domingo, 30 de maio de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 12 ÍTEM 10 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

AMAI AOS VOSSOS INIMIGOS

O Ódio

1. De onde provém o ódio?
Da condição inferior em que ainda se encontra o homem, cujo orgulho fala muito alto, impedindo-o de ver, naquele que lhe inspira ódio, alguém que necessita do seu perdão, compreensão e cooperação.

“O ódio é o gérmen do amor que foi sufocado e desvirtuado por um coração sem Evangelho”.
“Só a evangelização do homem espiritual poderá conduzir as criaturas a um plano superior de compreensão...” (Emmanuel/O Consolador-questão 339).


2. Quem é a principal vítima do ódio?
É aquele que alimenta este sentimento, visto que o caminho para se conquistar a felicidade passa, obrigatoriamente, pelo máximo, a quem devemos amar incondicionalmente, e não odiar.

“Amai-vos uns aos outros e sereis felizes.”.

3. Por que devemos amar com mais intensidade aqueles que nos inspiram indiferença, ódio ou desprezo?
Porque estes são os que mais necessitam da nossa compreensão, além de constituírem a mão que nos dá o ensejo de demonstrar nossa paciência e resignação.

O irmão que nos inspira o sentimento de ódio constitui o meio e a oportunidade que Deus nos dá para nos regenerarmos do mal que tenhamos feito.

4. Quem na Terra nos deu o maior exemplo de amor?
Jesus, que se entregou ao sacrifício da própria vida para dar testemunho do seu amor por todos nós.

Jesus é o exemplo mais perfeito que Deus em oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo. (O Livro dos Espíritos – questão 625).

5. Por que é necessário amar os que nos ultrajam e perseguem, mesmo que isso seja penoso?
Porque, assim fazendo, demonstramos nossa superioridade moral em relação a eles, compelindo-os a seguirem nosso exemplo. É assim que seguimos a lição do Mestre, que nos recomenda retribuir o mal com o bem.

“Se os odiásseis, como vos odeiam, não valeríeis mais do que eles.” O bem é o único dissolvente do mal.

6. O que ocorre aos que violam a lei de amor?
Sofrerão a corrigenda necessária, através de duras provas restauradoras, porquanto Deus pune, nesta ou em outra vida, todos os que violam a lei de amor, uma vez que esta deve presidir todo o nosso relacionamento com o próximo.

A harmonia que preside as leis de Deus impõe que a violação de uma delas determine a observância e o cumprimento de outra, que leve à reparação da falta cometida. É assim que Deus nos impulsiona ao progresso.

7- O que ocorrerá se não vencermos o ódio dentro de nós?
Não poderemos desfrutar da verdadeira felicidade, que só é permitida aos que se ajustam à lei de amor, apregoada por Jesus.

“O amor aproxima de Deus a criatura e o ódio a distancia Dele.”

Conclusão:

O ódio é fruto da condição inferior em que ainda se encontra o homem. Odiar é ferir-se a si próprio; é um mal que atinge diretamente quem odeia.
Devemos vencê-lo dentro de nós, para desfrutarmos a verdadeira felicidade, cujo caminho é o exemplo de Jesus, contido no seu Evangelho.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

ESTUDO DO LIVRO LIBERTAÇÃO - CAPÍTULO 1 - JULIANA SOLARE



OUVINDO ELUCIDAÇÕES


No vasto salão do educandário que nos reunia, o Ministro Flácus, fixando em nós o olhar saturado de doce magnetismo, convidava-nos a preciosas meditações.
Congregamo-nos, ali, somente algumas dezenas de companheiros, de modo a registrar-lhe as instruções edificantes. E, sem dúvida, a preleção revestia-se de profundo interesse.
Podíamos perguntar à vontade, dentro do assunto, e guardar todas as informações compatíveis com o novo trabalho que nos cumpria desempenhar.
Até então, ouvira comentários alusivos a colônias purgatoriais, perfeitamente organizadas para o trabalho expiatório a que se destinam, arrebanhando milhares de criaturas arraigadas no mal; entretanto, agora, o Instrutor Gúbio, que se mantinha silencioso, em nossa companhia, concedera-nos permissão de acompanhá-lo a enorme centro dessa espécie.
Interessados na palavra fluente e primorosa do orador, seguíamos o curso das elucidações com justificável expectação de aluno que não deseja perder um til do ensinamento, observando que a serenidade e a atenção transpareciam no rosto de todos os aprendizes, considerando-se que todos, no recinto, éramos candidatos ao serviço de socorro aos irmãos ignorantes, atormentados nas sombras...
Senhoreando-nos o espírito, o Ministro prosseguia, satisfeito:
— Os superiores que se disponham a trabalhar em benefício dos inferiores, em ação persistente e substancial, não lhes podem utilizar as armas, sob pena de se precipitarem no baixo nível deles. A severidade pertencerá ao que instrui, mas o amor é o companheiro daquele que serve.
Sabemos que a educação, na maioria das vezes, parte da periferia para o centro; contudo, a renovação, traduzindo aperfeiçoamento real, movimenta-se em sentido inverso. Ambos os impulsos, todavia, são alimentados e controlados pelos poderes quase desconhecidos da mente.
O espírito humano lida com a força mental, tanto quanto maneja a eletricidade, com a diferença, porém, de que se já aprende a gastar a segunda, no transformismo incessante da Terra, mal conhece a existência da primeira, que nos preside a todos os atos da vida.
A rigor, portanto, não temos círculos infernais, de acordo com os figurinos da antiga teologia, onde se mostram indefinidamente gênios satânicos de todas as épocas e, sim, esferas obscuras em que se agregam consciências embotadas na ignorância, cristalizadas no ócio reprovável ou confundidas no eclipse temporário da razão. Desesperadas e insubmissas, criam zonas de tormentos reparadores. Semelhantes criaturas, no entanto, não se regeneram à força de palavras.
Necessitam de amparo eficiente que lhes modifique o tom vibratório, elevando-lhes o modo de sentir e pensar.
Eminentes pensadores do mundo traçam diretrizes à salvação das almas; mas somos de parecer que possuímos suficiente número de roteiros nesse sentido, em todos os setores do conhecimento terrestre. Reclamamos, na atualidade, quem ajude o pensamento do homem na direção do Alto. Empreender o tentame, incentivando-se tão somente os valores culturais, seria consagrar a tecnocracia, que procura a simples mecanização da vida, destruindo-lhe as sementes gloriosas de improvisação, de infinito e de eternidade.
Grandes políticos e veneráveis condutores nunca se ausentaram do mundo.
Passam pela multidão, sacudindo-a ou arregimentando-a. É forçoso reconhecer, porém, que a organização humana, por si só, não atende às exigências do ser imperecível.
Péricles, o estadista que legou seu nome a um século, realiza edificante trabalho educativo, junto dos gregos; entretanto, não lhes atenua a belicosidade e os pruridos de hegemonia, sucumbindo ao assédio de aflitivo desgosto.
Alexandre, o conquistador, organiza vastíssimo império, estabelecendo uma civilização respeitável; no entanto, não impede que os seus generais prossigam em conflitos sanguinolentos, difundindo o saque e a morte.
Augusto, o Divino, unifica o Império Romano em sólidos alicerces, concretizando avançado programa político em benefício de todos os povos, mas não consegue banir de Roma o desvario pela dominação a qualquer preço.
Constantino, o Grande, advogado dos cristãos indefesos, oferece novo padrão de vida ao Planeta; contudo, não modifica as disposições detestáveis de quantos guerreavam em nome de Deus.
Napoleão, o ditador, impõe novos métodos de progresso material, em toda a Terra; mas não se furta, ele próprio, às garras da tirania, pela simples ganância da posse.
Pasteur, o cientista, defende a saúde do corpo humano, devotando-se, abnegado, ao combate silencioso contra a selva microbiana; todavia, não pode evitar que seus contemporâneos se destruam reciprocamente em disputas incompreensíveis e cruéis.
Permanecemos diante de um mundo civilizado na superfície, que reclama não só a presença daqueles que ensinam o bem, mas principalmente daqueles que o praticam.
Sobre os mananciais da cultura, nos vales da Terra, é imprescindível que desçam as torrentes da compaixão do Céu, através dos montes do amor e da renúncia.
Cristo não brilha apenas pelo ensino sublimado. Resplandece na demonstração. Em companhia d’Ele, é indispensável mantenhamos a coragem de amparar e salvar, descendo aos recessos do abismo.
Não longe de nossa paz relativa, em círculos escuros de desencanto e desesperação, misturam-se milhões de seres, conclamando comiseração... Porque não acender piedosa luz, dentro da noite em que se mergulham, desorientados? porque não semear esperança entre corações que abdicaram da fé em si mesmos?
A frente, pois, de imensas coletividades em dolorosa petição de reajustamento, faz-se inadiável o auxílio restaurador.
Somos entidades ainda infinitamente humildes e imperfeitas para nos candidatarmos, de pronto, à condição dos anjos. Entretanto, guindados a singelas culminâncias da inteligência, somos micróbios que sonham com o crescimento próprio para a eternidade.
Enquanto o homem, nosso irmão, desintegra assombrado as formações atômicas, nós outros, distanciados do corpo denso, estudamos essa mesma energia através de aspectos que a ciência terrestre, por agora, mal conseguiria imaginar. Caminheiros, porém, que somos do progresso infinito, principiamos apenas, ele e nós, a sondar a força mental, que nos condiciona as manifestações nos mais variados planos da natureza.
Encarcerados ainda na lei de retorno, temos efetuado multisseculares recapitulações, por milênios conescutivos.
Expressando-nos coletivamente, sabemos hoje que o espírito humano lida com a razão há, precisamente, quarenta mil anos. Todavia, com o mesmo furioso ímpeto com que o homem de Neandertal aniquilava o companheiro, a golpes de sílex, o homem da atualidade, classificada de gloriosa era das grandes potências, extermina o próprio irmão a tiros de fuzil.
Os investigadores do raciocínio, ligeiramente tisnados de princípios religiosos, identificam tão somente, nessa anomalia sinistra, a renitência da imperfeição e da fragilidade da carne, como se a carne fôsse permanente índividuação diabólica, esquecidos de que a matéria mais densa não é senão o conjunto das vidas inferiores incontáveis, em processo de aprimoramento, crescimento e libertação.
Nos campos da Crosta Planetária, queda-se a inteligência, qual se fora anestesiada por perigosoas narcóticos da ilusão; no entanto, auxiliá-la-emos a sentir e reconhecer que o espírito permanece vibrando em todos os ângulos da existência.
Cada espécie de seres, do cristal até o homem, e do homem até o anjo, abrange inumeráveis famílias de criaturas, operando em determinada frequência do Universo. E o amor divino alcança-nos a todos, à maneira do Sol que abraça os sábios e os vermes.
Todavia, quem avança demora-se em ligação com quem se localiza na esfera próxima.
O domínio vegetal vale-se do império mineral para sustentar-se e evoluir. Os animais aproveitam os vegetais na obra de aprimoramento. Os homens se socorrem de uns e outros para crescerem mentalmente e prosseguir adiante...
Atritam os reinos da vida, conhecidos na Terra, entre si.
Torturam-se e entredevoram-se, através de rudes experiências, a fim de que os valores espirituais se desenvolvam e resplandeçam, refletindo a divina luz...
Nesse ponto, o esclarecido Ministro fêz longa pausa, fitou-nos, bondoso, e continuou:
— Mas... além do principado humano, para lá das fronteiras sensoriais que guardam ciosamente a alma encarnada, amparando-a com limitada visão e benéfico esquecimento, começa vasto império espiritual, vizinho dos homens. Ai se agitam milhões de Espíritos imperfeitos que partilham, com as criaturas terrenas, as condições de habitabilidade da Crosta do Mundo. Seres humanos, situados noutra faixa vibratória, apóiam-se na mente encarnada, através de falanges incontáveis, tão semiconscientes na responsabilidade e tão incompletas na virtude, quanto os próprios homens.

