sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 27 - JULIANA SOLARE



O TRABALHO, ENFIM

Nunca poderia imaginar o quadro que se desenhava agora aos meus olhos. Não era bem o hospital de sangue, nem o instituto de tratamento normal da saúde orgânica. Era uma série de câmaras vastas, ligadas entre si e repletas de verdadeiros despojos humanos.
Singular vozerio pairava no ar. Gemidos, soluços, frases dolorosas pronunciadas a esmo... Rostos escaveirados, mãos esqueléticas, faces monstruosas deixavam transparecer terrível miséria espiritual.
Tão angustiosas foram minhas primeiras impressões que procurei os recursos da prece para não fraquejar.
Tobias, imperturbável, chamou velha servidora, que acudiu atenciosamente:
- Vejo poucos auxiliares - disse admirado -, que aconteceu?
- O Ministro Flácus - esclareceu a velhinha em tom respeitoso - determinou que a maioria acompanhasse os Samaritanos (1) para os serviços de hoje, nas regiões do Umbral.
- Há que multiplicar energias - tornou ele sereno -, não temos tempo a perder.
- Irmão Tobias!... Irmão Tobias!... por caridade! - gritou um ancião,
gesticulando, agarrado ao leito, à maneira de louco - estou a sufocar! Isto é mil vezes pior que a morte na Terra... Socorro! socorro! quero sair, sair!. quero ar, muito ar!
Tobias aproximou-se, examinou-o com atenção e perguntou:
- Por que teria o Ribeiro piorado tanto?
- Experimentou uma crise de grandes proporções - explicou a serva – e o Assistente Gonçalves esclareceu que a carga de pensamentos sombrios, emitidos pelos parentes encarnados, era a causa fundamental desse agravo de perturbação. Visto achar-se ainda muito fraco e sem ter acumulado força mental suficiente para desprender-se dos laços mais fortes do mundo, o pobre não tem resistido, como seria de desejar.
Enquanto o generoso Tobias acariciava a fronte do enfermo, a serviçal prosseguia esclarecendo:
- Hoje, muito cedo, ele se ausentou sem consentimento nosso, a correr desabaladamente. Gritava que lhe exigiam a presença no lar, que não podia esquecer a esposa e os filhos chorosos; que era crueldade retê-lo aqui, distante do lar. Lourenço e Hermes esforçaram-se por fazê-lo voltar ao leito, mas foi impossível. Deliberei, então, aplicar alguns passes de prostração. Subtrai-lhe as forças e a motilidade, em benefício dele mesmo.

(1) Organização de Espíritos benfeitores em "Nosso Lar". - (Nota do Autor espiritual.)

- Fez muito bem - acentuou Tobias, pensativo -, vou pedir providências contra a atitude da família. É preciso que ela receba maior bagagem de preocupações, para que nos deixe o Ribeiro em paz.
Fixei o doente procurando identificar-lhe a expressão íntima, verificando a legítima expressão de um dementado. Ele chamara Tobias como a criança que conhece o benfeitor, mas acusava profundo alheamento de quanto se dizia a seu respeito.
Notando-me a admiração, o novo orientador explicou:
- O pobrezinho permanece na fase de pesadelo, em que a alma pouco mais vê e ouve que as aflições próprias. O homem, meu caro, encontra na vida real o que amontoou para si mesmo. Nosso Ribeiro deixou-se empolgar por numerosas ilusões.
Eu quis indagar da origem dos seus padecimentos, conhecer-lhes a procedência e o histórico da situação; entretanto, recordei as criteriosas ponderações da mãe de Lísias, relativas à curiosidade, e calei. Tobias dirigiu ao enfermo generosas palavras de otimismo e esperança. Prometeu que iria providenciar recurso a melhoras, que mantivesse calma em benefício próprio e que não se aborrecesse por estar preso à cama. Ribeiro, muito trêmulo, rosto ceráceo, esboçou um sorriso muito triste e agradeceu com lágrimas.
Seguimos através de numerosas filas de camas bem cuidadas, sentindo a desagradável exalação ambiente, oriunda, como vim a saber mais tarde, das emanações mentais dos que ali se congregavam, com as dolorosas impressões da morte física e, muita vez, sob o império de baixos pensamentos.
- Reservam-se estas câmaras - explicou o companheiro bondosamente.
- apenas a entidades de natureza masculina.
- Tobias! Tobias... Estou morrendo à fome e sede! - bradava um estagiário.
- Socorro, irmão!... - gritava outro.
- Por amor de Deus!... Não suporto mais!... - exclamava ainda outro.
Coração alanceado ante o sofrimento de tantas criaturas, não contive a interrogação penosa:
- Meu amigo, como é triste a reunião de tantos sofredores e torturados! Por que este quadro angustioso?
Tobias respondeu sem se perturbar:
- Não devemos observar aqui somente dor e desolação. Lembre, meu irmão, que estes doentes estão atendidos, que já se retiraram do Umbral, onde tantas armadilhas aguardam os imprevidentes, descuidosos de si mesmos. Nestes pavilhões, pelo menos, já se preparam para o serviço regenerador. Quanto às lágrimas que vertem, recordemos que devem a si mesmos esses padecimentos. A vida do homem estará centralizada onde
centralize ele o próprio coração.
E depois de uma pausa, em que parecia surdo a tantos clamores, acentuou:
- São contrabandistas na vida eterna.
- Como assim? - atalhei, interessado.
O interlocutor sorriu e respondeu em voz firme:
- Acreditavam que as mercadorias propriamente terrestres teriam o mesmo valor nos planos do Espírito. Supunham que o prazer criminoso, o poder do dinheiro, a revolta contra a lei e a imposição dos caprichos atravessariam as fronteiras do túmulo e vigorariam aqui também, oferecendo-lhes ensejos a disparates novos. Foram negociantes
imprevidentes. Esqueceram de cambiar as posses materiais em créditos espirituais. Não aprenderam as mais simples operações de câmbio no mundo. Quando iam a Londres, trocavam contos de réis por libras esterlinas; entretanto, nem com a certeza matemática da morte carnal se animaram a adquirir os valores da espiritualidade. Agora... que fazer? Temos os milionários das sensações físicas transformados em mendigos da alma.
Realíssimo! Tobias não podia ser mais lógico.
Meu novo instrutor, após distribuir conforto e esclarecimento a granel,
conduziu-me a vasta câmara anexa, em forma de grande enfermaria, notificando:
- Vejamos alguns dos infelizes semimortos.
Narcisa, a servidora, acompanhava-nos, solícita. Abriu-se a porta e quase cambaleei ante a surpresa angustiosa. Trinta e dois homens de semblante patibular permaneciam inertes em leitos muito baixos, evidenciando apenas leves movimentos de respiração.
Fazendo gesto significativo com o indicador, Tobias esclareceu:
- Estes sofredores padecem um sono mais pesado que outros de nossos irmãos ignorantes. Chamamos-lhes crentes negativos. Ao invés de aceitarem o Senhor, eram vassalos intransigentes do egoísmo; ao invés de crerem na vida, no movimento, no trabalho, admitiam somente o nada, a imobilidade e a vitória do crime. Converteram a experiência humana em constante preparação para um grande sono e, como não tinham qualquer idéia do bem, a serviço da coletividade, não há outro recurso senão
dormirem longos anos, em pesadelos sinistros.
Não conseguia externar meu espanto.
Muito cuidadoso, Tobias começou a aplicar passes de fortalecimento,
sob meus olhos atônitos. Finda a operação nos dois primeiros, começaram ambos a expelir negra substância pela boca, espécie de vômito escuro e viscoso, com terríveis emanações cadavéricas.
- São fluidos venenosos que segregam - explicou Tobias, muito calmo.
Narcisa fazia o possível por atender prontamente à tarefa de limpeza, mas debalde. Grande numero deles deixava escapar a mesma substância negra e fétida. Foi então, que, instintivamente, me agarrei aos petrechos de higiene e lancei-me ao trabalho com ardor.
A servidora parecia contente com o auxílio humilde do novo irmão, ao passo que Tobias me dispensava olhares satisfeitos e agradecidos.
O serviço continuou por todo o dia, custando-me abençoado suor, e nenhum amigo do mundo poderia avaliar a alegria sublime do médico que recomeçava a educação de si mesmo, na enfermagem rudimentar.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO - CAPÍTULO 10 ÍTEM 16 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

