terça-feira, 3 de novembro de 2009

ESTUDO DO LIVRO NO MUNDO MAIOR - CAPÍTULO 12


12
ESTRANHA ENFERMIDADE


Acompanhando o abnegado irmão dos sofredores, penetrei confortável residência, onde Calderaro me conduziu, incontinente, à presença de um nobre cavalheiro em repouso.
Achamo-nos em elegante aposento, decorado em ouro-velho. Magnífico tapete completava a graça ambiente, exibindo caprichosos arabescos em harmonia com os desenhos do teto.
Estirado num divã, o enfermo que visitávamos engolfava-se em profunda meditação. Ao lado, humilde entidade de nossa esfera como que nos aguardava.
Aproximou-se e cumprimentou-nos, gentil.
Às fraternas interpelações do Assistente, respondeu solícita:
— Fabrício vai melhorando; no entanto, continuam os fenômenos de angústia. Tem estado inquieto, aflito...
O orientador lançou expressivo olhar ao doen¬te e insistiu:
— Mantém ainda o autodomínio? não se abandonou totalmente às impressôes destrutivas?
A interlocutora, revelando contentamento, informou:
— A Divina Misericórdia não tem faltado. O desequilíbrio integral, por enquanto, não erigiu seu império. Em nome de Jesus, nossa colaboração tem prevalecido.
Calderaro, então, fraternalmente indagou, dirigindo-se a mim:
— Chegaste, alguma vez, a examinar casos declarados de esquizofrenia?
Não adquirira conhecimentos especializados da matéria; todavia, não ignorava constituir esse morbo uma das mais inquietantes questôes da psiquiatria moderna.
— Este ramo ingrato da Ciência, que estuda a patologia da alma — declarou o companheiro, compreendendo a minha Insipiência —, é, há muito tempo, campo de batalha entre fisiologistas e psicologistas; tal conflito é, em verdade, lamentável e bizantino, de vez que ambas as correntes possuem razões substanciais nos argumentos com que se digladiam. Somos, contudo, forçados a reconhecer que a psicologia ocupa a melhor posição, por escalpelar o problema nas adjacências das causas profundas, ao passo que a fisiologia analisa os efeitos e procura remediá-los na superfície.
Logo após, o Assistente recomendou-me examinar a esfera mental do visitado.
Auscultei-lhe o íntimo, ficando aterrado com as inquietudes que lhe povoavam o ser, O cérebro apresentava anomalias estranhas. Toda a face inferior mostrava manchas sombrias. Os distúrbios da circulação, do movimento e dos sentidos eram visíveis. Calderaro apresentara-me Fabrício, classificando-o como esquizofrênico; mas não es¬taríamos, ali, perante um caso de neurastenia cérebro-cardíaca?
O instrutor ouviu-me pacientemente e observou:
— Diagnóstico exato, no aspecto em que o nosso amigo se apresenta hoje. A esquizofrenia, contudo, originando-se de sutis perturbações do organismo perispirítico, traduz-se no vaso rico por surpreendente conjunto de moléstias variáveis e indeterminadas. No momento, temos aqui a doença de Kriahaber com todos os característicos especiais.
Mostrando grave expressão no semblante, acrescentou:
— Repara, contudo, além dos efeitos mutáveis. Analisa a mente e os domínios das sensações.
Lancei mais profundamente a sonda de minha observação sobre os quadros interiores do enfer¬mo e percebi-lhe imagens torturantes na tela da memória.
Ensimesmado, Fabrício não se dava conta do que ocorria no plano externo. Braços imóveis, olhos parados, mantinha-se distante das sugestões ambientes; no íntimo, todavia, a zona mental semelhava-se a fornalha ardente.