A matéria, congregando milhões de vidas embrionárias, é também a condensação da energia, atendendo aos imperativos do “eu” que lhe preside à destinação.
Do hidrogênio às mais complexas unidades atômicas, é o poder do espírito eterno a alavanca diretora de prótons, nêutrons e eléctrons, na estrada infinita da vida. Demora-se a inteligência corporificada no círculo humano em transitória região, adaptada às suas exigências de progresso e aperfeiçoamento, dentro da qual o protoplasma lhe faculta instrumentos de trabalho, crescimento e expansão. Entretanto, nesse mesmo espaço, alonga-se a matéria noutros estados, e, nesses outros estados, a mente desencarnada, em viagem para o conhecimento e para a virtude, radica-se na esfera física, buscando dominá-la e absorvê-la, estabelecendo gigantesca luta de pensamento que ao homem comum não é dado calcular.
Frustrados em suas aspirações de vaidoso domínio no domicílio celestial, homens e mulheres de todos os climas e de todas as civilizações, depois da morte, esbarram nessa região em que se prolongam as atividades terrenas e elegem o instinto de soberania sobre a Terra por única felicidade digna do impulso de conquistar. Rebelados filhos da Providência, tentam desacreditar a grandeza divina, estimulando o poder autocrático da inteligência insubmissa e orgulhosa e buscam preservar os círculos terrestres para a dilatação indefinida do ódio e da revolta, da vaidade e da criminalidade, como se o Planeta, em sua expressão inferior, lhes fôsse paraíso único, ainda não integralmente submetido a seus caprichos, em vista da permanente discórdia reinante entre eles mesmos. É que, confinados ao berço escabroso da ignorância em que o medo e a maldade, com inquietudes e perseguições recíprocas, lhes consomem as forças e lhes inutilizam o tempo, não se apercebem da situação dolorosa em que se acham.
Fora do amor verdadeiro, toda união é temporária e a guerra será sempre o estado natural daqueles que perseveram na posição de indisciplina.
Um reino espiritual, dividido e atormentado, cerca a experiência humana, em todas as direções, intentando dilatar o domínio permanente da tirania e da força.
Sabemos que o Sol opera por meio de radiações, nutrindo, maternalmente, a vida a milhões de quilômetros. Sem nos referirmos às condições da matéria em que nos movimentamos, lembremo-nos de que, em nosso sistema, as existências mais rudimentares, desde os cumes iluminados aos recôncavos das trevas, estão sujeitas à sua influenciação.
Como acontece aos corpos gigantescos do Cosmos, também nós outros, espiritualmente, caminhamos para o zênite evolutivo, experimentando as radiações uns dos outros. Nesse processo multiforme de intercâmbio, atração, imantação e repulsão, aperfeiçoam-se mundos e almas, na comunidade universal.
Dentro de semelhante realidade, toda a nossa atividade terrestre se desdobra num campo de influências que nem mesmo nós, os aprendizes humanos em círculos mais altos, poderíamos, por enquanto, determinar.
Incapacitados de prosseguir além do túmulo, a caminho do Céu que não souberam conquistar, os filhos do desespero organizam-se em vastas colônias de ódio e miséria moral, disputando, entre si, a dominação da Terra. Conservam, igualmente, quanto ocorre a nós mesmos, largos e valiosos patrimônios intelectuais e, anjos decaídos da Ciência, buscam, acima de tudo, a perversão dos processos divinos que orientam a evolução planetária.
Mentes cristalizadas na rebeldia, tentam sola-par, em vão, a Sabedoria Eterna, criando quistos de vida inferior, na organização terrestre, entrincheiradas nas paixões escuras que lhes vergastam as consciências. Conhecem inumeráveis recursos de perturbar e ferir, obscurecer e aniquilar. Escravizam o serviço benéfico da reencarnação em grandes setores expiatórios e dispõem de agentes da discórdia contra todas as manifestações dos sublimes propósitos que o Senhor nos traçou às ações.
Os homens terrenos que, semi-libertos do corpo, lhes conseguiram identificar, de algum modo, a existência, recuaram, tímidos e espavoridos, espalhando entre os contemporâneos as noções de um inferno punitivo e infindável, encravado em tenebrosas regiões além da morte.
A mente infantil da Terra, embalada pela ternura paternal da providência, através da teologia comum, nunca pôde apreender, mais intensivamente, a realidade espiritual que nos governa os destinos.
Raros compreendem na morte simples modificação de envoltório, e escasso número de pessoas, ainda mesmo em se tratando dos religiosos mais avançados, guardaram a prudência de viver, no vaso físico, de conformidade com os princípios superiores que esposaram. Somos defrontados, agora, pela necessidade da proclamação de verdades velhas para os velhos ouvidos e novas para os ouvidos novos da inteligência juvenil situada no mundo.
O homem, herdeiro presuntivo da Coroa Celeste, é o condutor do próprio homem, dentro de enormes extensões do caminho evolutivo. Entre aquele que já se acerca do anjo e o selvagem que ainda se limita com o irracional, existem milhares de posições, ocupadas pelo raciocínio e pelo sentimento dos mais variados matizes. E, se há uma corrente, brilhante e maravilhosa, de criaturas encarnadas e desencarnadas que se dirigem para o monte da sublimação, desferindo glorioso cântico de trabalho, imortalidade, beleza e esperança, exaltando a vida, outra corrente existe, escura e infeliz, nas mesmas condições, interessada em descer aos recôncavos das trevas, lançando perturbação, desânimo, desordem e sombra, consagrando a morte, Espíritos incompletos que somos ainda, aderimos aos movimentos que lhes dizem respeito e colhemos os benefícios da ascensão e da vitória ou os prejuízos da descida e da derrota, controlados pelas inteligências mais vigorosas que a nossa e que seguem conosco, lado a lado, na zona progressiva ou deprimente, em que nos colocamos.
O inferno, por isto mesmo, é um problema de direção espiritual.
Satã é a inteligência perversa - O mal é o desperdício do tempo ou o emprego da energia em sentido contrário aos propósitos do Senhor.
O sofrimento é reparação ou ensinamento renovador.
As almas decaídas, contudo, quaisquer que sejam, não constituem uma raça espiritual sentenciada irremediàvelmente ao satanismo, integrando, tão somente, a coletividade das criaturas humanas desencarnadas, em posição de absoluta insensatez. Misturam-se à multidão terrestre, exercem atuação singular sobre inúmeros lares e administrações e o interesse fundamental das mais poderosas inteligências, dentre elas, é a conservação do mundo ofuscado e distraído, à força da ignorância defendida e do egoísmo recalcado, adiando-se o Reino de Deus, entre os homens, indefinidamente...
De milênios a milênios, a região em que respiram padece extremas alterações, qual acontece ao campo provisoriamente ocupado pelos povos conhecidos. A matéria que lhes estrutura a residência sofre tremendas modificações e precioso trabalho seletivo se opera na transformação natural, dentro dos moldes do Infinito Bem. Entretanto, embora de fileiras compactas incessantemente substituidas, persistem por séculos sucessivos, acompanhando o curso das civilizações e seguindo-lhes os esplendores e experiências, aflições e derrotas.
Fazendo-se nova pausa do Ministro, que me pareceu oportuna e intencional, um companheiro interferiu, indagando:
— Grande benfeitor, reconhecemos a veracidade de vossas afirmativas; todavia, porque não suprime o Senhor Compassivo e Sábio tão pavoroso quadro?
O esclarecido mentor fixou um gesto de condescendência e respondeu:
— Não será o mesmo que interrogar pela tardança de nossa própria adesão ao Reino Divino?
Sente-se o meu amigo suficientemente iluminado para negar o lado sombrio da própria individualidade? Libertou-se de todas as tentações que fluem dos escaninhos misteriosos da luta interna? Não admite que o orbe possua os seus círculos de luz e trevas, qual acontece a nós mesmos nos recessos do coração? E assim como duelamos em formidáveis conflitos por dentro, a vida planetária é compelida igualmente a combater nos recônditos ângulos de si mesma. Quanto à intervenção do Senhor, recordemo-nos de que os estudos desta hora não se prendem aos aspectos da compaixão e, sim, aos problemas da justiça.
Nós outros e a humanidade militante na carne não representamos senão diminuta parcela da família universal, confinados à faixa vibratória que nos é peculiar.
Somos simplesmente alguns bilhões de seres perante a Eternidade. E estejamos convencidos de que se o diamante é lapidado pelo diamante, o mau só pode ser corrigido pelo mau. Funciona a justiça, através da injustiça aparente, até que o amor nasça e redima os que se condenaram a longas e dolorosas sentenças diante da Boa Lei.
Homens perversos, calculistas, delituosos e inconseqüentes são vigiados por gênios da mesma natureza, que se afinam com as tendências de que são portadores.
Realmente, nunca faltou proteção do Céu contra os tormentos que as almas endurecidas e ingratas semearam na Terra e os numes guardiães não se despreocupam dos tutelados; no entanto, seria ilógico e absurdo designar um anjo para custodiar criminosos.
Os homens encarnados, de maneira geral, permanecem cercados pelas escuras e degradantes irradiações de entidades imperfeitas e indecisas, quanto eles próprios, criaturas que lhes são invisíveis ao olhar, mas que lhes partilham a residência.
Em razão disso, o Planeta, por enquanto, ainda não passa de vasto crivo de aprimoramento, ao qual somente os individuos excepcionalmente aperfeiçoados pelo próprio esforço conseguem escapar, na direção das esferas sublimes.
Considerando semelhante situação, o Mestre Divino exclamou perante o juiz, em Jerusalém:
“Por agora, o meu Reino não é daqui” e, pela mesma razão, Paulo de Tarso, depois de lutas angustiosas, escreve aos Efésios que “não temos de lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas e contra as hostes espirituais da maldade, nas próprias regiões celestes.”
Além, pois, do reino humano, o império imenso das inteligências desencarnadas participa de contínuo no julgamento da Humanidade.
E entendendo a nossa condição de trabalhadores incompletos, detentores de velhas dificuldades e terríveis inibições, na ordem do aprimoramento iluminativo, cabe-nos preparar recursos de auxilio, reconhecendo que a obra redentora é trabalho educativo por excelência.
O sacrifício do Mestre representou o fermento divino, levedando toda a massa. É por isto que Jesus, acima de tudo, é o Doador da Sublimação para a vida imperecível. Absteve-se de manejar as paixões da turba, visto reconhecer que a verdadeira obra salvacionista permanece radicada ao coração, e distanciou-se dos decretos políticos, não obstante reverenciá-los com inequívoco respeito à autoridade constituída, por não ignorar que o serviço do Reino Celeste não depende de compromissos exteriores, mas do individualismo afeiçoado à boa vontade e ao espírito de renúncia em benefício dos semelhantes.
Sem nosso esforço pessoal no bem, a obra regenerativa será adiada indefinidamente, compreendendo-se por precioso e indispensável nosso concurso fraterno para que irmãos nossos, provisoriamente impermeáveis no mal, se convertam aos Designios Divinos, aprendendo a utilizar os poderes da luz potencial de que são detentores. Somente o amor sentido, crido e vivido por nós provocará a eclosão dos raios de amor em nossos semelhantes. Sem polarizar as energias da alma na direção divina, ajustando-lhes o magnetismo ao Centro do Universo, todo programa de redenção é um conjunto de palavras, pecando pela improbabilidade flagrante.
O Ministro sorriu para nós, expressivamente, e concluiu:
— Terei sido bastante claro?
Transbordava de todos os rostos o desejo de ouvi-lo por mais tempo; no entanto, Flácus, aureolado de luz, desceu da tribuna e pôs-se a conversar familiarmente conosco.
A preleção fora encerrada.
As considerações ouvidas despertavam em mim o máximo interesse. No entanto, era preciso aguardar nova oportunidade para mais amplos esclarecimentos.