PERDÃO DAS OFENSAS
A INDULGÊNCIA


1. O que é indulgência?
É uma das virtudes que caracterizam um verdadeiro cristão e que se expressa pela postura complacente, compreensiva, que se adota perante as faltas e imperfeições do próximo.

Ser indulgente é saber relevar, perdoar, esquecer, dissimular, diante de tudo que se possa ser reprovável pelo comportamento dos semelhantes.

2. Que benefícios proporcionarmos ao próximo, sendo indulgentes?
A indulgencia que demonstramos em nosso comportamento pode sensibilizar os corações das pessoas, concitando-as a se melhorar e a proceder também com indulgência, e isto propicia a que se regenere das suas possíveis faltas.

A nossa indulgência tem ainda o efeito salutar de fazer com que o próximo se sinta merecedor da solidariedade alheia, e isto o torna feliz.

3. E quanto a nos próprios, que benefícios elas nos proporciona?
A conquista do coração do próximo, e sua amizade, além do bem está que experimentamos, decorrente da certeza de que provocáramos cumprir o andamento divino, contido no “Amai-vos uns aos outros”.

A pessoa indulgente torna-se simpático, angariando o reconhecimento daqueles que a cercam, e isto é motivo de júbilo para ela.

4. Sendo indulgentes não acobertando erros que devem ser corrigidos?
Evidente que o erro deve ser corrigido. Entretanto, a justiça divina age com misericórdia, permitindo que o pecado se regenere por se mesmo. A nossa indulgencia para com ele o auxiliará a despertar para essa realidade.

Se Deus é indulgente para conosco, por mais razão ainda devemos sê-lo com relação ao nosso próximo.

5. É difícil ser indulgente?
Sim. Em face do estado evolutivo em que nós nos encontramos, ainda é mais fácil critica os atos do próximo do que elogiar algo comportamento seu. Daí, a necessidade urgente de cultivar essa virtude.

“Hoje a evolução nos força a compreender que somos todos interligados por dependências de ordem moral e espiritual. Precisamos compreender os outros, entender as situações alheias e auxiliar sempre para sermos também auxiliados”. (Irmão Saulo/ Astronautas do Além – A lâmpada acessa)

6. Por que não devemos ser indulgentes para com nos mesmos?
Porque os nossos defeitos requerem atenção persistente e rigorosa. Quando somos indulgentes conosco, estamos na realidade dissimulando as nossas imperfeições e persistindo no erro. Busquemos, então, perquirir a própria consciência, afim de avaliar o que a de ruim em nós que precisa ser corrigido.

Prescreve-nos o evangelho que devemos no próximo, enaltecer-lhe as qualidades; Em nós buscar o que há de ruim, e corrigir.

7. Que sentimento despertar a indulgência?
A indulgência atrai, ergue, acalma e aquieta corações tumultuados pela consciência culpada.

A expectativa de compreensão minimiza o amargo do erro.

8. E o rigor, que sentimentos atrai?
O desanimo, o afastamento, a tristeza e a irritação.

A expectativa de reprimenda conduz a hipocrisia proposital.

Conclusão:
A indulgencia é um sentimento doce e fraternal deve alimentar para com seus irmão. No campo da indulgencia todos somos carentes, em face das nossas imperfeições. Daí, o dever de todos em cultivá-la.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 26 - JULIANA SOLARE



