – prosseguiu o nosso instrutor, imperturbável – que a reencarnação do pequeno é urgente medida se desejamos observá-lo no caminho da própria recuperação.
– Irmã Clara recomendou-me viesse rogar-lhe o concurso.
Ajude-me, abnegado amigo!...
– Somos todos irmãos – ajuntou Clarêncio generoso – e achamo-nos uns à frente dos outros para a prestação do serviço mútuo. Nosso Júlio não é uma criatura comum e, por esse motivo, não seria justo renascer no mundo a esmo, como planta inculta
germinando à toa, no mato da vida inferior. Assim sendo, analisemos o quadro de tuas relações afetivas...
Depois de ligeira pausa, acrescentou:
– Tens grande plantio de amizades puras na Terra? Em questões de auxílio, não podemos perder os nossos sentimentos de vista. Tanto para entrar no reino do espírito, como para entrar no reino da carne, em melhores condições, não podemos prescindir da cooperação de amigos sinceros que nos conheçam e nos amem.
– Ah! sim, compreendo... – exclamou a interlocutora com algum desapontamento – Sempre ocupada com a nossa casa e com a nossa família, nunca pude efetivamente cultivar tantas afeições, como seria de desejar. Amaro, porem...
– Perfeitamente – atalhou o Ministro, completando-lhe a frase –, estou certo de que Amaro continuará sendo para o menino um admirável companheiro, entretanto, não podemos dispensar no cometimento o concurso de Zulmira. Precisamos dela no trabalho
maternal. Para isso, é imprescindível te faças mais devotada, mais amiga... Um esforço pede outro. Sem o lubrificante da cooperação, a máquina da vida não funciona.
Os olhos de Odila faiscaram de esperança.
– Tudo farei por ajudá-la, auxiliando a mim mesma – disse, comovida –, entendo mesmo nesse imperativo de fraternidade a doce determinação do Senhor, constrangendo-me a operosa boa vontade para com ela. Realmente – acentuou, sorrindo –, reparo
quão sublime é a Infinita Bondade do Céu. A princípio lutei contra Zulmira, desejando ser amada de meu esposo, agora devo lutar em favor de nossa irmã por amar o meu filho. Muito erramos, disputando o amor dos outros, entretanto corrigimo-nos e acertamos o passo, quando procuramos amar.
– Sem dúvida, as tuas conclusões são luminoso ensinamento – concordou o Ministro, bem humorado –; em tudo vemos a Eterna Sabedoria.
– Devo buscar alguma regra específica?
– Creio – ponderou o nosso orientador – que as tuas visitas afetuosas ao antigo lar, consolidando-lhe a harmonia, são a providência básica para que Júlio encontre um clima de confiança.
Admito que o nosso pequeno reclama especiais atenções, considerando-se-lhe a posição de enfermo, para quem a reencarnação apresenta obstáculos justos.
O entendimento alongou-se por mais tempo, entre os conselhos paternais do Ministro e a sincera humildade da visitante.
Quando Odila se despediu, desfechamos sobre o instrutor algumas perguntas que nos fustigavam a cabeça.
A reencarnação como lei exigia o concurso da amizade para cumprir-se? Os desafetos da vida influíam em nosso futuro? O trabalho reencarnatório não seria uma imposição natural?
Clarêncio ouviu, atencioso, as indagações e respondeu, satisfeito:
– A lei é sempre a lei. Cabe-nos tão somente respeitá-la e cumpri-la. Nossa atitude, porém, pode favorecer-lhe ou contrariarlhe o curso, em favor ou em prejuízo de nós mesmos, o renascimento na carne funciona em condições idênticas para todos, contudo,
à medida que se nos desenvolvem o conhecimento e o amor, conseguimos colaborar em todos os serviços do aperfeiçoamento moral em nossas recapitulações. A alma, como a planta, pode ressurgir em qualquer trato de solo, mas não seria justo relegar
