quinta-feira, 10 de junho de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 11 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



11 - NOVOS APONTAMENTOS

Hilário, aderindo à renovação da palestra, indagou da irmã Blandina se ela era a dirigente do parque em que nos achávamos, ao que ela informou, com humildade:
– Não me atribua tamanho crédito. Tenho tarefas variadas aqui e alhures, entretanto, sou mera servidora. O nosso educandário guarda mais de duas mil crianças, mas, sob os meus cuidados, permanecem apenas doze. Somos um grande conjunto de lares,
nos quais muitas almas femininas se reajustam para a venerável missão da maternidade e conosco multidões de meninos encontram abrigo para o desenvolvimento que lhes é necessário, salientando-se que quase todos se destinam ao retorno à Terra para a
reintegração no aprendizado que lhes compete.
– E a direção central? – inquiriu meu colega, esmiuçador.
– Não reside aqui. O parque é uma das várias dependências de vasto estabelecimento de assistência e educação, do qual somos hoje tutelados. No fundo, nossa casa é uma larga escola, dotada com todos os recursos indispensáveis ao nosso aproveitamento.
Os melhores processos de habilitação espiritual funcionam conosco, em benefício dos que vão renascer na carne e dos que se dirigirão, mais tarde, às Esferas Superiores.
– Mas possuem aqui até mesmo os cursos primários de alfabetização?
– Não estranhem. Partilho com Blandina o estudo das leis divinas para renovar-me em espírito, com vistas ao grande futuro, mas o amor que ainda trago por velhos companheiros de luta humana constrange-me a larga demora, em serviço de cooperação,
na antiga casa de fé religiosa a que me afeiçoei.
– Aliás – ponderou o Ministro, sensato – o auxílio divino é como o Sol, irradiando-se para todos. As instituições e as almas que se voltam para o Pai Celestial recebem o suprimento de recursos de que necessitam, segundo as possibilidades de recepção que demonstrem.
Interessado, porém, nos apontamentos que surgiam, cada vez mais valiosos, Hilário indagou:
– Em que base se formará o processo de auxílio nas igrejas?
Com o impedimento de nossa comunicação direta, como será possível cooperar em favor dos nossos irmãos católicos romanos?
– Muito simplesmente – esclareceu Mariana, prestimosa, o culto da oração é o meio mais seguro para a nossa influência. A mente que se coloca em prece estabelece um fio de intercâmbio natural conosco...
– Mas não de maneira ostensiva – alegou o nosso companheiro, estudioso.
– Pelo pensamento – explicou a interlocutora, respeitável. A intuição beneficia em toda parte e, quanto mais alto é o teor de qualidades nobres na criatura, mais ampla é a zona lúcida de que se serve para registrar o socorro espiritual. O culto público, indiscutivelmente, qual vem sendo levado a efeito, nos tempos modernos,
não favorece o contacto das forças superiores com a mente popular. Os interesses rasteiros, conduzidos à igreja, constituem sólido entrave contra o auxílio celeste.
E a preocupação de riqueza e pompa, quase sempre mantida pelo sacerdócio nos ofícios,
inutiliza por vezes os nossos melhores esforços, porque, enquanto a atenção da alma se prende a exterioridades, as forças contrárias ao bem e à luz encontram facilidades positivas para a cultura do fanatismo e da discórdia. Ainda assim, superando tais obstáculos, é sempre possível algo fazer em benefício do próximo.
Durante a missa, por exemplo prosseguiu Hilário, observador, é viável o seu trabalho de cooperação?
Mariana fixou uma expressão facial de bom humor e aduziu:
– Somos grandes falanges de aprendizes da fraternidade em ação. Por mais desagradáveis se nos mostrem os quadros de luta, a nossa obrigação é servir.
Finda ligeira pausa, continuou:
– Quando a missa obedece a pura convenção social, funcionando como exibição de vaidade ou poder, a nossa colaboração resulta invariavelmente nula.