A imaginação superexcitada detinha-se a ouvir o passado... Recordava-lhe a figura de um velhinho agonizante. Escutava-lhe as palavras da última hora do corpo, a recomendar-lhe aos cuidados três jovens presentes também ali, na paisagem de suas reminiscências. O moribundo devia ser-me o genitor, e os rapazes, irmãos. Conversavam, entre si, lacrimosos. De repente, modificavam-se-lhe as lembranças. O ancião e os jovens pareciam revoltados contra ele, acusando-o. Nomeavam-no com descaridosas designações...
O doente ouvia as vozes internas, ansioso, amargurado. Desejava desfazer-se do pretérito, pagaria pelo esquecimento qualquer preço, ansiava de fugir a si próprio, mas em vão: sempre as mesmas recordações atrozes vergastando-lhe a consciência.
Verificava-lhe eu os estragos orgânicos, resultantes do uso intensivo de analgésicos. Aquele ho¬mem deveria estar duelando consigo mesmo, desde muitos anos.
Achava-me no exame da situação, quando uma senhora idosa surgiu no aposento, tentando chamá-lo à realidade.
— Vamos, Fabrício! não se alimenta hoje?
O interpelado vagueou o olhar pela sala, esboçou uma resposta negativa sem palavras e deixou-se ficar na mesma posição.
A matrona insistiu, afável, mas não conseguiu demovê-lo. E porque prosseguisse, atenciosa, bus¬cando ministrar-lhe um caldo, o enfermo levantou-se, de súbito, como se houvera repentinamente enlouquecido. Esbravejou expressões inconvenientes e ingratas; rubro de cólera, repeliu o oferecimen¬to, surpreendendo-me pela crise de nervos destrambelhados.
A esposa regressou ao interior da casa, enxugando os olhos, enquanto Calderaro me esclarecia, comovido:
— Está no limiar da loucura, e ainda não enveredou francamente pelo terreno da alienação mental, graças à dedicação de velha parenta desencarnada que o assiste, vigilante.
Logo após, o Assistente o submeteu a operações magnéticas de reconforto, vigorando-lhe a resistência.
Ante o neurastênico, mais calmo agora, narrou, com serenidade:
- Nosso irmão enfermo teve a infelicidade de apropriar-se indebitamente de grande herança, depois de haver prometido ao genitor moribundo velar pelos irmãos mais novos, na presença destes; ao se sentir, porém, senhor da situação, desamparou os manos e expulsou-os do lar, valendo-se de rábulas bem remunerados, desses que, sem escrúpulo, vivem de inquinar os textos legais. Por mais enérgicas e convincentes as reclamações arrazoa¬das, por mais comovedores os apelos à amizade fraterna, manteve-se ele em clamorosa surdez, arrojando os irmãos à penúria e a dificuldades de toda a sorte. Dois deles morreram num sanatório em catres da indigência, minados pela tuberculose que os surpreendeu em excessivas tarefas noturnas; e o outro desencarnou em míseras condições de infortúnio, relegado ao abandono, antes dos trinta anos, presa de profunda avitaminose, consequente da subalimentação a que fora compelido. Tudo isto nosso desditoso amigo conseguiu fazer, escapando à justiça terrena; entretanto, não pôde eliminar dos escaninhos da consciência os resquícios do mal praticado; os remanescentes do crime são guardados em sua organização mental como carvões em paisagem denegrida, após incêndio devorador; e esses carvões convertem-se em brasas vivas, sempre que excitados pelo sopro das recordações. O mau filho e perverso irmão, enquanto senhor dos patrimônios de resistência que a virilidade do corpo lhe permitia, lograva fugir de si mesmo, sem grandes dificuldades. O dinheiro fácil, a saúde sólida, os divertimentos e prazeres, desempenhavam para ele a função de pesadas cortinas entre o personalismo arrogante e a realidade viva. Todavia, o tempo cansou-lhe o aparelho fisiológico e consumiu-lhe