sementes selecionadas a terrenos incultos. A reencarnação, por si, tanto quanto ocorre nos reinos inferiores à evolução humana, obedece a princípios embriogênicos automáticos, com bases na sintonia magnética; contudo, em se tratando de criaturas com alguns passos à frente da multidão comum, é possível ajustar providências que favoreçam a execução da tarefa a cumprir. Nesses casos, a plantação de simpatia é fator decisivo na obtenção dos recursos de que necessitamos... Quem cultiva a amizade somente na família consanguínea, dificilmente encontra meios para desempenhar
certas missões fora dela.
Quanto mais extenso o nosso raio de trabalho e de amor, mais ampla se faz a colaboração alheia em nosso benefício.
– E quando, desprevenidos, deixamos que a antipatia cresça em derredor de nós? – inquiriu Hilário, com interesse.
– Toda antipatia conservada é perda de tempo, em muitas ocasiões acrescida de lamentáveis compromissos. O espinheiro da aversão exige longos trabalhos de reajuste. Em várias circunstâncias, para curar as chagas de um desafeto, gastamos muitos anos, perdendo o contacto com admiráveis companheiros de nossa jornada espiritual para a Grande Luz.
A palavra de Clarêncio impunha-nos graves reflexões e talvez por isso a quietação baixou sobre nós.
Soubemos, mais tarde, que a genitora de Evelina passou a dispensar envolvente carinho ao ferroviário e à companheira doente, que, à custa de muito esforço dela, restabeleceu afinal a saúde orgânica.
Preparando o retorno do filhinho, Odila associou-se, de coração, à tarefa de restaurar-lhes a harmonia conjugal e o contentamento de viver.
Foi assim que, transcorridas algumas semanas, recebemos um convite da Irmã Clara para uma visita ao Lar da Bênção.
Em noite próxima, Odila conduziria a segunda esposa de Amaro ao encontro de Júlio, como derradeira preliminar do trabalho reencarnatório.
No momento aprazado, achávamo-nos a postos. Blandina, Mariana, Clarêncio, Hilário e eu, palestrando animadamente em aposentos reservados na Escola das Mães, cercávamos o alvo berço em que o doentinho gemia de quando em quando.
Assistida por irmã Clara, Odila demandara o antigo ninho doméstico, no propósito de acompanhar Zulmira até nós.
Decorrido algum tempo de expectação, as três chegaram, envolvidas em luminosa onda de paz.
Enlaçada pelos braços das duas protetoras, a ex-obsidiada parecia feliz, não obstante a impressão de medo e insegurança que lhe transparecia do olhar.
Respondeu-nos as saudações com a estranheza de quase todos os encarnados que alcançam as esferas superiores da vida espiritual, antes da morte física, e, logo após, sustentada pelas companheiras, aproximou-se do pequeno enfermo, identificando-o, espantada.
– Será Júlio, meu Deus?
– É verdadeiramente Júlio! – confirmou Odila, fraternal – para ele te rogamos socorro! Nosso pequeno precisa renascer, Zulmira!
Poderás auxiliá-lo, oferecendo-lhe o regaço de mãe?
Vimos a interpelada em lágrimas de alegria.
Inclinou-se sobre o menino, afagando-o com intraduzível ternura, e falou em voz quase sufocada pela comoção:
– Estou pronta! Devo a Júlio cuidados que lhe neguei... Louvo reconhecidamente a Deus por esta graça! Sinto que assim nunca mais serei assaltada pelo remorso de não haver feito por ele quanto me competia!... Será meu filho, sim!... Conchegá-lo-ei de
encontro ao peito! Ó Senhor, ampara-me!...
Abraçou o menino enfermo e afigurou-se-nos, desde então, incapaz de qualquer sintonia conosco.
Talvez religada, de súbito, a inquietantes recordações da fixação mental que atravessara, pareceu-nos cega e surda, sob o império de inesperada introversão.
O Ministro, atendendo ao apelo de Clara, abeirou-se dela e amparou-a, recomendando:
– Convém seja nossa irmã restituída ao lar terrestre. O choque repetido será prejuízo grave. Amanhã, reconduziremos nosso pequeno ao santuário doméstico de onde veio, confiando-o, enfim, à tarefa do recomeço.
A sugestão foi obedecida.
E enquanto Zulmira voltava ao templo familiar, arquivávamos
nossa expectação, à espera do dia seguinte.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 14 ÍTEM 9 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