domingo, 23 de maio de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 12 ÍTEM 9 - MARIA J. CAMPOS




FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

AMAI AOS VOSSOS INIMIGOS

A Vingança

1. Em que consiste a vingança?
É uma manifestação de desamor, decorrente do estado de atraso moral em que ainda se encontram os homens que dela se utilizam e os espíritos que a inspiram.

“A vingança é um dos últimos remanescentes dos costumes bárbaros que tendem a desaparecer dentre os homens”.
A vingança é uma inspiração que se torna mais cruel quando associada à falsidade e à baixeza.


2. Por que a vingança é condenável?
Porque, sendo ela a manifestação de um coração ressentido pelo ódio e que guarda mágoa do semelhante, torna-se contrária à Lei de Deus, que é toda de amor.

Jesus nos aconselhou a perdoar setenta vezes sete vezes; prescreveu, também, que devemos amar o nosso inimigo. A vingança é a negação desses ensinamentos.

3. A vingança não seria uma forma de aplicação da justiça?
Não. Aquele que faz justiça com as próprias mãos arca com a responsabilidade do respectivo resgate. Fazer justiça compete unicamente a Deus.

A justiça divina dispõe de recursos que dispensam nossa atuação.

4. Como Jesus reprovou a vingança?
Aconselhando-nos a perdoar e amar os inimigos, e a fazer o bem a todos, indistintamente.

Aquele que perdoa é bem visto aos olhos de Deus e se torna, por isso, merecedor, também, do seu perdão.

5. Como devemos agir se o sentimento de vingança for mais forte que o desejo de perdoar?
Devemos empreender todo o nosso esforço por desenvolver os sentimentos de fraternidade e tolerância, buscando no Evangelho e na prece o amparo e a inspiração para nos libertarmos do desejo de vingança.

A nobreza da alma, cuja principal característica é perdoar indistintamente as ofensas, é conquista de grande esforço.

6. Qual a conseqüência da vingança para quem a pratica?
Aquele que se vinga, além de aumentar seus débitos para com a justiça divina, deixa escapar a oportunidade de se regenerar através do perdão ao agressor, com quem terá, inevitavelmente, de se reconciliar um dia.

O vingador é alguém que carrega um pesado fardo de dores, do qual só se libertará quando iniciar a prática do perdão.