NOVAS PERSPECTIVAS


Ponderando as sugestões carinhosas e sábias da mãe de Lísias, acompanhei Rafael, convicto de que iria, não às visitas de observações, mas ao aprendizado e serviço útil.
Anotava, surpreso, os magníficos aspectos da nova região, rumo ao local onde me aguardava o Ministro Genésio; contudo, seguia Rafael, em silêncio, estranho agora ao prazer das muitas indagações. Em compensação, experimentava novo gênero de atividade mental. Dava-me todo à oração, pedindo a Jesus me auxiliasse nos caminhos novos, a fim de que me não faltasse trabalho e forças para realizá-lo. Antigamente, avesso às manifestações da prece, agora a utilizava como valioso ponto de referência sentimental aos propósitos de serviço.
O próprio Rafael, de quando em vez, lançava-me curioso olhar, como se não devesse esperar tal atitude de minha parte.
Deixou-nos o aeróbus à frente de espaçoso edifício.
Descemos, calados.
Em poucos minutos, achava-me diante do respeitável Genésio, um velhinho simpático, cujo semblante revelava, entretanto, singular energia.
Rafael apresentou-me fraternalmente - Ah! sim disse o generoso Ministro -, é o nosso irmão André?
- Para servi-lo - respondi.
- Tenho notificação de Laura, referente à sua vinda. Fique à vontade.
Nesse ínterim, o companheiro aproximou-se respeitosamente e despediu-se, abraçando-me em seguida. Rafael era esperado com urgência no setor de tarefas a seu cargo.
Fixando em mim os olhos muito lúcidos, Genésio começou a dizer:
- Clarêncio falou-me a seu respeito, com interesse. Quase sempre recebemos pessoal do Ministério do Auxílio, em visita de observações que, na sua maior parte, redundam em estágios de serviço.
Compreendi a sutil alusão e obtemperei:
- Este o meu maior desejo. Tenho mesmo suplicado às Forças Divinas que me ajudem o espírito frágil, permitindo seja convertida a minha permanência, neste Ministério, em estação de aprendizado.
Genésio parecia comovido com as minhas palavras, e, valendo-me das inspirações que me inclinavam à humildade, roguei, de olhos úmidos:
- Senhor Ministro, compreendo agora que minha passagem pelo Ministério do Auxílio se verificou por efeito da graça misericordiosa do Altíssimo, talvez devido a constante intercessão de minha devotada e santa mãe. Noto, porém, que somente venho recebendo benefícios, sem nada produzir de útil. Certo, meu lugar é aqui, nas atividades regeneradoras. Se possível, faça, por obséquio, seja transformada a concessão de visitar em possibilidade de servir.
Compreendo hoje, mais que nunca, a necessidade de regenerar meus próprios valores. Perdi muito tempo na vaidade inútil, fiz enormes gastos de energia na ridícula adoração de mim mesmo!...
Satisfeito, notava ele, no fundo de meu coração, a sinceridade viva.
Quando eu recorrera ao Ministro Clarêncio, não estava ainda bastante consciente do que pedia. Queria serviço, mas talvez não desejasse servir.
Não entendia o valor do tempo, nem enxergava as bênçãos santificantes da oportunidade. No fundo, era o desejo de continuar a ser o que tinha sido até então - o médico orgulhoso e respeitado, cego nas pretensões descabidas do egotismo em que vivia, encarcerado nas opiniões próprias. No entanto, agora, diante do que vira e ouvira, compreendendo a responsabilidade de cada filho de Deus na obra infinita da Criação, punha nos lábios quanto possuía de melhor. Era sincero, enfim. Não me preocupava o gênero de tarefa, procurava o conteúdo sublime do espírito de serviço.
O velhinho fitou-me, surpreendido, e perguntou:
- É mesmo você o ex-médico?
- Sim... - murmurei, acanhado.
Genésio calou por momentos, como buscando resolução para o caso, dizendo, então:
- Louvo seus propósitos e peço igualmente ao Senhor o conserve nessa posição digna.
E, como que preocupado em levantar-me o ânimo e acender-me no espírito novas esperanças, acentuou:
- Quando o discípulo está preparado, o Pai envia o instrutor. O mesmo se dá, relativamente ao trabalho. Quando o servidor está pronto, o serviço aparece. O meu amigo tem recebido enormes recursos da Providência.
Está bem disposto à colaboração, compreende a responsabilidade, aceita o dever. Tal atitude é sumamente favorável à concretização dos seus desejos.
Nos círculos carnais, costumamos felicitar um homem quando ele atinge prosperidade financeira ou excelente figuração externa; entretanto, aqui a situação é diferente. Estima-se a compreensão, o esforço próprio, a humildade sincera.
Identificando-me a ansiedade, concluiu:
- É possível obter ocupações justas. Por enquanto, porém, é preferível que visite, observe, examine.
E logo, ligando-se ao gabinete próximo, falou em voz alta:
- Solicito a presença de Tobias, antes que se dirija às Câmaras de Retificação.
Não se passaram muitos minutos e assomou à porta um senhor de maneiras desembaraçadas.
- Tobias - explicou Genésio, atencioso -, aqui tem um amigo que vem do Ministério do Auxílio, em tarefa de observação. Creio de muito proveito para ele o contacto com as atividades das câmaras retificadoras.
Estendi-lhe a mão, enquanto o desconhecido correspondia, afirmando, gentil:
- Às suas ordens.
- Conduza-o - prosseguiu o ministro, evidenciando grande bondade.
André precisa integrar-se no conhecimento mais íntimo de nossas tarefas.
Faculte-lhe toda oportunidade de que possamos dispor.
Prontificou-se Tobias, revelando a maior boa-vontade.
- Estou de caminho - acrescentou ele, bem-humorado -, se deseja acompanhar-me...
- Perfeitamente - respondi, satisfeito.
O Ministro Genésio abraçou-me, comovido, com palavras de animação.
Segui Tobias resolutamente.
Atravessamos largos quarteirões, onde numerosos edifícios me pareceram colmeias de serviço intenso. Percebendo-me a silenciosa indagação, o novo amigo esclareceu:
- Temos aqui as grandes fábricas de "Nosso Lar". A preparação de sucos, de tecidos e artefatos em geral, dá trabalho a mais de cem mil criaturas, que se regeneram e se iluminam ao mesmo tempo.
Daí a momentos, penetramos num edifício de aspecto nobre.
Servidores numerosos iam e vinham. Depois de extensos corredores, deparou-se-nos vastíssima escadaria, comunicando com os pavimentos inferiores.
- Desçamos - disse Tobias em tom grave.
E notando minha estranheza, explicou, solícito:
- As Câmaras de Retificação estão localizadas nas vizinhanças do Umbral. Os necessitados que aí se reúnem não toleram as luzes, nem a atmosfera de cima, nos primeiros tempos de moradia em "Nosso Lar".