a maioria das ilusões; pouco a pouco, encontrou-se a si mesmo; na viagem de volta ao próprio eu, viu-se, porém, a sós com as lembranças de que não conseguira escoimar-se. Debalde intentou descobrir o bom ânimo e o bem-estar: estes se lhe ocultavam. Impossível era concentrar-se no próprio ser, sem ouvir o pai e os irmãos, acusando-o, expro¬brando-lhe a vileza... A mente atormentada não achava refúgio consolador. Se rememorava o pretérito, este lhe exigia reparação; se buscava o presente, não obtinha tranquilidade para se manter no trabalho sadio; e, quando tentava erguer-se a plano superior, desejoso de orar ao Altíssimo, era surpreendido, ainda aí, por dolorosas advertências, no sentido de inadiável correção da falta cometida. Nesse estado espiritual, interessou-se tardiamente pelo destino dos irmãos. As informações colhidas não lhe deixavam margem ao pagamento imediato; haviam todos partido, precedendo-o na grande jornada do túmulo. Desde então, verificando a impraticabilidade de rápida retificação do tortuoso destino, o infeliz fixou-se nas zonas mais baixas do ser. Perdeu as ambições nobres e os ideais sadios, passou a ignorar os recursos da esperança. As vantagens materiais, ao invés de confortá-lo, infundiam-lhe, agora, pavoroso tédio e indizível desgosto. Engrazado à máquina das responsabilidades finan¬ceiras, criadas por ele mesmo sem o espírito de possuir para dar em nome do Bem Universal, não lhe foi possível esquivar-se às imposições da vida social, na qualidade de homem de alto comércio, até que baqueou, em supremo torpor. Sentindo-se incriminado no tribunal da própria consciência, começou a ver perseguidores em toda a parte. Adqui¬riu, assim, fobias lamentáveis. Para ele, todos os pratos estão envenenados. Desconfia de quase todos os familiares e não tolera as antigas relações.
O excesso de recursos materiais fê-lo descrente da amizade sincera, conferiu-lhe noções de privilégio que nunca mereceu, acentuou-lhe a independência destrutiva, extinguiu-lhe no coração a bendita luz do verbo “servir”. Como vemos, sua situação é absolutamente desfavorável ao necessário reerguimento. A condição, a que se impôs pelos desejos menos nobres que sempre nutriu, é de apatia e de esterilidade...
A essa altura da narrativa, Calderaro apontou em particular o cérebro doente, e explicou:
O sistema nervoso, que se liga à câmara encefálica através de processos indescritíveis na técnica da ciência humana, mais não é do que a representação de importante setor do organismo perispirítico, segundo acabamos de estudar. A mente falida de Fabrício, experimentando insistentes remorsos e aflitivas preocupações, intoxicou esses centros vitais com a incessante emissão de energias corruptoras. Consequentemente, verificou-se o que em boa psiquiatria poderíamos designar por desão generalizada do sistema nervoso». Tal desastre atingiu, em primeiro lugar, as sedes das conquistas mais recentes da personalidade, isto é, as células e os estímulos mais jovens, que se localizam nos lobos frontais e no córtex motor, inutilizando temporàriamente o nosso amigo, para a meditação elevada e para o trabalho sadio, e obrigando-o a regredir, no terreno espiritual, para dentro de si mesmo. De mente estacionária agora, em plena região instintiva da individualidade, nosso enfermo ainda não se acha positivamente desequilibrado, graças à contínua assistência de nosso plano.
Calando-se o Assistente, ousei interrogar:
— Mas há esperança de reequilibrio para breve?