Conclusão:

A vingança, fruto do atraso moral do homem, é condenável, pois consiste na manifestação de um coração rancoroso. Este sentimento, contrário à lei de Deus, deixará de existir na Terra quando o homem, usando os recursos do Evangelho e da prece, se esforçar por perdoar as ofensas recebidas.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 36 - JULIANA SOLARE



O SONHO

Prosseguiram os serviços, incessantemente. Enfermos exigindo cuidado, perturbados reclamando dedicação.
Ao cair da noite, já me sentia integrado no mecanismo dos passes, aplicando-os aos necessitados de toda sorte.
Pela manhã, regressou Tobias às Câmaras e, mais por generosidade que por outro motivo, estimulou-me com palavras animadoras.
- Muito bem, André! - exclamou ele, contente - vou recomendá-lo ao Ministro Genésio e, pelos serviços iniciais, receberá bônus em dobro.
Ensaiava palavras de reconhecimento, quando a senhora Laura e Lísias chegaram e me abraçaram.
- Sentimo-nos profundamente satisfeitos - disse a generosa senhora, sorrindo, acompanhei-o em espírito, durante a noite, e sua estréia no trabalho é motivo de justa alegria em nosso círculo doméstico. Disputei a satisfação de levar a notícia ao Ministro Clarêncio, que me recomendou cumprimentasse a você em nome dele.
Trocaram observações afetuosas com Tobias e Narcisa. Pediram-me relatório verbal de impressões e eu não cabia em mim de contente.
Minhas alegrias sublimes, porém, reservavam-se para depois.
Nada obstante o convite amável da genitora de Lísias para que voltasse a casa por descansar, Tobias pós à minha disposição um apartamento de repouso, ao lado das Câmaras de Retificação, e aconselhoume algum descanso. De fato, sentia grande necessidade do sono. Narcisa preparou-me o leito com desvelos de irmã.
Recolhido ao quarto confortável e espaçoso, orei ao Senhor da Vida agradecendo-lhe a bênção de ter sido útil. A "proveitosa fadiga" dos que cumprem o dever não me deu ensejo a qualquer vigília desagradável.
Daí a instantes, sensações de leveza invadiram-me a alma toda e tive a impressão de ser arrebatado em pequenino barco, rumando a regiões desconhecidas. Para onde me dirigia? Impossível responder. A meu lado, um homem silencioso sustinha o leme. E qual criança que não pode enumerar nem definir as belezas do caminho, deixava-me conduzir sem exclamações de qualquer natureza, extasiado embora com as
magnificências da paisagem. Parecia-me que a embarcação seguia célere, não obstante os movimentos de ascensão.
Decorridos minutos, vi-me à frente de um porto maravilhoso, onde alguém me chamou com especial carinho:
- André!... André!...
Desembarquei com precipitação verdadeiramente infantil.
Reconheceria aquela voz entre milhares. Num momento, abraçava minha mãe em transbordamentos de júbilo.
Fui conduzido, então, por ela, a prodigioso bosque, onde as flores eram dotadas de singular propriedade - a de reter a luz, revelando a festa permanente do perfume e da cor. Tapetes dourados e luminosos estendiam-se, dessa maneira, sob as grandes árvores sussurrantes ao vento. Minhas impressões de felicidade e paz eram
inexcedíveis. O sonho não era propriamente qual se verifica na Terra. Eu sabia, perfeitamente, que deixara o veículo inferior no apartamento das Câmaras de Retificação, em "Nosso Lar", e tinha absoluta consciência daquela movimentação em plano diverso. Minhas noções de espaço e tempo eram exatas. A riqueza de emoções, por sua vez, afirmava-se cada vez mais intensa. Após dirigir-me sagrados incentivos espirituais, minha mãe esclareceu bondosamente:
- Muito roguei a Jesus me permitisse a sublime satisfação de ter-te a meu lado, no teu primeiro dia de serviço útil. Como vês, meu filho, o trabalho é tônico divino para o coração. Numerosos companheiros nossos, após deixarem a Terra, demoram em atitudes contraproducentes, aguardando milagres que jamais se verificarão. Reduzem-se, desse modo, formosas capacidades a simples expressões parasitárias. Alguns se dizem desencorajados pela solidão, outros, como sucedia na Terra, declaram-se em desacordo com o meio a que foram chamados para servir ao Senhor. É
indispensável, André, converter toda a oportunidade da vida em motivo de atenção a Deus. Nos círculos inferiores, meu filho, o prato de sopa ao faminto, o bálsamo ao leproso, o gesto de amor ao desiludido, são serviços divinos que nunca ficarão deslembrados na Casa de Nosso Pai; aqui, igualmente, o olhar de compreensão ao culpado, a promessa evangélica aos que vivem no desespero, a esperança ao aflito, constituem bênçãos de trabalho espiritual, que o Senhor observa e registra a nosso favor...
A fisionomia de minha genitora estava mais bela que nunca. Seus olhos de madona pareciam irradiar luminosidade sublime, suas mãos transmitiam-me, nos gestos de ternura, fluidos criadores de energias novas, a par de caridosas emoções.
- O Evangelho de Jesus, meu André - continuou amorosamente, lembra-nos que há maior alegria em dar que em receber. Aprendamos a concretizar semelhante princípio, no esforço diário a que formos conduzidos pela nossa própria felicidade. Dá sempre, filho meu. Sobretudo, jamais esqueças dar de ti mesmo, em tolerância construtiva, em amor fraternal e divina compreensão. A prática do bem exterior é um ensinamento e um
apelo, para que cheguemos à prática do bem interior. Jesus deu mais de si para o engrandecimento dos homens, que todos os milionários da Terra congregados no serviço, sublime embora, da caridade material. Não te envergonhes de amparar os chaguentos e esclarecer os loucos que penetrem as Câmaras de Retificação, onde identifiquei, espiritualmente, teus serviços, à noite passada. Trabalha, meu filho, fazendo o bem. Em todas as nossas colônias espirituais, como nas esferas do globo, vivem almas inquietas, ansiosas de novidades e distração. Sempre que possas, porém,
olvida o entretenimento e busca o serviço útil. Assim como eu, indigente como sou, posso ver, em espírito, teus esforços em "Nosso Lar" e seguir as mágoas de teu pai nas zonas umbralinas, Deus nos vê e acompanha a todos, desde o mais lúcido embaixador de sua bondade, aos últimos seres da Criação, muito abaixo dos vermes da Terra.
Minha mãe fez uma pausa, que desejei aproveitar para dizer alguma coisa, mas não pude. Lágrimas de emoção embargavam-me a voz. Ela endereçou-me carinhoso olhar, compreendendo a situação e continuou:
- Conhecemos, aqui, na maioria das colônias espirituais, a remuneração de serviço do bônus-hora. Nossa base de compensação une dois fatores essenciais. O bônus representa a possibilidade de receber alguma coisa de nossos irmãos em luta, ou de remunerar alguém que se encontre em nossas realizações; mas o critério quanto ao valor da hora pertence exclusivamente a Deus. Na bonificação exterior pode haver muitos erros de nossa personalidade falível, considerando nossa posição de criaturas em labores de evolução, como acontece na Terra; mas, no concernente ao conteúdo espiritual da hora, há correspondência direta entre o Servidor e as Forças Divinas da Criação. É por isso, André, que nossas atividades experimentais, no progresso comum, a partir da esfera carnal, sofrem contínuas modificações todos os dias.
Tabelas, quadros, pagamentos, são modalidades de experimentação dos administradores, a que o Senhor concedeu a oportunidade de cooperar nas Obras Divinas da Vida, assim como concede à criatura o privilégio de ser pai ou mãe, por algum tempo, na Terra e noutros mundos. Todo administrador sincero é cioso dos serviços que lhe competem; todo pai consciente está cheio de amor desvelado. Deus também, meu filho, é Administrador vigilante e Pai devotadíssimo. A ninguém esquece e reserva-se o direito de entenderse com o trabalhador, quanto ao verdadeiro proveito no tempo de serviço.
Toda compensação exterior afeta a personalidade em experiência; mas, todo valor de tempo interessa à personalidade eterna, aquela que permanecerá sempre em nossos círculos de vida, em marcha para a glória de Deus. É por essa razão que o Altíssimo concede sabedoria ao que gasta tempo em aprender e dá mais vida e mais alegria aos que sabem renunciar!...
Minha mãe calou-se enquanto eu enxugava os olhos. Foi então que ela me tomou nos braços, acariciando-me desveladamente. Qual o menino que adormece após a lição, perdi a consciência de mim mesmo, para despertar mais tarde nas Câmaras de Retificação, experimentando vigorosas sensações de alegria.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 10 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