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

ESTUDO DO LIVRO NO MUNDO MAIOR - CAPÍTULO 16 - JULIANA SOLARE



ALIENADOS MENTAIS


Antes de visitarmos as cavernas de sofrimento, Calderaro instou-me a faser com ele rápida visita a grande instituto Consagrado ao recolhimento de alienados mentais, na Esfera da Crosta.
— Compreenderás, então, mais exatamente — explicou, generoso, dirigindo-se a mim com a delicadeza que lhe é peculiar — a tragédia dos homens desencarnados, em pleno desequilíbrio das sensações. Excetuados os casos puramente orgânicos, o louco é alguém que procurou forçar a libertação do aprendizado terrestre, por indisciplina ou ignorância. Temos neste domínio um gênero de suicídio habilmente dissimulado, a auto-eliminação da harmonia mental, pela inconformação da alma nos quadros de luta que a existência humana apresenta. Diante da dor, do obstáculo ou da morte, milhares de pessoas capitulam, entregando-se, sem resistência, à perturbação destruidora, que lhes abre, por fim, as portas do túmulo. A princípio, são meros descontentes e desesperados, que passam despercebidos mesmo àqueles que os acompanham de mais perto. Pouco a pouco, no entanto, transformam-se em doentes mentais de variadas gradações, de cura quase impossível, portadores que são de problemas inextricáveis e ingratos. Imperceptíveis frutos da desobediência começam por arruinar o patrimônio fisiológico que lhes foi confiado na Crosta da Terra, e acabam empobrecidos e infortunados. Aflitos e semimortos, são eles homens e mulheres que desde os círculos terrenos padecem, encovados em precipícios infernais, por se haverem rebelado aos desígnios divinos, preterindo-os, na escola benéfica da luta aperfeiçoadora, pelos caprichos insensatos.
Guardando carinhosamente a observação, acompanhei-o na excursão matinal ao grande estabelecimento, onde os mentecaptos eram em grande número.
No primeiro pátio que topamos, compacta era a quantidade de mulheres desequilibradas que palestravam.
Uma velha de cabelos nevados, mostrando acerba ferocidade no olhar, envergava o uniforme da casa, como quem arrastasse um vestido real, e dizia a duas companheiras apáticas:
— Na minha qualidade de marquesa, não tolero a intromissão de médicos inconscientes. Creio estar presa por motivos secretos de família, que averiguarei na primeira oportunidade. Tenho poderosos inimigos na Corte; contudo, as minhas amizades são mais prestigiosas e fiéis.
Baixou a voz, como receando espias ocultos, e falou ao ouvido de uma das irmãs de sofrimento:
— O Imperador está interessado em meu caso e punirá os culpados. Segregaram-me por miseraveis questões de dinheiro.
Elevando o diapasão, inesperadamente, bradou:
— Todos pagarão! Todos pagarão!
E continuava explicando-se com gestos de grande senhora.
Compungia-me observar a promiscuidade entre as enfermas encarnadas e as entidades infelizes, que ali se acotovelavam. Preso ainda ao meu antigo vezo de curiosidade, tentei estacar, a fim de ouvir a demente até ao fim, mas o Assistente deu-se pressa em considerar:
— Não nos detenhamos. Infelizmente, atravessamos vasta galeria de padecimento expiatório, onde nossos recursos socorristas não ofereceriam vantagens imediatas. Aqui, quase todos os alienados são criaturas que abdicaram a realidade, atendo-se a circunstâncias do passado sem mais razão de ser. Essa desventurada irmã já possuiu titulos de nobreza em existência anterior; perpetrou clamorosas faltas, dando expansão às energias cegas do orgulho e da vaidade. Renascendo em aprendizado humilde para o reajustamento imprescindível, alarmou-se ante as primeiras provações mais rudes da correção benfeitora, reagiu contra os resultados da própria sementeira, entregou o invólucro físico ao curso de ocorrências nefastas; e, por fim, situou-se mentalmente em zonas mais baixas da personalidade, passando a residir, em pensamento, no pretérito de mentiras brilhantes. Agarrou-se, desesperada, às recordações da marquesa vaidosa de salões que já desapareceram, e perambula nos vales da demência em lastimáveis condições.
Não déramos muitos passos, encontramos novo ajuntamento, em que sobressaía curiosa dama, extremamente nervosa.
— Deus me livre de todos, Deus me livre de todos! — gritava, inquieta. — Não voltarei! nunca, nunca!...
Aproxima-se, cordata, a enfermeira, e pede:
— Senhora, mais calma! É seu marido que vem à visita. Vamos ao guarda-roupa.
E sorrindo:
— Não se sente feliz?
— Jamais! — bradava a demente com espantoso semblante de angústia. — Não quero vê-lo! odeio-o, odeio, com tudo o que lhe pertence!
Repetindo expressões de desprezo, inteiriçou-se, caindo em lamentável crise de nervos, pelo que a auxiliar da enfermagem houve que requisitar socorro urgente.
Desejei reter-me, a fim de estudar a situação, mas o Assistente impediu-me, esclarecendo:
— Não percas tempo. Não remediarias o mal. Nossa passagem aqui é rápida. Recomendo apenas anotes o refúgio de todos os que se esquecem dos deveres presentes, pretendendo escapar aos imperativos da realidade educadora.
Modificou a inflexão da voz e prosseguiu:
— Não asseguramos que todos os casos do hospício se relacionem exclusivamente com esse fator. Muita gente atravessa este pavoroso túnel, premida por exigências da prova retificadora; é, no entanto, forçoso reconhecer que a maioria encetou o pungitivo drama em si mesma. São irmãos nossos, revoltados ante os desígnios superiores que os conduzirem a recapitular ensinamentos difíceis, qual o de se reaproximarem de velhos inimigos por intermédio de laços consangüíneos ou o de enfrentarem obstáculos aparentemente insuperáveis.
Para que se efetue a jornada iluminativa do espírito é indispensável deslocar a mente, revolver as idéias, renovar as concepções e modificar, invariavelmente, para o bem maior o modo íntimo de ser, tal qual procedemos com o solo na revivificação da lavoura produtiva ou com qualquer instituto humano em reestruturação para o progresso geral. Negando-se, porém, a alma a receber o auxilio divino, através dos processos de transformação incessante que lhe são oferecidos, em seu benefício próprios pelas diferentes situações de que os dias se compõem no aprendizado carnal, recolhe-se á margem da estrada, criando paisagens perturbadoras com desejos injustificáveis.
Quase podemos afirmar que noventa em cem dos casos de loucura, excetuados aqueles que se originam da incursão microbiana sobre a matéria cinzenta, começam nas conseqüências das faltas graves que praticamos, com a impaciência ou com a tristeza, isto é, por intermédio de atitudes mentais que imprimem deploráveis reflexos ao caminho daqueles que as acolhem e alimentam. Instaladas essas forças desequilibrantes no campo íntimo, inicia-se a desintegração da harmonia mental: esta por vezes perdura, não só numa existência, mas em várias delas, até que o interessado se disponha, com fidelidade, a valer-se das bênçãos divinas que o aljofram, para restabelecer a tranqüilidade e a capacidade de renovação que lhe são inerentes à individualidade, em abençoado serviço evolutivo. Pela rebeldia, a alma responsável pode encaminhar-se para muitos crimes, a cujos resultados nefastos se cativa indefinidamente; e, pelo desânimo, é propensa a cair nos despenhadeiros da inércia, com fatal atraso nas edificações que lhe cabe providenciar.
