quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 26 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



26 – Mãe e Filho

A alegria plena coroara o trio doméstico.
Mostrando a expectativa de uma colegial preocupada em receber a aprovação dos mentores, Odila ergueu os olhos lacrimosos para Irmã Clara, perguntando:
– Terei agido corretamente?
Lia-se-lhe no rosto a necessidade de uma frase estimulante.
A venerável amiga conchegou-a de encontro ao coração.
– Venceste, valorosa – disse, terna –; compreendeste o santo dever do amor. Abençoarás para sempre este maravilhoso dia de renúncia e doação de ti mesma.
Vimos Odila colar-se a ela, à maneira de uma criança nos braços maternais, chorando copiosamente.
– Não te comovas tanto assim! – apelou a benfeitora, osculando- lhe os cabelos.
Sensibilizando-nos igualmente, a primeira esposa de Amaro respondeu com dificuldade:
– Meu pranto não é de sofrimento... Sinto-me agora leve e feliz...
Como não compreendia eu assim, antes!...
– Sim – elucidou Clara, de modo significativo –, perdeste peso espiritual, habilitando-te à elevação de nível. Nossas paixões inferiores imantam-nos à Terra, como o visco prende o pássaro a distância das alturas...
E, afagando-a, acentuou, bondosa:
– Vamos! Deste agora o amor puro e, por isso, o amor puro não te faltará. De ora em diante, serás aqui bem-aventurada mensageira, de vez que o teu coração permanecerá em serviço dos anjos guardiães de nossos destinos, que velam por nós abnegadamente, esperando-nos na Vida Mais Alta. Cedendo o carinho de teu companheiro à outra mulher, de cuja colaboração necessita ele para redimir-se, conquistaste nele novo patrimônio de afetividade, e, aproximando a filhinha daquela a quem devemos querer como irmã, adquiriste o merecimento indispensável para recuperar o filhinho, cujo futuro poderás orientar... Hoje mesmo, estarás ao lado de teu Júlio...
Odila, transfigurada, estampou no semblante a luz da felicidade que lhe fluía do mundo interior.
O Sol inundava a Terra de raios vivificantes, quando a reconduzimos ao hospital, com a promessa de buscá-la, mais tarde, para a viagem ao Lar da Bênção.
Com efeito, transcorridas algumas horas, quando a pausa dos nossos compromissos de trabalho nos ofereceu a oportunidade precisa, convocamo-la ao reencontro.
Sustentada nos braços de Clara, a mãezinha de Júlio revelava inexcedível contentamento.
Era a primeira vez, depois da morte física, que se confiava a romagem tão linda, prorrompendo em exclamações admirativas, ante os surpreendentes jogos da luz.
Nas vizinhanças do sítio para o qual nos dirigíamos, inalava o ar tonificante a longos haustos, deslumbrando-se na visão da Natureza saturada de perfumes e adornada de flores.
Extasiou-se na contemplação das centenas de pequeninos, que brincavam festivamente. Muito pálida, de atenção presa à multidão infantil, na procura ansiosa do filho, achava-se mentalmente muito distanciada de nosso grupo. Por isso mesmo, deixava-se conduzir qual se fora um autômato.
Acompanhando Clarêncio, atingimos a residência de Blandina, que nos acolheu com a gentileza habitual.
Entramos.
Não houve necessidade de muitas palavras.
Atraída pelo grande berço que se levantava à nossa vista, Odila precipitou-se sobre o menino enfermo, bradando, alarmada:
– Meu filho! Júlio! Meu filho!...
Indubitavelmente, a Sabedoria Universal colocou imperscrutáveis segredos no carinho materno. Algo de milagroso e divino existe nos laços que unem mães e filhos que, por enquanto, não podemos apreender.
A criança doente transformou-se, de súbito.
Indefinível expressão de felicidade cobriu-lhe o semblante.
– Mãe! Mãe!... – gritou, respondendo.
E alongou os braços, agarrando-se-lhe ao busto.
Em lágrimas, Odila retirou-o instintivamente do leito, beijando-o enternecida.
Quando se lhe asserenou a desbordante emotividade, sentou-se ao nosso lado, trazendo o filho ao colo.
Júlio, completamente modificado, contava-lhe quanto lhe doía a garganta, mostrando-lhe a glote extensamente ferida.
E terminada que foi a hora comovente que nos empolgara a todos, Blandina abriu a conversação geral, acentuando, contente:
– Sabíamos que a Divina Bondade não deixaria o nosso doentinho sem a ternura maternal.
Júlio agora terá junto dele a insubstituível dedicação.
Odila, que se mostrava compreensivelmente conturbada, ante a posição orgânica do menino, nada respondeu; contudo, Clara considerou, afetuosa:
– Esperamos localizar nossa amiga no Parque, por algum tempo, e, certo, sentirá prazer em encarregar-se do pequenino.