E, sorrindo:
– Que teríamos a fazer num ato bajulatório, em que os devotos da fortuna material ou da perversidade incensam a desregrada conduta de pessoas inescrupulosas? Há missas solenes de consagração a políticos astuciosos e a magnatas do ouro que, em verdade,
são reais sacrilégios, em nome do Cristo. Por outro lado, há missas de almas que constituem escárnio à dor dos que foram recolhidos pela morte, quais as que são mandadas celebrar por parentes ambiciosos que, por vezes, até mesmo se alegram com a
ausência do morto, ávidos que se mostram de lhes pilharem os despojos, na corrida a testamentos e cartórios. Essas missas fortemente adubadas a dinheiro estão para eles tão frias, como os túmulos em que se lhes asilou a carne desfigurada. Mas, se o ato
religioso é simples, partilhado por mentes e corações sinceros, inclinados à caridade evangélica e centralizados na luz da oração, com os melhores sentimentos que possuem, o culto se reveste de grande valor, pelas vibrações de paz e carinho que arremessa na direção daquele a quem é endereçado. Freqüentemente, as missas
humildes, realizadas aos primeiros cânticos da manhã, são as mais favoráveis ao nosso concurso. Podemos, com mais segurança, articular as possibilidades ao nosso alcance e ambientá-las a benefício daqueles que esperam de nós o amparo necessário.
Hilário pensou alguns instantes, valendo-se do intervalo que surgira na conversação e obtemperou:
– Possuímos nas igrejas a questão do patrocínio. Imaginemos que determinado templo foi erguido à memória de Gerardo Majela.
Isso expressa uma obrigação para o grande místico europeu?
– Certamente não se trata de uma obrigação escravizante, mas de um serviço que lhe honra o nome e que merecerá dele certo reconhecimento mesclado de responsabilidade. Devemos reconhecer, contudo, que o trabalho do bem, qualquer que ele seja,
permanece ligado a Jesus. No entanto, se algum servo do Senhor está ligado a obra por fazer, tanto quanto lhe seja possível desdobrar-se-á para enriquecê-la de bênçãos.
– Mas... e na hipótese de algum santuário surgir, dedicado a suposto herói da virtude? Figuremos alguém da Terra sendo conduzido ao altar por imposição da autoridade humana, sem mérito bastante, à frente do Senhor... Os crentes encarnados atribuir-lheiam poder de que não conseguiria dispor... Em que situação estaria
o templo que lhe fosse consagrado?
Mariana registrou a pergunta, cortesmente, e explicou:
– Numa contingência dessas, mensageiros de Jesus responsabilizar-se-iam pela instituição, distribuindo aí os benefícios adequados aos merecimentos e necessidades de cada um.
– E o tipo de assistência? é de renovação espiritual ou de mero socorro aos crentes encarnados?
– Ah! – comentou Mariana, sincera – o trabalho é complexo e divide-se em múltiplos setores. Não está limitado à esfera da experiência física. Inumeráveis são as almas que, desligadas do corpo, recorrem aos altares, implorando esclarecimento... Outras,
depois da morte, confiam-se a desequilibradas emoções, invocando a proteção dos Espíritos santificados... É preciso corrigir aqui e ajudar além... Agora, devemos injetar um pensamento reconstrutivo nessa ou naquela mente extraviada, depois é imprescindível harmonizar circunstâncias, em favor desse ou daquele necessitado...
A maioria das pessoas aceita a religião, mas não se preocupa em praticá-la. Daí nasce o terrível aumento das aflições e dos enigmas.
A lógica de Mariana encantava-nos.
Hilário, porém, prosseguiu indagando, perscrutador.
– Mas, apesar de consciente da verdade que a separação do veículo físico nos impõe, acredita a irmã que a organização católica é suficiente para conduzir o mundo moderno?
Ela sorriu com tristeza e redargüiu:
– Meu amigo, entre cooperar e aprovar, há sensível diferença.
A sociedade ajuda a criança sem infantilizar-se. As igrejas nascidas do Cristianismo caminham para grande renovação. O progresso assim exige. As idéias de céu e inferno e os excessos de natureza política, na hierarquia eclesiástica, estabeleceram grandes
perturbações para a alma popular. Entretanto, cabe-nos considerar as religiões que envelhecem como frutos fortemente amadurecidos.
A polpa alterada pelo tempo deve ser colocada à margem, contudo as sementes são indispensáveis à produção do futuro.
Auxiliemos as igrejas antigas, em vez de acusá-las. Todos somos filhos do Pai Celestial e onde houver o mínimo gérmen de Cristianismo aí surgirão recursos de recuperação do homem e da coletividade para o Cristo, Nosso Senhor.
A conversação era fascinante e as perguntas pareciam brilhar ainda, nos olhos de Hilário, maravilhado tanto quanto nós, ante as elucidações que recebia, mas a hora esgotara-se.
Um sinal de Clarêncio fez sentir que havíamos alcançado o momento da volta.