Nesse ponto dos esclarecimentos, penetrávamos extensa varanda no departamento masculino e logo se nos deparou um homem que decerto se enquadrava entre os esquizofrênicos absolutos. Rodeavam-no algumas entidades de sombrio aspecto. Semelhava-se o doente a perfeito autômato, sob o guante de tais companheiros. Exibia gestos maquinais, e, ao guarda que se aproximava, cauteloso, explicou em tom muito sério:
— Venha, “seu João. Não tenha receio. Onem eu era o “leão”, mas hoje, sabe o senhor o que eu sou?
Ante o enfermeiro hesitante, concluiu:
— Hoje sou a “bananeira”.
Encontraria, eu, sem dúvida, no caso, excelente ensejo de enriquecer experiências, porqüanto de pronto reconhecera a entrosagem completa entre a vitima e os obsessores que lhe eram invisíveis. O desditoso era rematado fantoche nas mãos dos algozes tipicamente perversos.
Calderaro, porém, não me permitiu interromper a marcha.
— O processo de desequilíbrio está consumado — informou —, e não encontrarias possibilidade de recompor-lhe, em serviço rápido, as energias mentais centralizadas na região inferior. O infeliz vem sendo objeto de práticas hipnóticas de implacáveis perseguidores; acha-se exposto a emissões contínuas de forças que o deprimem e enlouquecem.
— Céus! — exclamei, aparvalhado — como socorrê-lo?
— Trata-se de um homem — acrescentou o orientador — que em encarnações anteriores abusou do magnetismo pessoal.
Não pude sopitar a objeção que me nasceu espontânea:
— Como? as ciências magnéticas são de ontem...
Calderaro estampou no olhar a condescendência que lhe é característica e retorquiu:
— Acreditas que teriam sido iniciadas com Mesmer?
E, sorridente, ajuntou:
— Se consideráramos o sentido literal do texto, o abuso de magnetismo pessoal teria começado com Eva, no paraíso...
Indicou o enfermo e prosseguiu:
— Em pretérito não muito remoto, nosso imprevidente amigo se excedeu em seu potencial de fascínio, desviando-o para aventuras menos dignas. Várias mulheres que lhe sofreram a ação corrosiva, assestaram contra ele incessantes explosões de ódio doentio e corruptor, extravasamentos que o pobre companheiro merecia em conseqüência da atividade condenável a que se dedicou por muitos anos. Minado pela reação persisttente, minguou-lhe o cabedal de resistência; converteu-se, destarte, em joguete das forças destrutivas, às quais, a bem dizer, voluntariamente se unira, ao abraçar, entusiasta, a declarada prática do mal. Até quando se demorará em tal atitude, não será possível prever. Geralmente, ao delinqüirmos, podemos precisar o instante exato de nossa penetração na desarmonia; jamais sabemos, porém, quando soará o momento de abandoná-la. No retorno à estrada reta, através de atoleiros em que chafurdamos, por indiferença e má fé, não podemos prefixar calendários para a volta: implicamo-nos em jogos circunstanciais, de que só nos despeamos após doloroso reajustamento...
Observando-me a admiração, ante a experiência hipnótica que os frios verdugos levavam a efeito, o Assistente considerou:
— Não te impressiones. A morte física não modifica de súbito as inteligências votadas ao mal, nem o duelo da luz com a sombra se adstringe aos estreitos círculos carnais.
Logo após, éramos surpreendidos por dois velhinhos atoleimados, a pronunciar frases desconexas.
O tempo — elucidou o orientador, indicando-os — acaba sempre por denunciar a nossa posição verdadeira. Quando a criatura não haja feito da existência o sacerdócio de trabalho construtivo, que nos cumpre na Terra, os fenômenos senis do corpo são mais tristes para a alma, pois, neste caso, o indivíduo já não domina as conveniências forjadas pelo imediatismo humano, patenteando-se-lhe a fixação da mente nos impulsos inferiores. Milhões de irmãos nossos permanecem, séculos afora, na fase infantil do entendimento, por não se animarem ao esforço de melhoria própria. Enquanto recebem a transitória cooperação de saúde física relativa, das convenções terrenas, das possibilidades financeiras e das variadas impressões passageiras que a existência na Crosta Planetária oferece aos que passam pela carne, esteiam-se nos títulos de cidadãos que a sociedade lhes confere; logo, porém, que visitados pelo morbo, pela escassez de recursos ou pela decrepitude, revelam a infância espiritual em que jazem: voltam a ser crianças, não obstante a idade provecta manifestada pelo veículo de ossos, por se haverem excessivamente demorado nos sítios superficiais da vida.
A exposição não podia ser mais lógica; todavia, examinando aquele vasto ambiente, onde tantos loucos de ambos os sexos modorravam distantes do realismo do mundo, sem a mais leve perspectiva de desencarnação próxima, pensei nas criaturas que já renascem imperfeitas e perturbadas; nas crianças atrasadas e nos moços em luta com a demência juvenil; nas fobias sem número que amofinam pessoas respeitáveis e prestativas, e solicitei, então, do instrutor esclarecimentos sobre os quadros de sofrimento desse jaez, que de improviso assal¬tam os ambientes domésticos mais distintos.
O Assistente não se surpreendeu, e observou:
— Estudamos aqui, André, a messe das sementeiras, assim do presente, como do passado. Ponderamos não só a aprendizagem de uma existência efêmera, mas também a romagem da alma nos caminhos infinitos da vida, da vida imperecível que segue sempre, vencendo as imposições e as injunções da forma, purificando-se e santifican¬do-se cada dia. Verificarás, conosco, afligente quadro de padecimentos espirituais, e é provável que apreendas, num hospício humano, algo dos desequilíbrios que afetam a mente desviada das Leis Universais. Em verdade, na alienação mental começa a «descida da alma às zonas inferiores da morte». Através do manicômio é possível entender, de certo modo, a loucura dos homens e das mulheres que, aparentemente equilibrados no campo social da Crosta Terrestre, onde permutam os eternos valores divinos por satisfações ilusórias imediatas, são relegados depois, além do sepulcro, a inominável desespero do sentimento. Quanto às perturbações que acompanham a alma no renascimento ou na infância do corpo, na juventude ou na senilidade, é mister reconhecer que o desequilíbrio começa na inobservância da Lei, como a expiação se inicia no crime. Adotada a conduta em desacordo com a realidade, encontra o espírito, invariavelmente, em todos os círculos onde se veja, os efeitos da própria ação. Seja nos mecanismos da hereditariedade fisiológica, seja fora de sua influência, a mente, encarnada ou não, revela-se na colheita do que haja semeado, no campo de evolução do esforço comum, no monte da elevação pela prática do sumo bem, ou no vale expiatório pelo exercício do mal.
O Assistente, que se dispunha a retirar-se, fitou-me demoradamente, e rematou:
- O louco, em geral, considerando-se não só o presente, senão até o passado longínquo, é alguém que aborreceu as bênçãos da experiência humana, preferindo segregar-se nos caprichos mentais; e a entidade espiritual atormentada após a morte é sempre alguém que deliberadamente fugiu às realidades da Vida e do Universo, criando regiões purgatórias para si mesmo.
Compreendeste?
Fixei o instrutor, reconhecidamente.
Sim, havia entendido. E, ponderando a lição da manhã, segui o orientador, que silente abandonava o campo de observação, a fim de mais tarde nos avistarmos com os benfeitores que visitariam as cavernas, em missão de amor e de paz.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 25 - JULIANA SOLARE