10 - PRECIOSA CONVERSAÇÃO


Blandina, que parecia bastante versada nas questões da infância, associando-se à conversação que Clarêncio desenvolvia, considerou, com interesse:
– Efetivamente, a Lei é invariável, contudo, a criança desencarnada muitas vezes é problema aflitivo. Quase sempre dispõe de afeiçoados que a seguem, de perto, amparando-lhe o destino, entretanto tenho observado milhares de meninos que, pela natureza das provações em que se envolveram, sofrem muitíssimo, à espera de oportunidades favoráveis para a aquisição dos valores de que necessitam.
E sorrindo, bondosa, acrescentou:
– O caso de Júlio não é para mim dos mais dolorosos. Tenho visitado departamentos de reajuste em que se demoram irmãos nossos, arrancados à carne, violentamente, como frutos verdes da árvore em que se desenvolvem... Processos de mente enfermiça
que só abençoadas estações regenerativas na carne conseguem curar...
Poderíamos receber de sua experiência alguns exemplos objetivos?
– indagou Hilário, curioso.
– Ah! são muitos!... – ponderou a nossa interlocutora, gentil – temos para demonstração mais prática os absurdos da megalomania intelectual. Há pessoas, na Terra, que não se acautelam contra os desvarios da inteligência e fazem da astúcia e da vaidade o clima em que respiram. Insistem na inércia do coração, abominam
o sentimento elevado que interpretam por pieguismo e transformam a cabeça num laboratório de perversão dos valores da vida.
Não cuidam senão dos próprios interesses, não amam senão a si mesmos. Não percebem, contudo, que se ressecam interiormente e nem imaginam os resultados cruéis da cerebração para o mal.
Freqüentemente, na luta mundana, avultam na condição de dominadores poderosos, com vastíssimo potencial de influência sobre amigos e adversários, conhecidos e desconhecidos. Mas, esse êxito é ilusório. Caem sob o guante da morte com grande alívio dos contemporâneos e passam a receber-lhes as vibrações de repulsa. Semelhantes criaturas naturalmente são vítimas de si mesmas e sofrem os mais complicados desequilíbrios mentais.
Depois de períodos mais ou menos longos de purgação, após a transição da morte, voltam à carne, necessitados de silêncio e solidão para se desvencilharem dos envoltórios inferiores em que se enredaram, assim como a semente precisa do isolamento na cova escura para desintegrar os elementos pesados que a constringem,
para novo desabrochar.
A moça esboçou inteligente sorriso e continuou:
– Imaginemos que a terra se recusasse a auxiliar as sementes que esperam reviver. O solo expulsá-las-ia e, em vez dos germens libertados para a vitória da plantação, teríamos tão somente pevides secas, em aflitiva inquietude, desorientando a lavoura. Em verdade, a maioria das mães é constituída por sublime falange de almas nas mais belas experiências de amor e sacrifício, carinho e renúncia, dispostas a sofrer e a morrer pelo bem-estar dos rebentos que a Providência Divina lhes confiou às mãos ternas e devotadas; contudo, há mulheres cujo coração ainda se encontra em plena sombra. Mais fêmeas que mães, jazem obcecadas pela idéia do prazer e da posse e, despreocupando-se dos filhinhos, lhes favorecem a morte.
O infanticídio inconsciente e indireto é largamente praticado no mundo. E como o débito reclama resgate, as delongas na solução dos compromissos assumidos acarretam enormes padecimentos nas criaturas que se submetem aos choques biológicos da reencarnação e vêem prejudicadas as suas esperanças de quitação com a Lei.
Ante a pausa que se fizera natural, Inquiri:
– Mas a Lei não traçará princípios inamovíveis? Pretenderá a irmã dizer que uma criança pode desencarnar, fora do dia indicado para a sua libertação?
– Sim, sem dúvida – atalhou o Ministro, que nos escutava, há um programa estruturado na Espiritualidade para as nossas tarefas humanas; entretanto, pertence-nos a condução dos próprios impulsos dentro delas. Em regra geral, multidões de criaturas
cedo se afastam do veículo carnal, atendendo a serviços de socorro e sublimação, mas, em numerosas circunstâncias a negligência e a irreflexão dos pais são responsáveis pelo fracasso dos filhinhos.
– Aqui – explicou Blandina, delicada – recebemos muitas solicitações de assistência, a benefício de pequeninos ameaçados de frustração. Temos irmãs que por nutrirem pensamentos infelizes envenenam o leite materno, comprometendo a estabilidade orgânica dos recém-natos. Vemos casais que, através de rixas incessantes,
projetam raios magnéticos de natureza mortal sobre os filhinhos tenros, arruinando-lhes a saúde, e encontramos mulheres invigilantes que confiam o lar a pessoas ainda animalizadas, que, à cata de satisfações doentias, não se envergonham de ministrar hipnóticos a entezinhos frágeis, que reclamam desvelado carinho.
Em algumas ocasiões, conseguimos restabelecer a harmonia, com a recuperação desejável; no entanto, muitas vezes somos constrangidas a assistir ao malogro de nossos melhores propósitos.
– Nesses casos... – interferi, buscando maiores esclarecimentos.
Blandina, porém, percebendo-me a indagação íntima, adiantou:
– Nesses casos, ainda e sempre, a Lei é invariável. As provas e tarefas sofrem dilação no tempo, mas serão cumpridas, afinal.
Aquilo que não se realiza num século, pode efetuar-se em outro.
Nossa boa vontade e nossa aplicação aos Desígnios Divinos podem abreviar qualquer espécie de serviço. Quem persiste na direção do bem, mais cedo atinge a vitória.
E com o formoso sorriso que lhe bailava no semblante juvenil, acrescentou:
– Não vale fugir às responsabilidades, porque o tempo é inflexível e porque o trabalho que nos compete não será transferido a ninguém.
Hilário, que acompanhava a conversação com extremo interesse, considerou:
– Antigamente, na Terra, conforme a teologia clássica, supúnhamos que os inocentes, depois da morte, permaneciam recolhidos ao descanso do limbo, sem a glória do Céu e sem o tormento do inferno, e, nos últimos tempos, com as novas concepções do
Espiritualismo, acreditávamos que o menino desencarnado retomasse, de imediato, a sua personalidade de adulto...
– Em muitas situações, é o que acontece – esclareceu Blandina, afetuosa; quando o Espírito já alcançou elevada classe evolutiva, assumindo o comando mental de si mesmo, adquire o poder de facilmente desprender-se das imposições da forma,
superando as dificuldades da desencarnação prematura. Conhecemos grandes almas que renasceram na Terra por brevíssimo prazo, simplesmente com o objetivo de acordar corações queridos para a aquisição de valores morais, recobrando, logo após o serviço
levado a efeito, a respectiva apresentação que lhes era costumeira.
Contudo, para a grande maioria das crianças que desencarnam, o caminho não é o mesmo. Almas ainda encarceradas no automatismo inconsciente, acham-se relativamente longe do autogoverno.
Jazem conduzidas pela Natureza, à maneira das Criancinhas no colo maternal. Não sabem desatar os laços que as aprisionam aos rígidos princípios que orientam o mundo das formas e, por isso, exigem tempo para se renovarem no justo desenvolvimento.
É por esse motivo que não podemos prescindir dos períodos de recuperação para quem se afasta do veículo físico, na fase infantil, de vez que, depois do conflito biológico da reencarnação ou da desencarnação, para quantos se acham nos Primeiros degraus da conquista de poder mental, o tempo deve funcionar como elemento indispensável de restauração. E a variação desse tempo dependerá da aplicação pessoal do aprendiz à aquisição de luz interior, através do próprio aperfeiçoamento moral.
Encantávamos as exposições claras e simples de nossa interlocutora, cuja palavra tangia com tanta felicidade graves problemas da vida.
Em suas fórmulas verbais singelas e acessíveis, penetrávamos inquietantes enigmas da puericultura.
Blandina sabia associar a compreensão e a graça, instruindonos com discernimento.
Comovido, diante das anotações que lhe definiam a valiosa posição cultural, Ponderei:
Usando semelhantes apontamentos, podemos entender com mais segurança, os processos dolorosos das enfermidades congênitas e das moléstias insidiosas que assaltam a meninice no mundo.
Sempre fui possuído de aflitivo assombro, à frente do mongolismo e da epilepsia, da encefalite letárgica e da meningite, da lepra e do câncer, na tenra organização infantil.
E que dizer dos desastres irremediáveis – considerou Hilário, com emoção –, dos desastres que arrebatam adoráveis flores do lar, deixando inconsoláveis pais e mães? Por vezes numerosas, procurei resposta às terríveis inquirições que nos atormentam,
perante corpinhos dilacerados, nos hospitais de sangue, sem conseguir ausentar-me do escuro labirinto.
Sim – esclareceu a enfermeira, bondosa –, as reparações nos martirizam na carne, mas, sem elas, não atingiríamos o próprio reajustamento.
Cada qual de nós renasce na Terra – apreciou o Ministro – a exprimir na matéria densa o patrimônio de bens ou males que incorporamos aos tecidos sutis da alma. A patogenia, na essência, envolve estudos que remontam ao corpo espiritual, para que não seja um quadro de conclusões falhas ou de todo irreais. Voltando à Terra, atraímos os acontecimentos agradáveis ou desagradáveis, segundo os títulos de trabalho que já conquistamos ou conforme as nossas necessidades de redenção.
Bem humorado, acentuou:
A carne, de certo modo, em muitas circunstâncias não é apenas um vaso divino para o crescimento de nossas potencialidades, mas também uma espécie de carvão milagroso, absorvendonos os tóxicos e resíduos de sombra que trazemos no corpo substancial.
Reparei, então, com mais insistência, a figura suave de Blandina.
Porque se dedicara ela, assim, a trabalhos tão complexos?
Não seria mais justo ouvir aquela conversação dos lábios da simpática Mariana, que ali se achava, junto de nós, em sua posição de matrona respeitável?
Externei os meus pensamentos, perguntando, com discrição, à jovem o porquê da grave tarefa de que se incumbia.
Blandina apagou a luz do sorriso que lhe adornava o semblante, como flor aberta que se fechasse, de súbito.
Pesado silêncio pairou no recinto.
Mas, generosa e simples, adoçou a expressão fisionômica e falou, quase conselheiral:
Fui casada em minha última existência e somente há três anos terrestres me vejo, de novo, na vida espiritual. Não pude acariciar um filhinho, em meus sonhos recentes de mulher, mas hoje sei que preciso reeducar-me no amor de mãe, consoante os débitos que contraí no passado. Realmente, sinto grande afeição pelas crianças, Contudo, tenho igualmente enormes dívidas morais para com elas...
O assunto descambava para um círculo particular, que devia ser sagrado aos nossos olhos.
Por isso mesmo, Clarêncio fez mudo sinal para mim e a conversação foi canalizada para outro rumo.