— Absolutamente não — respondeu o interpelado, de maneira significativa —; no caso dele, funcionariam em vão as terapêuticas em uso. O espírito delinquente pode receber os mais variados gêneros de colaboração, mas será imperiosamente o médico de si mesmo. A Justiça Divina exerce invariável ação, embora os homens não a identifiquem no mecanismo de suas relações ordinárias. Os criminosos podem, por muito tempo, escapar ao corretivo da organização judiciária do mundo; no entanto, mais cedo ou mais tarde, vaguearão, perante os seus irmãos em humanidade, em baixo terreno espiritual, representado no quadro de aflições punitivas. Para os familiares e amigos, Fabrício é um esquizofrênico, incapaz de resistir às aplicações do choque insulínico em virtude do coração frágil e cansado; todavia, para nós é um companheiro acidentado na ambição inferior, curtindo amargos resultados de seus propósitos de dominar egoisticamente na vida.
Interrompendo-se o orientador, dei guarida a interrogações naturais no campo Intimo.
Se o doente não oferecia perspectivas de melhoras substanciais, qual o objetivo de nossa assistência? porque nos demorarmos à frente de um caso insolvível, qual aquele, pela impossibilidade de próximo reencontro entre o criminoso e suas vítimas?
Calderaro não me deixou sem resposta.
— Estamos aqui — elucidou, atencioso —, a fim de proporcionar-lhe morte digna. Não chegará a enlouquecer em definitivo. Com o nosso concurso fraterno, desencarnará antes do eclipse total da razão.
E porque me mostrasse espantado, o prestimoso amigo acrescentou:
— Fabrício desposou uma criatura, por todos os títulos credora do amparo celestial, e essa mulher quase sublime deu-lhe três filhos, pos quais ele se consagrou nobremente, preparando-os para elevado ministério social. São eles, presentemente, dois professores e um médico, dedicados ao ideal superior de servir ao bem coletivo. Fabrício não tem o direito de perturbar a família organizada à sombra de seu amparo material, mas educada sem o seu personalismo despótico. Pelo serviço que prestou à esposa e aos filhos, recebe do Alto o socorro de agora, de maneira a transferir residência, por imposição da morte, preparado para o futuro de reajustamento. As preces da companheira e dos filhos garantem-lhe uma “boa morte” próxima, para a qual vamos organizando as suas energias e habituando pari passu a família a permanecer em missão ativa no bem sem a presença material dele.
Silenciou o Assistente, dispondo-se a fazer-lhe aplicações magnéticas no aparelho circulatório. Demorou-se minutos longos administrando-lhe
forças ao redor dos vasos mais importantes e, em seguida, desenvolveu passes longitudinais, destinados à quietação dos nervos.
Ante minha admiração natural, Calderaro explicou-se:
— Preparamos acesso à trombose pela calcificação de certas veias. A desencarnação chegará suavemente, dentro de alguns dias, como providência compassiva, indispensável à felicidade do euferino e de quantos lhe seguem de perto o martírio.
O doente, mais calmo, parecia haver sorvido milagroso analgésico. Aquietou-se, descansando a cabeça nos travesseiros alvos.
Dentro do silêncio que se fizera entre nós, ia¬daguei, curioso:
— Considerando, no entanto, o decesso, em breves dias, como prosseguirá o processo de resgate do nosso amigo?
— A liquidação já começou — redarguiu o instrutor, sereno.
— Como?
Calderaro fêz expressivo gesto e recomendou:
— Espera.
Nesse mesmo instante, o enfermo acionou a campainha à cabeceira. A esposa atendeu, à pres¬sa. Encontrou-o melhor e sorriu, feliz.
O velho, mais tranquilo, rogou:
— Inês, posso ver o Fabricinho?
— Como não? — respondeu a companheira delicadamente — vou buscá-lo.
Em poucos minutos, regressava trazendo um menino de seus oito anos. O pequeno atirou-se-lhe aos braços esqueléticos, com extremado carinho, e perguntou:
— Está melhor, vovô?
O doente contemplou-o, enternecido, infor¬mando:
— Estou melhor, meu filhinho... Porque não veio de manhã?
— Vovó não deixou.
— Sim, é verdade; eu não me achava bem...
A senhora retirou-se, para acompanhar a cena do outro lado da cortina.
Avô e neto sentiram-se mais à vontade.
Totalmente transfigurado com a presença do menino, nosso quase demente amigo suplicou:
— Fabricinho, eu desejo que você reze por mim...
O petiz não se fêz rogado.
Ajoelhou-se ali mesmo e disse, respeitosa-mente, a oração dominical.
Terminada a prece, o doente pediu, de olhos umidos:
— Não se esqueça, meu filho, de orar por mim quando eu morrer.
O menino, agora de pé, enlaçou-lhe o busto e exclamou, chorando discretamente:
— O senhor não morrerá!... Mostrando-se aliviado, o velhinho correspondeu ao gesto afetivo, fitou o neto e inquiriu, com estranho fulgor no olhar:
— Fabricinho, você acredita que Deus perdoa aos pecadores como eu?
O pequeno respondeu, lacrimoso e confundido:
— Eu acho, vovô, que Deus perdoa todos nós.
Revelando as ansiedades que lhe povoavam a alma, voltou à indagação:
— Mesmo a um homem que trai a confiança paterna e rouba aos irmãos?
O netinho hesitou, incapaz de apreender toda a extensão daquela pergunta intencional; entretanto, no desejo de agradar ao doente, de qualquer modo, balbuciou com toda a simplicidade infantil:
— Eu penso que Deus perdoa sempre...
— É o que eu pretendia saber — acentuou o velhinho, mais confortado.
A conversação entre ambos prosseguiu afetuosa e amena.
Após detido exame, Calderaro apontou para a criança e esclareceu:
— Este menino é o ex-pai de Fabricio, que volta ao convívio do filho delinqüente pelas portas benditas da reencarnação. É o único neto do enfermo e, mais tarde, assumirá a direção dos patrimônios materiais da família, bens que inicialmente lhe pertenciam. A Lei jamaiS dorme.
Assombrado com a informação, remol as perguntas que me afloravam, espontâneas.
Como se redimiria, por sua vez, o velho Fabrício? Regressaria também, em dias futuros, àquele mesmo lar? Sofreria o desequilíbrio completo, depois da morte do corpo denso? Demorár-se-ia em perturbação?
Calderaro, dando por findos nossos trabalhos de assistência na casa, sorriu para mim, preparou-se para a retirada e obtemperou:
— Nosso amigo enfermo, guardando na mente os resíduos da ação criminosa, logo após o abandono do domicílio fisiológico experimentará, por muito tempo, os resultados de sua queda, até que o sofrimento alije os elementos malignos que lhe intoxicam a alma. Quando esse serviço purgatonal estiver completo, então...
— Regressará aos seus familiares? — inquiri, ansioso, ante a frase suspensa.
— Se o grupo consangüíneo atual houver elevado o padrão espiritual a luminosas culminâncias, será compelído a esforçar-se intensivamente pelo alcançar. Entretanto, jamais estará desamparado. Todos temos a imensa família, dentro da qual nos integramos desde a origem — a Humanidade.
Nesse instante, abandonávamos o aposento suntuoso.
Em breves segundos, tornávamos à Natureza gozando a bênção do céu muito límpido. E enquanto o meu instrutor se refugiava em si mesmo, atento às responsabilidades do serviço, dei expansão a novos pensamentos, relativos à amplitude e à grandeza do império da justiça.