GENEROSO ALVITRE

No dia imediato, muito cedo, fiz leve refeição em companhia de Lísias e familiares.
Antes que os filhos se despedissem, rumo ao trabalho do Auxílio, a senhora Laura encorajou-me o espírito hesitante, dizendo, bem-humorada:
- Já lhe arranjei companhia para hoje. Nosso amigo Rafael, funcionário da Regeneração, passará por aqui, a meu pedido. Poderá aceitar-lhe a companhia em direção ao novo Ministério. Rafael é antiga relação de nossa família e apresentá-lo-á, em meu nome, ao Ministro Genésio.
Não poderia explicar o contentamento que me dominou a alma. Estava radiante. Agradeci, comovido, sem encontrar palavras que definissem meu júbilo. Lísias, por sua vez, demonstrou grande alegria. Abraçou-me efusivamente antes de sair, sensibilizando-me o coração. Ao beijar o filho, a senhora Laura recomendou:
- Você, Lísias, avise ao Ministro Clarêncio que comparecerei ao expediente, logo que entregue nosso amigo aos cuidados de Rafael.
Comovidíssimo, eu não conseguia agradecer tamanha dedicação.
Ficando a sós, a desvelada genitora do meu amigo dirigiu-me a palavra carinhosa:
- Meu irmão, permita-me algumas indicações para os seus novos caminhos. Creio que a colaboração maternal sempre vale alguma coisa e, já que sua mãezinha não reside em "Nosso Lar", reivindico a satisfação de orientá-lo neste momento.
- Gratíssimo - respondi, sensibilizado -; nunca saberei traduzir meu reconhecimento à sua atenção.
Sorriu a bondosa senhora, acrescentando:
- Estou informada de que pediu trabalho há algum tempo...
- Sim, sim... - esclareci, relembrando as elucidações de Clarêncio.
- Sei, igualmente, que não o obteve de pronto, recebendo, mais tarde, a necessária autorização para visitar os Ministérios que nos ligam mais fortemente à Terra.
Esboçando significativa expressão fisionômica, a boa senhora acrescentou:
- É justamente neste sentido que lhe ofereço minhas sugestões humildes. Falo com o direito de experiência maior. Detendo, agora, essa autorização, abandone, quanto lhe seja possível, os propósitos de mera curiosidade. Não deseje personificar a mariposa, de lâmpada em lâmpada.
Sei que seu espírito de pesquisa intelectual é muito forte. Médico estudioso,
apaixonado de novidades e enigmas, ser-lhe-á muito fácil deslizar na posição nova. Não esqueça que poderá obter valores mais preciosos e dignos que a simples análise das coisas. A curiosidade, mesmo sadia, pode ser zona mental muito interessante, mas perigosa, por vezes. Dentro dela, o espírito desassombrado e leal consegue movimentar-se em atividades nobilitantes; mas os indecisos e inexperientes podem conhecer dores amargas, sem proveito para ninguém. Clarêncio ofereceu-lhe ingresso nos Ministérios, começando pela Regeneração. Pois bem: não se limite a observar. Ao invés de albergar a curiosidade, medite no trabalho e atire-se a ele na primeira ocasião que se ofereça. Surgindo ensejo nas tarefas da Regeneração, não se preocupe em alcançar o espetáculo dos serviços nos demais Ministérios. Aprenda a construir o seu círculo de simpatias e não olvide que o espírito de investigação deve manifestar-se após o espírito de serviço. Pesquisar atividades alheias, sem testemunhos no bem, pode ser criminoso atrevimento. Muitos fracassos, nas edificações do mundo, originam-se de semelhante anomalia. Todos querem observar, raros se dispõem a realizar. Somente o trabalho digno confere ao espírito o
merecimento indispensável a quaisquer direitos novos. O Ministério da Regeneração está repleto de lutas pesadas, localizando-se ali a região mais baixa de nossa colônia espiritual. Saem de lá todas as turmas destinadas aos serviços mais árduos. Não se considere, porém, humilhado por atender às tarefas humildes. Lembro-lhe que em todas as nossas esferas, desde o planeta até os núcleos mais elevados das zonas superiores, em nos referindo à Terra, o Maior Trabalhador é o próprio Cristo e que Ele não desdenhou o serrote pesado de uma carpintaria. O Ministro Clarêncio
autorizou-o, gentilmente, a conhecer, visitar e analisar; mas pode, como servidor de bom senso, converter observações em tarefa útil. É possível receber alguém negativa justa dos que administram, quando peça determinado gênero de atividade reservada, com justiça, aos que muito hão lutado e sofrido no capítulo da especialização; mas ninguém se recusará a aceitar o concurso do espírito de boa-vontade, que ama o trabalho pelo prazer de servir.
Meus olhos estavam úmidos. Aquelas palavras, pronunciadas com meiguice maternal, caíam-me no coração como bálsamo precioso. Poucas vezes sentira na vida tanto interesse fraternal pela minha sorte. Semelhante conselho calava-me no fundo dalma e, como se desejasse temperar com amor os criteriosos conceitos, a senhora Laura acrescentou com inflexão carinhosa:
- A ciência de recomeçar é das mais nobres que nosso espírito pode aprender. São muito raros os que a compreendem nas esferas da crosta.
Temos escassos exemplos humanos, nesse sentido. Lembremos, contudo, o de Paulo de Tarso, Doutor do Sinédrio, esperança de uma raça, pela cultura e pela mocidade, alvo de geral atenção em Jerusalém, que voltou, um dia, ao deserto para recomeçar a experiência humana, como tecelão rústico e pobre.
Não pude mais. Tomei-lhe as mãos como filho agradecido, e cobri-as do pranto jubiloso que me inundava o coração.
A genitora de Lísias, agora de olhos fixos no horizonte, murmurou:
- Muito grata, meu irmão. Creio que você não veio a esta casa atendendo ao mecanismo da casualidade. Estamos todos entrelaçados em teia de amizade secular. Brevemente voltarei ao círculo da carne; entretanto, continuaremos sempre unidos pelo coração. Espero vê-lo animado e feliz, antes de minha partida. Faça desta casa a sua habitação. Trabalhe e animese, confiando em Deus. Levantei os olhos rasos dágua, fixei-lhe a expressão carinhosa, experimentei a felicidade que nasce dos afetos puros e tive impressão de conhecer minha interlocutora, de velhos tempos, embora tentasse, debalde, identificar-lhe o carinho nas reminiscências mais distantes. Quis beijá-la muitas vezes, com o enternecimento filial do coração, mas, nesse instante, alguém bateu à porta. Fitou-me a senhora Laura, mostrando indefinível ternura maternal e falou:
- É Rafael que vem buscá-lo. Vá, meu amigo, pensando em Jesus.
Trabalhe para o bem dos outros, para que possa encontrar seu próprio bem.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 10 ÍTEM 15 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

PERDÃO DAS OFENSAS

1.Devemos perdoar indistintamente a todos quanto nos ofendam?
R – Sim. Devemos perdoar sempre e a todos, amigos e inimigos, pois perdoar aos amigos é dar-lhes uma prova de amizade, e perdoar aos inimigos é pedir perdão para si próprio.

“Perdoar as ofensas é mostrar-se melhor do que era.”