terça-feira, 18 de maio de 2010

ESTUDO DO LIVRO LIBERTAÇÃO - INTRODUÇÃO - JULIANA SOLARE



ANTE AS PORTAS LIVRES

Ante as portas livres de acesso ao trabalho cristão e ao conhecimento salutar que André Luiz vai desvelando, recordamos prazerosamente a antiga lenda egípcia do peixinho vermelho.
No centro de formoso jardim, havia grande lago, adornado de ladrilhos azul-turquesa.
Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita.
Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comunidade de peixes, a se refestelarem, nédios e satisfeitos, em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de rei, e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a preguiça.
Junto deles, porém, havia um peixinho vermelho, menosprezado de todos.
Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos.
Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.
O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela canícula ou atormentado de fome.
Não encontrando pouso no vastíssimo domicilio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse.
Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniria maior massa de lama por ocasião de aguaceiros.
Depois de muito tempo, à custa de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro.
A frente da imprevista oportunidade de aventura benéfica, refletiu consigo:
— “Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?”
Optou pela mudança.
Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima.
Pronunciando votos renovadores, avançou, otimista, pelo rego d’água, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu, embriagado de esperança ...
Em breve, alcançou grande rio e fêz inúmeros conhecimentos.
Encontrou peixes de muitas famílias diferentes, que com ele simpatizaram, Instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhe mais fácil roteiro.
Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo.
Habituado com o pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e a agilidade naturais.
Conseguiu, desse modo, atingir o oceano, ébrio de novidade e sedento de estudo.
De Inicio, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia para quem toda a água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária.
Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos Peixes, rogando proteção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes marinhas.
O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpáticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações.
Plenamente transformado em suas concepções do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.
Vivia, agora, sorridente e calmo, no Palácio de Coral que elegera, com centenas de amigos, para residência ditosa, quando, ao se referir ao seu começo laborioso, veio a saber que sòmente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia, de vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano.
O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e salvação deles.
Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? não seria nobre ampará-los, prestando-lhes a tempo valiosas informações? Não hesitou.
Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no Palácio de Coral, empreendeu comprida viagem de volta.
Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.
Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros.
Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supôs que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia.
Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por flores de lótus, de onde saiam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis.
Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porqüanto ninguém, ali, havia dado pela ausência dele.
Ridicullzado, procurou, então, o rei de guelras enormes e comunicou-lhe a reveladora aventura.
O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.
O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que havia outro mundo liquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma insignificância que podia desaparecer, de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente.
Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqüalos. Deu notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades praieiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao Palácio de Coral, onde viveriam todos, prósperos e tranquilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente seu preço. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessário à venturosa jornada.
Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção.
Ninguém acreditou nele.
Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram, solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossível, que aquela história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos Peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.
O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele até à grade de escoamento e, tentando, de longe, a travessia, exclamou, borbulhante:
— “Não vês que não cabe aqui nem uma só de minhas barbatanas? Grande tolo! vai-te daqui! não nos perturbes o bem-estar... Nosso lago é o centro do Universo... Ninguém possui vida igual à nossa! ...
Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, no Palácio de Coral, aguardando o tempo.
Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devas tadora seca.
As águas desceram de nivel. E o poço onde viviam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a perecer, atolada na lama...
O esforço de André Luis, buscando acender luz nas trevas, é semelhante à missão do peixinho vermelho.
Encantado com as descobertas do caminho infinito, realizadas depois de muitos conflitos no sofrimento, volve aos recôncavos da Crosta Terrestre, anunciando aos antigos companheiros que, além dos cubículos em que se movimentam, resplandece outra vida, mais intensa e mais bela, exigindo, porém, acurado aprimoramento individual para a travessia da estreita passagem de acesso às claridades da sublimação.
Fala, informa, prepara, esclarece ...
Há, contudo, muitos peixes humanos que sorriem e passam, entre a mordacidade e a Indiferença, procurando locas passageiras ou pleiteando larvas temporárias.
Esperam um paraíso gratuito com milagrosos deslumbramentos depois da morte do corpo.
Mas, sem André Luiz e sem nós, humildes servidores de boa vontade, para todos os caminheiros da vida humana pronunciou o Pastor Divino as indeléveis palavras: — “A cada um será dado de acordo com as suas obras.”

EMMANUEL

Pedro Leopoldo, 22 de fevereiro de 1949.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 35 - JULIANA SOLARE