LIVRO DOS ESPÍRITOS - CAPÍTULO VI


Percepções, sensações e sofrimentos dos espíritos

No mundo espiritual o espírito age com maior liberdade, conservando as percepções que tinha quando encarnado, e tendo outras que o corpo físico não lhe permite. Não queremos dizer com isso que o espírito, pelo simples facto de passar para o mundo espiritual, sofra profundas transformações no seu modo de ser e de agir, mas apenas que o corpo físico actua como um véu e limita as suas possibilidades.

Em relação ao conhecimento, ele é proporcional ao nível de evolução de cada um. Os espíritos inferiores não sabem mais do que os homens. A ideia que fazem do princípio das coisas, do passado e do futuro, varia de acordo com o grau de elevação de cada espírito. O mesmo ocorre em relação à compreensão de Deus: «Os espíritos superiores vêem-no e compreendem-no; os espíritos inferiores sentem-no e adivinham-no».

A vista dos espíritos não é circunscrita, como nos seres corpóreos, constituindo-se numa faculdade geral. Aqueles que, todavia, ainda se encontram presos mentalmente aos quadros da vida material, continuarão a ter limitadas as suas percepções visuais, como se ainda estivessem no plano físico.

«Todas as percepções são atributos do espírito, e fazem parte do seu ser. Quando ele se reveste de um corpo material, elas manifestam-se pelos meios orgânicos; mas no estado de liberdade já não estão localizadas».

Em relação à música e às belezas naturais, prevalece ainda a posição evolutiva do espírito na apreciação das mesmas. Esclarecem-nos os espíritos que a música celeste não pode ser comparada à nossa música.

Comunicando-se connosco, alguns espíritos dizem sentir fadiga, necessidade de repouso, frio ou calor.

Nas questões n.º 254 e 255 de «O Livro dos Espíritos» encontramos a explicação:

«Não podem sentir fadiga como a entendeis, e portanto não necessitam do repouso corporal, pois não possuem órgãos, em que as forças tenham de ser restauradas. Mas o espírito repousa, no sentido de não permanecer numa actividade constante. Ele não age de maneira material porque a sua acção é toda intelectual, e o seu repouso é todo moral. Há momentos em que o seu pensamento diminui de actividade e não se dirige a um objecto determinado; este é um verdadeiro repouso, mas não se pode compará-lo ao do corpo. A espécie de fadiga que os espíritos podem provar está na razão da sua inferioridade, pois quanto mais se elevam de menos repouso necessitam».

Em relação às sensações de frio ou calor o que existe é «a lembrança do que sofreram durante a vida, e algumas vezes tão penosa como a própria realidade. Frequentemente, é uma comparação que fazem, para exprimirem a sua situação. Quando se lembram do corpo experimentam uma espécie de impressão, como quando se tira uma capa e algum tempo depois ainda se pensa estar com ela».

Na questão n.º 257 de «O Livro dos Espíritos» Allan Kardec apresenta um «ensaio teórico sobre a sensação nos espíritos». Recomendando a consulta do estudo aludido, transcrevemos aqui um trecho do mesmo, que julgamos importante para resumir o que atrás já foi dito: «Vemos, pois, as deduções que podemos tirar dos factos, quando atentamente observados. Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e transmite-as ao espírito, por intermédio do perispírito, que constitui, provavelmente, o que se costuma chamar fluido nervoso. O corpo, estando morto, não sente mais nada, porque não possui espírito nem perispírito. O espírito, desligado do corpo, experimenta a sensação, mas como esta não lhe chega por um canal limitado torna-se geral. Como o perispírito é apenas um agente de transmissão, pois é o espírito que possui a consciência, deduz-se que se pudesse existir perispírito sem espírito ele não sentiria mais do que um corpo morto. Da mesma maneira, se um espírito não tivesse perispírito seria inacessível a todas as sensações penosas: é o que acontece com os espíritos completamente purificados. Sabemos que quanto mais o espírito se purifica mais eterizada se torna a essência do perispírito, de maneira que a influência material diminui à medida que o espírito progride, ou seja, à medida que o perispírito se torna menos grosseiro».

OBSESSÃO - PROFILAXIA E TERAPEUTICA


Astolfo Olegário de Oliveira Filho – Londrina

I - Como podemos neutralizar a influência dos Espíritos de natureza inferior?

1. Neutralizar a influência dos Espíritos de natureza inferior equivale a prevenir a obsessão. Aliás, o vocá-bulo profilaxia tem exatamente esse significado, ou seja, a prevenção de doenças ou o emprego de meios que as possam evitar.

2. Para tanto é necessário, conforme ensina a questão 469 d´O Livro dos Espíritos, fazer o bem e colocar toda a nossa confiança em Deus. “Guardai-vos – acrescentou o benfeitor espiritual que respondeu referida questão – de atender às sugestões dos Espíritos que vos suscitam os maus pensamentos, que sopram a discór-dia entre vós outros e que vos insuflam as paixões más. Desconfiai, especialmente, dos que vos exaltam o orgulho, pois que esses vos assaltam pelo ladro fraco.”