– Sim, a Escola das Mães apresenta vastas disponibilidades – informou Blandina, prestimosa.
– Odila poderá entregar-se com segurança à tarefa assistencial que Júlio exige. Receberá todos os recursos...
– Aflige-me encontrá-lo assim – alegou a genitora preocupada, indicando o pequeno enfermo –, não posso atinar com a razão de uma úlcera tão grande, sem o corpo de carne... Não tenho bases para entender de uma só vez tudo quanto vejo, mesmo porque também eu andava louca, incapaz de raciocinar...
Reparei que o Ministro e a Irmã Clara se entreolharam, de modo expressivo, dando-me a idéia de que conversavam, através do pensamento.
Assinalando as doloridas referências maternas, a instrutora designou com a destra o nosso orientador, ajuntando bem humorada:
– Clarêncio tem a palavra elucidativa.
– Sim – ponderou o Ministro, cauteloso –, nossa irmã, como é natural, encontrará pela frente variados problemas ligados ao caminho de elevação que lhe é próprio. Achamo-nos todos infinitamente longe do Céu que fantasiávamos na Terra e cada qual de nós detém consigo deficiências que será preciso superar. O passado
reflete-se no presente.
Sorrindo, acrescentou:
– Nosso destino é assim como o rio. Por mais diferenciado se encontre, à distância da nascente que lhe dá origem, está sempre ligado a ela pela corrente em ação contínua...
– Procurarei compreender – disse Odila mais segura de si –, sou mãe e não posso desvencilhar-me da obrigação de amparar meu filhinho. Dispensar-lhe-ei todos os cuidados imprescindíveis ao seu bem-estar. Sinto que a felicidade pode ser conquistada no mundo a que fomos trazidos pela renovação... Trabalharei quanto
estiver ao meu alcance para ver Júlio integralmente refeito. Hoje, novos ideais me banham o coração. É imperioso esforçar-me.
Todos os que amamos virão ter conosco, mais cedo ou mais tarde...
Esperanças diferentes me animam o espírito. Amanhã, no porvir talvez próximo, terei meus familiares aqui, de novo, e não posso olvidar a necessidade de algo fazer para conseguir o abrigo de que necessitamos...
Passeou o olhar vago e cismarento pelo recinto, como se estivesse contemplando remotos horizontes, e concluiu:
– Um lar... a felicidade restaurada... a bênção do reencontro...
Por largo tempo, o comentário edificante brilhou na sala, aquecendo a chama da amizade e da confiança em nossos corações.
Blandina e Mariana prometeram cooperar, insistindo para que Odila se demorasse junto delas, até situar-se, em definitivo, no educandário a que se destinava.
A renovada senhora aceitou, reconhecidamente.
Despedimo-nos, felizes.
Após nos separarmos de Clara, retomando o caminho de volta ao nosso domicílio espiritual, julguei conveniente interpelar o instrutor, acerca dos problemas que me esfervilhavam no cérebro.
Porque não esclarecer Odila, com respeito ao pretérito de Júlio?
Seria aconselhável deixá-la entregue a informações deficientes, quando lhe conhecíamos extensamente os enigmas da organização familiar? Porque não lhe explanar francamente o impositivo da reencarnação do menino?
Clarêncio, como de outras vezes, ouviu sereno e generoso.
Quando acabei o interrogatório, replicou sem alterar-se:
– À primeira vista, seria efetivamente esse o caminho a seguir, entretanto as recordações do pretérito não devem ser totalmente despertadas, para que ansiedades inúteis não nos dilacerem o presente. A verdade para a alma é como o pão para o corpo que não pode exorbitar da quota necessária a cada dia. Toda precipitação
gera desastres. Além do mais, não nos cabe a vaidade de qualquer antecipação a providências que serão agradáveis e construtivas ao amor de nossa irmã. Sentindo-se ainda plenamente integrada no carinho materno, ela própria assumirá a responsabilidade do trabalho alusivo à reencarnação do pequeno. Advogando
ela mesma essa medida e destinando-se a criança ao seu antigo lar, encontrará no assunto abençoado serviço de fraternidade, ao mesmo tempo que se reconhecerá mais responsável. Se movêssemos as decisões, Odila observar-se-ia anulada em sua capacidade de agir, ao passo que, confiando a ela as deliberações que o caso
reclama, adquirirá novo interesse para auxiliar Zulmira, de vez que a segunda esposa de Amaro substitui-la-á na condição de mãe, oferecendo novo corpo ao filhinho...
Admirado com os apontamentos ouvidos, vi-me satisfeito na inquirição.
Clarêncio, todavia, com o sorriso natural que lhe marcava habitualmente o semblante, aduziu, calmo:
– A vida é uma escola e cada criatura, dentro dela, deve dar a própria lição. Esperemos agora alguns dias. Interessada em socorrer o filhinho doente, a própria Odila virá até nós, lembrando para ele a felicidade da volta à Terra.