ENCONTRO SINGULAR

Guardavam-se petrechos da excursão e recolhiam-se animais de serviço, quando a voz de alguém se fez ouvir carinhosamente, a meu lado:
- André! você aqui? Muito bem! Que agradável surpresa!...
Voltei-me surpreendido e reconheci, no Samaritano que assim falava, o velho Silveira, pessoa de meu conhecimento, a quem meu pai, como negociante inflexível, despojara, um dia, de todos os bens.
Justo acanhamento dominou-me, então. Quis cumprimentá-lo, corresponder ao gesto afetuoso, mas a lembrança do passado paralisava-me de súbito. Não podia fingir naquele ambiente novo, onde a sinceridade transparecia de todos os semblantes. Foi o próprio Silveira que, compreendendo a situação, veio em meu socorro, acrescentando:
- Francamente, ignorava que você tivesse deixado o corpo e estava longe de pensar que o encontraria em "Nosso Lar".
Identificando-lhe a amabilidade espontânea, abracei-o comovido, murmurando palavras de reconhecimento.
Quis ensaiar algumas explicações relativamente ao passado, mas não o consegui. No fundo, eu desejava pedir desculpas pelo procedimento de meu pai, levando-o ao extremo de uma falência desastrosa. Naquele instante, eu revia mentalmente o clichê do pretérito. A memória exibia, de novo, o quadro vivo. Parecia-me ouvir ainda a senhora Silveira, quando foi a nossa casa, suplicante, esclarecer a situação. O marido estava acamado, havia muito, agravando-se-lhes a penúria com a enfermidade de dois filhinhos. As necessidades não eram reduzidas e os tratamentos exigiam soma considerável. A pobrezinha chorava, levando o lenço aos olhos. Pedia mora, implorava concessões justas. Humilhava-se, dirigindo olhares doridos à minha mãe, como a rogar entendimento e socorro no coração de outra mulher. Recordei que minha mãe intercedeu, atenciosa, e pediu a meu pai esquecesse os documentos assinados, abstendo-se de qualquer ação judicial. Meu genitor, porém, habituado a transações de vulto e favorecido pela sorte, não podia compreender a condição do retalhista. Manteve-se irredutível. Declarou que lamentava as ocorrências, que ajudaria o cliente e amigo, de outro modo, frisando, porém, que, no tocante aos débitos
reconhecidos, não via outra alternativa que a de cumprir religiosamente os
dispositivos legais. Não podia, afirmava, quebrar as normas e precedentes do seu estabelecimento comercial. As promissórias teriam efeito legal. E consolava a esposa aflita, comentando a situação de outros clientes que, a seu ver, se encontravam em piores condições que o Silveira. Lembrei os olhares de simpatia que minha mãe lançou à desventurada postulante afogada em lágrimas. Meu pai guardara profunda indiferença a todas as súplicas, e, quando a pobre mulher se despediu, repreendeu minha mãe austeramente, proibindo-lhe qualquer intromissão na esfera dos negócios comerciais. A pobre família houve de arcar com a ruína financeira completa. Relembrava, perfeitamente, o instante em que o próprio piano da senhorita Silveira foi retirado da residência para satisfazer às últimas exigências do credor implacável. Queria desculpar-me e todavia não encontrava frases justas, porque, na ocasião, também encorajara meu pai a consumar o iníquo atentado; considerava minha mãe excessivamente sentimentalista e induzira-o a prosseguir na ação, até ao fim. Muito jovem ainda, a vaidade apossara-se de mim. Não queria saber se outros sofriam, não conseguia enxergar as necessidades alheias. Via, apenas, os direitos de minha casa, nada mais. E, nesse ponto, tinha sido inexorável. Inútil qualquer argumentação materna.
Derrotados na luta, os Silveiras haviam procurado recanto humilde no Interior, amargando o desastre financeiro em extrema penúria. Nunca mais tivera noticias daquela família, que, certo, nos devia odiar.
Essas reminiscências alinhavam-se-me no cérebro com a rapidez de segundos. Num momento, reconstituíra todo o passado de sombras.
E enquanto mal dissimulava o desapontamento, o Silveira, sorrindo, chamava-me à realidade:
- Tem visitado o "velho"?
Aquela pergunta, a evidenciar espontâneo carinho, aumentava o meu pejo. Esclareci que, apesar do imenso desejo, não conseguira ainda tal satisfação.
Silveira identificou-me o constrangimento e apiedando-se, talvez, do meu estado íntimo, procurou afastar-se.
Abraçou-me cavalheirescamente e voltou ao trabalho ativo.
Muito desconcertado, procurei Narcisa, ansioso de conselhos. Expuse-lhe a ocorrência, detalhando os sucessos terrenos.
Ela ouviu-me com paciência e observou carinhosamente:
- Não estranhe o fato. Vi-me, há tempos, nas mesmas condições. Já tive a felicidade de encontrar por aqui o maior número das pessoas que ofendi no mundo. Sei, hoje, que isso é uma bênção do Senhor, que nos renova a oportunidade de restabelecer a simpatia interrompida, recompondo os elos quebrados, da corrente espiritual.
E, tornando-se mais categórica no ensinamento, perguntou:
- Aproveitou, você, o belo ensejo?
- Que quer dizer? - indaguei.
- Desculpou-se com o Silveira? Olhe que é grande felicidade reconhecer os próprios erros. Já que você pode examinar-se a si mesmo com bastante luz de entendimento, identificando-se como antigo ofensor, não perca a oportunidade de se fazer amigo. Vá, meu caro, e abrace-o de outra maneira. Aproveite o momento, porque o Silveira é ocupadíssimo e talvez não se ofereça tão cedo outra oportunidade.
Notando-me a indecisão, Narcisa acrescentou:
- Não tema insucessos. Toda vez que oferecemos raciocínio e sentimento ao bem, Jesus nos concede quanto se faça necessário ao êxito.
Tome a iniciativa. Empreender ações dignas, quaisquer que sejam, representa honra legítima para a alma. Recorde o Evangelho e va buscar o tesouro da reconciliação.
Não mais vacilei. Corri ao encontro de Silveira e falei-lhe abertamente, rogando perdoasse a meu pai, e a mim, as ofensas e os erros cometidos.
- Você compreende acentuei -, nós estávamos cegos. Em tal estado, nada conseguíamos vislumbrar, senão o interesse próprio. Quando o dinheiro se alia à vaidade, Silveira, dificilmente pode o homem afastar-se do mau caminho.
Silveira, comovidíssimo, não me deixou terminar:
- Ora, André, quem haverá isento de faltas? Acaso, poderia você acreditar que vivi isento de erros? Além disso, seu pai foi meu verdadeiro instrutor. Devemos-lhe, meus filhos e eu, abençoadas lições de esforço pessoal. Sem aquela atitude enérgica que nos subtraiu as possibilidades materiais, que seria de nós no tocante ao progresso do espírito?
Renovamos, aqui, todos os velhos conceitos da vida humana. Nossos adversários não são propriamente inimigos e, sim, benfeitores. Não se entregue a lembranças tristes. Trabalhemos com o Senhor, reconhecendo o infinito da vida.
E fixando, emocionado, os meus olhos úmidos, afagou-me paternalmente e rematou:
- Não perca tempo com isso. Breve, quero ter a satisfação de visitar seu pai, junto de você.
Abracei-o, então, em silêncio, experimentando alegria nova em minhalma. Pareceu-me que, num dos escaninhos escuros do coração, se me acendera divina luz para sempre.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 9 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



9 - NO LAR DA BENÇÃO

Clarêncio movimentou a destra, indicando-nos o quadro sublime a desdobrar-se sob a nossa vista.
Doce melodia que enorme conjunto de meninos acompanhava, cantando um hino delicado de exaltação do amor materno, vibrava no ar.
Aqui e ali, sob tufos de vegetação verde-clara, muitas senhoras sustentavam lindas crianças nos braços.
– É o Lar da Bênção – informou o instrutor, satisfeito. – Nesta hora, muitas irmãs da Terra chegam em visita a filhinhos desencarnados.
Temos aqui importante colônia educativa, misto de escola de mães e domicílio dos pequeninos que regressam da esfera carnal.
O Ministro, porém, interrompeu-se, de improviso.
Nossas companheiras pareciam agora tomadas de jubilosa aflição.
Vimo-las desgarrar, de inopino, qual se fossem atraídas por forças irresistíveis, precipitando-se para os anjinhos que cantarolavam alegremente. Enquanto a que nos era menos conhecida enlaçava louro petiz, com infinito contentamento a expressar-se
em lágrimas, dona Antonina abraçou um pequeno de formoso semblante, gritando, feliz:
– Marcos! Marcos!...
– Mãezinha! Mãezinha!... – respondeu a criança, colando-se-lhe ao peito.
Clarêncio fez sinal para as irmãs vigilantes, que se responsabilizavam pelos entretenimentos no parque, como a solicitar-lhes proteção e carinho para as nossas associadas de excursão, e dissenos, em seguida:
– O pequeno Júlio não se encontra no grupo. Ainda sofre anormalidades que lhe não permitem o convívio com as crianças felizes. Acha-se no lar da irmã Blandina. Rumemos para lá.
Em poucos minutos, chegávamos diante de pequenino castelo muito alvo, em que se destacavam as ogivas azuis, coroadas de trepadeiras em flor.
Atravessamos extenso jardim, embalsamado de aroma.
Rosas opalinas, ignoradas na Terra, de mistura com outras flores, desabrochavam profusamente.
A irmã Blandina recebeu-nos sorridente, apresentando-nos uma senhora simpática que lhe fora avozinha no mundo.
Mariana, nossa nova amiga, cumprimentou-nos, bondosa.
Findas as saudações usuais, Clarêncio tocou, direto, no assunto.
Desejávamos avistar o pequeno Júlio, que havia desencarnado por afogamento.
Blandina, que em plena juvenilidade trazia nos olhos os característicos de sublime madureza de espírito, respondeu gentilmente:
– Ah! com muito prazer!
E, encaminhando-nos a iluminada peça, ornamentada de róseos enfeites, onde um menino repousava num leito muito branco, explicou, sem afetação:
– Nosso Júlio, até hoje, ainda não se refez completamente.
Ainda grita sob pesadelos inquietantes, como se estivesse a sofrer sob as águas. Chama pelo pai constantemente, apesar de parecer mais receptivo ao nosso carinho. Insiste pela volta a casa, todos os dias.
Acercamo-nos do berço largo em que descansava.
O menino lançou-nos um olhar de atormentada desconfiança, mas, contido pela ternura da irmã que o assistia, permaneceu mudo e impassível.
– Ainda não se mostrou em condições de partilhar os estudos com os outros? perguntou o Ministro, interessado.
– Não – informou a interpelada, solícita –, aliás, os nossos benfeitores Augusto e Cornélio, que nos amparam freqüentemente, são de parecer que ele não conseguirá adquirir aqui qualquer melhora real, antes da reencarnação que o aguarda. Traz a mente desorganizada por longa indisciplina.
Bem humorada, acrescentou:
– É um paciente difícil. Felizmente, dispomos da cooperação de nossa devotada Mariana, que o adotou por filho espiritual, até que retorne ao lar terrestre. Foi preciso segregá-lo neste quarto, tamanha é a gritaria a que se entrega por vezes.
– Mas não tem recebido o tratamento magnético aconselhável?
– indagou Clarêncio, atencioso.
– Diariamente recebe o auxílio necessário – esclareceu Blandina, com humildade, eu mesma sou a enfermeira. Passes e remédios não faltam.
– E a irmã conhece o caso em suas particularidades?
– Sim, conheço. Eulália tem vindo até nós. Lastimo que a mãezinha de nosso doente não esteja em condições de ampará-lo.
Creio que o concurso dela poderia insuflar-lhe novas forças.
Entretanto, com exceção da irmãzinha que se lembra dele nas orações, ninguém mais da família o ajuda.
– Mãezinha! Mãezinha L.. – clamou o pequeno, em voz rouca, erguendo-se e enlaçando Blandina, pálido e inquieto.
– Que te incomoda, meu filho?
– Dói-me a garganta... – lamentou-se o rapazinho.
A jovem benfeitora abraçou-o, osculando-lhe os cabelos, e recomendou:
– Não te aflijas. Como é que um moço de teu valor pode chorar, assim por nada? Imagina! Temos três médicos em casa. É impossível que a dor não fuja apressada.
Logo após, sentou-o numa poltrona e solicitou a colaboração de Clarêncio.
O Ministro, cuidadoso, pediu-lhe abrisse a boca e, surpreendidos, notamos que a fenda glótica, principalmente na região das cartilagens aritenóides, apresentava extensa chaga.
O orientador aplicou-lhe recursos magnéticos especiais e, em poucos instantes, Júlio voltou à tranqüilidade.
– Então? – falou Blandina, amparando-o, afetuosa – onde está agora a garganta dolorida?
E, visivelmente satisfeita, acrescentou:
– Já agradeceste ao nosso benfeitor, meu filho?
O menino, hesitante, caminhou para o Ministro, beijou-lhe a destra com respeitoso carinho e balbuciou:
– Muito agradecido.
Blandina ia dizer algo, mas Júlio correu para o seu regaço, choramingando:
– Mãezinha, tenho sono...
A abnegada jovem acolheu-o, com ternura, reconduzindo-o ao repouso.
Quando tornou à sala, Clarêncio informou que doara ao enfermo energias anestesiantes. Notara-o fatigado, resolvendo, por isso, induzi-lo ao descanso.
E, talvez porque nos percebesse o cérebro esfogueado de indagações, quanto àquela minúscula garganta ferida, depois da morte do corpo, o Ministro explicou:
– É pena. Júlio envolveu-se em compromissos graves. Desentendendo-se com alguns laços afetivos do caminho, no século passado, confiou-se a extrema revolta, aniquilando o veículo físico que lhe fora emprestado por valiosa bênção. Rendendo-se à paixão, sorveu grande quantidade de corrosivo. Salvo, a tempo, sobreviveu à intoxicação. Mas perdeu a voz, em razão das úlceras que se lhe abriram na fenda glótica. Ainda aí, não se conformando com o auxílio dos colegas que o puseram fora de perigo, alimentou a idéia de suicídio, sem recuar. Foi assim que, não obstante
enfermo, burlou a vigilância dos companheiros que o guardavam e arrojou-se a funda corrente de um rio, nela encontrando o afogamento que o separou do envoltório carnal. Na vida espiritual, sofreu muito, carregando consigo as moléstias que ele mesmo infligira à própria garganta e os pesadelos da asfixia, até que reencarnou, junto das almas com as quais se mantém associado para a regeneração do pretérito. Infelizmente, porém, encontra dificuldades naturais para recuperar-se. Lutará muito, antes de incorporar-se a novo patrimônio físico.
Registrávamos aqueles apontamentos com dolorosa admiração.
Uma criança doente é sempre um espetáculo comovedor.
Não nos atrevíamos a manifestar nossos pensamentos de estranheza, todavia, o prestimoso amigo, assinalando-nos decerto as dúvidas, acentuou:
– Há poucos instantes, comentávamos a sublimidade da Lei.
Ninguém pode trair-lhe os princípios. A Bondade Divina nos assiste, de múltiplas maneiras, amparando-nos o reajustamento, mas em todos os lugares viveremos jungidos às conseqüências dos próprios atos, de vez que somos herdeiros de nossas próprias
obras.
O assunto constituía preciosa sugestão para interessantes estudos, mas, antes de enunciar qualquer pergunta, busquei aspirar, a longos haustos, as baforadas frescas de vento, que carreavam para o recinto vagas sucessivas de agradável perfume.