3. A obsessão – como já vimos em estudos anteriores – decorre sempre de uma imperfeição moral que fa-vorece a ação do obsessor, que se vale então da sintonia que a imperfeição de um propicia ao outro. Deriva daí, para o obsidiado, a necessidade de trabalhar para melhorar a si próprio, o que muitas vezes é suficiente para livrá-lo do obsessor, sem necessidade de socorro externo.

4. Evidentemente esse socorro torna-se necessário quando a obsessão progride para a subjugação ou a possessão, porque nesses casos o obsidiado perde a vontade e a capacidade de fazer uso do livre-arbítrio.

II - O passe magnético é importante no tratamento da obsessão?

5. Nos casos graves de obsessão, ensina Kardec, o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um fluido pernicioso do qual tem dificuldade de desembaraçar-se. Faz-se então necessária a atuação de um fluido bom, capaz de neutralizar o mau fluido, o que pode ser obtido por meio da terapêutica do passe magnético.

6. O passe magnético, observa André Luiz, como gênero de auxílio sem qualquer contra-indicação, é sempre valioso no tratamento ministrado aos enfermos de qualquer classe. Obsessor e obsidiado são enfermos da alma e por isso beneficiam-se muito com o passe. Dificilmente, porém, basta uma ação mecânica para que o mal seja debelado: será preciso atuar sobre o ser inteligente causador da obsessão, ao qual devemos falar com autoridade.

7. Essa autoridade, não a possui quem não tenha superioridade moral, que decorre do aprimoramento mo-ral do socorrista. Quanto maior o aprimoramento moral, maior a autoridade. Mas isso ainda não é tudo: para assegurar a extinção do processo obsessivo, é indispensável que o obsessor seja, por meio de instruções ha-bilmente ministradas, convencido a renunciar aos seus desígnios, a perdoar e a desejar o bem, arrependendo-se dos prejuízos causados à sua vítima.

III - Quando a tarefa desobsessiva se torna mais fácil?

8. O trabalho torna-se mais fácil quando o obsidiado, compreendendo a situação, procura auxiliar com sua vontade e com suas preces a tarefa em curso. Se, porém, ele não fizer a parte que lhe cabe no processo, as dificuldades do tratamento serão muito grandes, sobretudo se ele se ilude com as qualidades do seu obsessor e se compraz no erro a que foi conduzido.

IV - A prece é um recurso importante na terapia desobsessiva?

9. Em todos os casos de obsessão, a prece é e será sempre o mais poderoso meio de que dispomos para demover o obsessor dos seus propósitos maléficos.

10. Em todos eles, também, a prática do amor e da caridade constitui outro recurso valioso, porque somen-te o amor, tal como nos foi ensinado e exemplificado por Jesus, conseguirá harmonizar indivíduos que se o-deiam, pondo fim às idéias de vingança, às perseguições e aos sofrimentos daí decorrentes.

V - Quais são os principais recursos espíritas que podemos utilizar no tratamento da obsessão?

11. Não é difícil, portanto, perceber como os ensinamentos evangélicos nos fornecem excelente contribui-ção à terapêutica da obsessão, cujos passos podemos sintetizar nos itens que se seguem:

• Conscientização, por parte do obsidiado e de seus familiares, de que a paciência é fator essencial no tratamento e que as imperfeições morais do obsidiado constituem o maior obstáculo à sua cura
• Fluidoterapia (passes magnéticos, radiações e água magnetizada)
• Prece e vigilância permanente
• Laborterapia
• Renovação das idéias através da boa leitura, de palestras e da conversação elevada
• Culto evangélico no lar
• Doutrinação do Espírito obsessor, em grupos mediúnicos especializados, em cujas reuniões a pre-sença do enfermo não é necessária e pode até mesmo lhe ser prejudicial.

Bibliografia:

O Livro dos Espíritos,de Allan Kardec, questões 459 a 469.
A Gênese, de Allan Kardec, cap. XIV, item 46.
Obsessão/Desobsessão,de Suely Caldas Schubert, pp. 87 a 122.
Sementeira de Fraternidade, obra psicografada por Divaldo P. Franco, pp. 30 a 41.