2. Como a atitude de perdoar ou não se reflete em nossa vida?

R – Se perdoarmos, também seremos perdoados. Se, ao contrario, formos duros, exigentes, inflexíveis e usarmos de rigor até por uma ofensa leve, o mesmo tratamento receberemos.

“Como querereis que Deus esqueça de que a cada dia maior necessidade tendes de indulgência?” “Ai daquele que diz: “Nunca perdoarei”, pois pronuncia a sua própria condenação”.

3. A certeza que sempre nos acode de que formos ofendidos e temos a razão do nosso lado, torna-nos propensos a perdoar?

R – Não. Este procedimento endurece-nos o coração, pois nosso orgulho e nossa vaidade levam-nos a crer que sempre estamos certos. Por isso, ao enfrentar tais situações, consultemos o nosso íntimo e, se formos honestos, admitiremos que, em grande parte das vezes, fomos o agressor.

Se, nesta luta que começa com uma alfinetada e acaba com uma ruptura, fomos nós quem atiramos primeira pedra, cabe-nos ser indulgentes com a suscetibilidade do próximo.

4. E se fomos realmente ofendidos, como devemos agir?

R – Analisemos se não exaltamos os ânimos por meio de represálias, contribuindo para que degenerasse em querela grave um desentendimento que poderia ser facilmente superado..

“Se de vós dependia impedir as conseqüências de um desentendimento e não impedistes, sois culpados”.

5. Que atitude devemos tomar quando, examinando a fundo nossa consciência, de nada nos censurarmos?

R – Sejamos indulgentes para com as fraquezas do nosso irmão e usemos de clemência para com ele, rogando a Deus, em nome de Jesus, pelo seu esclarecimento e progresso espiritual.

“ Admitamos, finalmente, que de nenhuma censura vos reconheceis merecedores: mostrai-vos clementes e, com isso, só fareis que o vosso mérito cresça.”

6. É possível perdoar alguém e alegrar-se por alguém mal que lhe advenha?

R – Neste caso não há perdão verdadeiro, pois quem assim age guarda rancor do próximo e alimenta no coração sentimento de vingança.

O perdão é ato de amor; por isso, quem perdoa alguém sinceramente não pode regozijar-se com o seu sofrimento.

7. Perdoar é simplesmente afastar-se do agressor?

R – Não. Aquele que diz perdoar desde que jamais se aproxime do inimigo, não perdoou verdadeiramente: guarda ainda no coração ódio e ressentimento .

“O rancor é sempre sinal de baixeza e inferioridade.”

8. Qual o verdadeiro perdão?

R – Aquele que lança um véu sobre o passado, esquece as mágoas e elimina as queixas, possibilitando uma convivência fraterna.

“O esquecimento completo e absoluto das ofensas é peculiar às grandes almas”.

9. Como podemos vivenciar este ensinamento no dia-a-dia?

R – Buscando libertar-nos dos sentimentos de ódio e mágoa que guardamos do nosso próximo, através do perdão sincero; e, paralelamente, evitando que simples dissensões derivem para malquerenças e inimizades, pela vivência constante da fraternidade, ensinada no Evangelho de Jesus.

“Quando transportarmos para a vida prática os luminosos ensinamentos do Cristo, preferindo perdoar a usar de represálias, retribuindo ao mal com o bem, a paz e a alegria farão morada permanente em nossos corações”. (R. Calligaris/As Leis Morais – A pena de Talião).

Conclusão:
Perdoemos sempre, para que Deus nos perdoe, pois o rigor que usarmos para com o próximo será igualmente usado para conosco.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 24 - JULIANA SOLARE