HONRAI A VOSSO PAI E A VOSSA MÃE

Ingratidão dos Filhos e os Laços de Família

1. Qual a causa da ingratidão, no coração do homem?
A ingratidão é provocada pelo egoísmo, sentimento próprio dos espíritos ainda endurecidos, imperfeitos.

A ingratidão é sentimento mesquinho, que magoa quem recebe e provoca graves danos espirituais em quem o pratica.

2. Que explicação se pode dar à ingratidão dos filhos para com os pais?
Quando, na presente encarnação, não há motivo que a justifique, este sentimento pode dever-se a inimizades surgidas em vidas passadas.

Ódios, perseguições e desejos de vingança, não se apagam com a morte, mas atravessam encarnações sucessivas até se extinguirem completamente, dando lugar ao amor.

3. A todo espírito é dada a oportunidade de encarnar como familiar daqueles a quem já odiou, ou por quem foi odiado?
Certamente que sim. Porém, somente os espíritos com algum progresso é que desejam enfrentar esta provação, para entender que, para chegar a Deus, é necessário praticar a caridade, perdoando e esquecendo as injúrias e os ultrajes recebidos.

Aos espíritos mais adiantados é dado entrevejam uma partícula da verdade; apreciam, então, as funestas conseqüências de suas paixões e tomam o propósito de repará-las.

4. Uma vez que o espírito tomou a resolução de encarnar entre inimigos de vidas anteriores, torna-lhe fácil cumpri-la?
Nem sempre é fácil a tarefa. É penoso ao espírito observar aqueles que já lhe foram causa de padecimentos e ruína. Muitos desistem da prova; outros, nos quais predomina a boa resolução, rogam a Deus e aos bons espíritos auxílio, para enfrentá-la e vencê-la.

Ao observar aqueles a quem odiou na Terra, o espírito fica conturbado entre sentimentos opostos de vingança e perdão. “Não há caridade sem perdão, nem o coração tomado pelo ódio.”

5. Como se dá a encarnação do espírito, nessas famílias?
Após anos de meditação e prece, o espírito obtém permissão para cumprir sua prova. Aproveita-se, então, de um corpo em preparo na família daquele a quem detestou, nele encarnado.

A encarnação entre antigos desafetos é oportunidade que a misericórdia infinita de Deus nos concede, para expiar faltas passadas e mais rapidamente chegar até Ele.

6. Uma vez encarnado, que atitude poderá adotar o espírito, para com os familiares?
Seu procedimento dependerá da maior ou menor persistência em cumprir as resoluções tomadas antes de encarnar. Portanto, conforme prevaleçam ou não os bons propósitos, ele será amigo ou permanecerá inimigo daqueles entre os quais foi chamado a viver.

Para se apreender a causa de ódios e repulsões instintivas manifestadas por certas crianças, sem nenhum motivo que os justifique naquela presente encarnação, torna-se necessário volver o olhar ao passado..

7. Como devemos agir diante da ingratidão dos filhos?
Reconhecendo que não foi o acaso que nos tornou seus pais, nem os fez assim. Buscando todos os meios para superar estas dissensões na presente encarnação, através da educação, da orientação para o bem, do bom exemplo e, sobretudo, do amor.

“Não escorraçais, pois, a criancinha que repele sua mãe, nem a que vos paga com a ingratidão...” Mães! Abraçai o filho que vos dá desgostos e dizei, convosco mesmas: Um de nós dois é culpado!”Ensinai aos vossos filhos que eles estão na Terra para se aperfeiçoar, amar e bendizer a Deus.

Conclusão:

A ingratidão dos filhos para com os pais não é fruto do acaso, mas conseqüência de dissensões e ódios em vidas anteriores, que devem ser superados na presente encarnação pelo exercício do amor e do perdão entre os membros da família terrena. Desprezar esta oportunidade significa transferir para encarnações futuras dificuldades que nesta poderiam ser superadas.