O IMPRESSIONANTE APELO

Ligado o receptor, suave melodia derramou-se no ambiente, embalando-nos em harmoniosa sonoridade, vendo-se no espelho da televisão a figura do locutor, no gabinete de trabalho. Daí a instantes, começou ele a falar:
- Emissora do Posto Dois, de "Moradia". Continuamos a irradiar o apelo da colônia, em benefício da paz na Terra. Concitamos os colaboradores de bom ânimo a congregar energias no serviço de preservação do equilíbrio moral nas esferas do globo. Ajudai-nos, quantos puderem ceder algumas horas de cooperação nas zonas de trabalho que ligam as forças obscuras do Umbral à mente humana. Negras falanges da ignorância, depois de espalharem os fachos incendiários da guerra na Ásia, cercam as nações européias, impulsionando-as a novos crimes. Nosso núcleo, junto aos demais que se consagram ao trabalho de higiene espiritual, nos círculos mais próximos da crosta, denuncia esses movimentos dos poderes concentrados do mal, pedindo concurso fraterno e auxílio possível. Lembrai-vos de que a paz necessita de trabalhadores de defesa! Colaborai conosco na medida de vossas forças!... Há serviço para todos, desde os campos da crosta às nossas portas!... Que o Senhor nos abençoe.
Interrompeu-se a voz, ouvindo-se divina música, novamente. A inflexão do estranho convite abalara-me as fibras mais íntimas. Veio Lísias em meu socorro, explicando:
- Estamos ouvindo "Moradia", velha colônia de serviços muito ligada às zonas inferiores. Como sabe, estamos em agosto de 1939. Seus últimos sofrimentos pessoais não lhe deram tempo para ponderar sobre a angustiosa situação do mundo, mas posso afiançar que as nações do planeta se encontram na iminência de tremendas batalhas.
- Que diz? - indaguei, aterrado - pois não bastou o sangue da última grande guerra?
Lísias sorriu, fixando em mim os olhos brilhantes e profundos, como a lastimar em silêncio a gravidade da hora humana. Pela primeira vez o enfermeiro amigo não me respondeu. Seu mutismo constrangera-me.
Assombrava-me, sobretudo, a imensidade dos serviços espirituais nos planos de vida nova a que me recolhera. Pois havia cidades de espíritos generosos, suplicando socorro e cooperação? Apresentara-se a voz do locutor com entonação de verdadeiro S.O.S. Vira-lhe a fisionomia abatida, no espelho da televisão. Demonstrava ansiedade profunda nos olhos inquietos. E a linguagem? Ouvira-lhe nitidamente o idioma português, claro e correto. Julgava que todas as colônias espirituais se intercomunicassem pelas vibrações do pensamento. Havia, ainda ali, tão grande dificuldade no capítulo do intercâmbio? Identificando-me as perplexidades, Lísias
esclareceu:
- Estamos ainda muito longe das regiões ideais da mente pura. Tal como na Terra, os que se afinam perfeitamente entre si podem permutar pensamentos, sem as barreiras idiomáticas; mas, de modo geral, não podemos prescindir da forma, no lato sentido da expressão. Nosso campo de lutas é imensurável. A humanidade terrestre, constituída de milhões de seres, une-se à humanidade invisível do planeta, que integra muitos bilhões de criaturas.
Não seria, portanto, possível atingir as zonas aperfeiçoadas, logo após a morte do corpo físico. Os patrimônios nacionais e lingüísticos remanescem ainda aqui, condicionados a fronteiras psíquicas. Nos mais diversos setores de nossa atividade espiritual existe elevado número de espíritos libertos de todas as limitações, mas insta considerar que a regra é sofrer-se dessas restrições. Nada enganará o princípio de seqüência, imperante nas leis evolutivas.
Nesse ínterim, interrompia-se a música, voltando o locutor:
- Emissora do Posto Dois, de "Moradia". Continuamos a irradiar o apelo da colônia em benefício da paz na Terra. Nevoeiros pesados amontoam-se ao longo dos céus da Europa. Forças tenebrosas do Umbral penetram em todas as direções, respondendo ao apelo das tendências mesquinhas do homem. Há muitos benfeitores devotados, lutando com sacrifícios em favor da concórdia internacional, nos gabinetes políticos.
Alguns governos, no entanto, se encontram excessivamente centralizados, oferecendo escassas possibilidades à colaboração de natureza espiritual.
Sem órgãos de ponderação e conselho desapaixonado, caminham esses países para uma guerra de grandes proporções Oh! irmãos muito amados, dos núcleos superiores, auxiliemos a preservação da tranqüilidade humana!... Defendamos os séculos de experiência de numerosas pátrias mães da Civilização Ocidental!... Que o Senhor nos abençoe.
Calou-se o locutor e voltaram as cariciosas melodias.
O enfermeiro permaneceu em silêncio, que não ousei interromper.
Após cinco minutos de harmonia repousante, a mesma voz se fez novamente ouvir:
- Emissora do Posto Dois, de "Moradia". Continuamos a irradiar o apelo da colônia em benefício da paz na Terra. Companheiros e irmãos, invoquemos o amparo das poderosas Fraternidades da Luz, que presidem aos destinos da América! Cooperai conosco na salvação de milenários patrimônios da evolução terrestre! Marchemos em socorro das coletividades indefesas, amparemos os corações maternais sufocados de angústia!
Nossas energias estão empenhadas em vigoroso duelo com as legiões da ignorância. Quanto estiver ao vosso alcance, vinde em nosso auxílio! Somos a parte invisível da humanidade terrestre, e muitos de nós volveremos aos fluidos carnais para resgatar prístinos erros. A humanidade encarnada é igualmente nossa família. Unamo-nos numa só vibração. Contra o assédio das trevas, acendamos a luz; contra a guerra do mal, movimentemos a resistência do bem. Rios de sangue e lágrimas ameaçam os campos das
comunidades européias. Proclamemos a necessidade do trabalho construtivo, dilatemos nossa fé... Que o Senhor nos abençoe.
A essa altura, desligou Lísias o aparelho e vi-o enxugar discretamente uma lágrima, que seus olhos não conseguiam conter. Num gesto expressivo, falou, comovido:
- Grandes abnegados, os irmãos de "Moradia"! Tudo inútil, porém - acentuou, triste, depois de ligeira pausa -, a humanidade terrestre pagará, em dias próximos, terríveis tributos de sofrimento.
- Não há, todavia, recurso para conjurar a tremenda catástrofe? - perguntei, sensibilizado.
- Infelizmente - acrescentou Lísias em tom grave e doloroso – a situação geral é muito crítica. Para atender às solicitações de "Moradia" e de outros núcleos que funcionam nas vizinhanças do Umbral, reunimos aqui numerosas assembléias, mas o Ministério da União Divina esclareceu que a humanidade carnal, como personalidade coletiva, está nas condições do homem insaciável que devorou excesso de substâncias no banquete comum. A crise orgânica é inevitável. Nutriram-se várias nações de orgulho criminoso, vaidade e egoísmo feroz.
Experimentam, agora, a necessidade de expelir os venenos letais. Demonstrando, entretanto, o propósito de não prosseguir no amarguroso assunto, Lísias convidou-me a recolher.

domingo, 3 de janeiro de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO - CAPÍTULO 10 ÍTEM 14 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

PERDÃO DAS OFENSAS

1. De acordo com os ensinamentos e Jesus, até quantas vezes devemos perdoar nosso irmão?
Devemos perdoar infinitamente, pois não há limites para o perdão. Ao dizer que devemos perdoar não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes, Jesus ensina-nos a não contar as ofensas nem os perdões concedidos.

“(...) perdoarás cada ofensa tantas vezes quantas ela te for feita (...) serás brando e humilde de coração, sem medir tua mansuetude”.

2. O perdão faz parte das leis de Deus?
Certamente. O perdão faz parte da lei do amor, de tal modo que, se não perdoamos ao nosso próximo, também não seremos perdoados.

Jesus nos ensina: “Pai, perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”.

3. Como devemos agir para aplicar este ensinamento em nossa vida?
Perdoando sempre. Sendo indulgentes, caridosos, generosos, pródigos em amor ao próximo. E tudo quanto fizermos, Deus nos concederá em dobro.

“Daí, que o Senhor vos reconstituíra; perdoai, que o Senhor vos perdoará; abaixai-vos, que o Senhor vos elevará; humilhai-vos, que o Senhor fará vos assenteis a Sua direita”.

4. E se a ofensa for muito grave, que atitude devemos tomar?
Mais do nunca devemos perdoar, porquanto o mérito do perdão é proporcional à gravidade da ofensa: nenhum mérito existe em relevar os agravos de nosso irmão, se não passam de tatos irrelevantes.

“Perdoai aos vossos irmãos como precisais que eles vos perdoem”.

5. Qual a responsabilidade que possuem, com referência ao perdão, aqueles que conhecem os ensinamentos, não apenas por palavras, mas sobretudo através de atos?
Tendo a benção do esclarecimento, mais responsáveis se tornam em dar testemunho destes ensinamentos, não apenas por palavras, mas sobretudo através de atos.

“Olvidai o mal que vos hajam feito e não penseis senão numa coisa: no bem que podeis fazer”.

6. Existe o verdadeiro perdão quando se guarda rancor de alguém?
Não. O perdão verdadeiro é aquele que sai de um coração manso, livre de ódios e ressentimentos. Somente este é agradável a Deus.

Cuidai, portanto, de afastar dos vossos pensamentos todo sentimento de rancor, pois Deus sabe o que se passa no fundo do coração de cada um de seus filhos.

7. Qual o pensamento que deve embalar o sono de um verdadeiro cristão?
O de que, no decorrer daquele dia, nada fez contra seu irmão e, se acaso foi ofendido por alguém, já o perdoou.

“Feliz, pois, daquele que pode todas as noites adormecer, dizendo: Nada tenho contra o meu próximo”.

Conclusão:
Na prática do perdão, o maior beneficiado é quem perdoa, pois este obtém as bênçãos de Deus e restabelece a sua paz interior, através da harmonia com o próximo.