domingo, 9 de maio de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 12 ÍTENS 7 e 8 - MARIA J. CAMPOS




FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

AMAI AOS VOSSOS INIMIGOS

Se alguém vos bater na face direita,
apresentai-lhe também a outra


1. A lei de Moisés estimula os homens ao perdão?
Não. Sua lei, destinada a espíritos ainda atrasados e endurecidos, estimulava a vingança, com o célebre preceito: “olho por olho e dente por dente.”

“Moisés (...) dava ao ofendido o direito de tirar desforra, pessoalmente e na proporção da a ofensa recebida.”

2. Que novos ensinamentos trouxe Jesus à Humanidade?
Ele nos ensinou, com seu próprio exemplo, a mansidão, a generosidade, a tolerância, a paciência e o perdão.

“Se alguém vos bater na face direita, apresentai-lhe também a outra.”
“Se alguém vos quiser tomar a túnica, também entregueis o manto.”

3. Como, usualmente, agem as pessoas em nossos dias, quando recebem uma ofensa?
Com espírito de vingança, retribuindo uma injuria com outra, uma ofensa com outra, acreditando que, agindo assim, procedem com justiça.

A justiça de Deus dispensa o nosso concurso; pela lei do retorno, o malfeitor terá contra si os efeitos do mal que praticou.

4. Por que, ao orgulhoso, o preceito de Jesus parece covardia?
Porque, como sua visão não ultrapassa o presente, acredita que há mais coragem em vingar-se do que em suportar um insulto.

A fé na vida futura aplaca o orgulho e a vaidade, tornando menos difícil praticar o preceito cristão de retribuir o mal com o bem.
“Somente a fé na vida futura a na justiça de Deus (...) pode dar ao homem forças para suportar com paciência os golpes que lhe sejam desferidos nos interesses e no amor próprio”.


5. Devemos seguir ao pé da letra este preceito, não resistindo nem nos defendendo do mal que nos queiram fazer?
Certamente que não, pois, como se sabe, Jesus costumava falar em linguagem figurada. Ademais, se assim fosse, Deus não nos teria dotado de instinto de conservação, que nos leva a evitar os perigos e a nos proteger das agressões.

Se deixássemos o campo livre para os maus, bem depressa todos os bons seriam suas vítimas.

6. Qual, então, o verdadeiro sentido deste ensinamento?
Jesus quis, com estas palavras, condenar todas as formas de vingança, ensinando-nos a pagar o mal com o bem.

Maior glória lhe advém de ser ofendido do que de ofender, de suportar pacientemente uma injustiça do que de praticar alguma.

7. Como podemos obter forças para praticar o perdão, ensinado por Jesus?
Buscando nos elevar sempre, pelo pensamento, acima da vida material, pois só assim sofremos menos pelo mal que praticarem contra nós e, com mais facilidade, perdoaremos.

O estudo do Evangelho de Jesus e a prece nos auxiliam a encontrar a força necessária para a prática sublime de retribuir o mal com o bem.

Conclusão:

Oferecer a outra face é não revidar as ofensas recebidas; é libertar, tanto o agressor quanto nós mesmos, do desejo de vingança.
Quanto maior for nossa fé na vida futura, mais nos elevaremos, pelo pensamento, acima das coisas materiais, e menos nos magoarão as coisas da Terra.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 34 - JULIANA SOLARE



COM OS RECÉM-CHEGADOS DO UMBRAL


Estacaram as matilhas de cães ao nosso lado, conduzidas por trabalhadores de pulso firme.
Daí a minutos, estávamos todos enfrentando os enormes corredores de ingresso às Câmaras de Retificação. Servidores movimentavam-se apressados. Alguns doentes eram levados ao interior, sob amparo forte. Não somente Narcisa, Salústio e outros companheiros se lançavam à lide, cheios de amor fraternal, mas também os Samaritanos mobilizavam todas as energias no afã de socorrer. Alguns enfermos portavam-se com humildade e resignação; outros, todavia, reclamavam em altas vozes.
Atacando igualmente o serviço, notei que uma velhota procurava descer do último carro, com muita dificuldade. Observando-me perto, exclamou, espantada:
- Tenha piedade, meu filho! Ajude-me por amor de Deus!...
Aproximei-me com interesse.
- Cruzes! Credo! - continuou benzendo-se - graças à Providência Divina, afastei-me do purgatório...
Ah! que malditos demônios lá me torturavam! Que inferno! Mas os Anjos do Senhor sempre chegaram.
Ajudei-a a descer, tomado de extrema curiosidade. Pela primeira vez, ouvia referências ao inferno e ao purgatório, partidas de uma boca que me parecia calma e ajuizada. Talvez obedecendo mais à malícia que me era peculiar, interroguei:
- Vem, assim, de tão longe?
Falando desse modo, afetei ares de profundo interesse fraternal, como costumava fazer na Terra, olvidando por completo, naquele instante, as sábias recomendações da mãe de Lísias. A pobre criatura, percebendo o meu interesse, começou a explicar-se:
- De grande distância. Fui, na Terra, meu filho, mulher de muito bons costumes; fiz muita caridade, rezei incessantemente como sincera devota.
Mas, quem pode com as artes de Satanás? Ao sair do mundo, vi-me cercada de seres monstruosos, que me arrebataram em verdadeiro torvelinho. A princípio implorei a proteção dos Arcanjos Celestes. Os espíritos diabólicos, entretanto, conservaram-me enclausurada. Mas eu não perdia a esperança de ser libertada, de um momento para outro, porque deixei uns dinheiros para celebração de missas mensais por meu descanso.
Atendendo ao impulso vicioso de perseguir assuntos que nada tinham que ver comigo, insisti:
- Como são interessantes as suas observações! Mas não procurou saber as razões de sua demora naquelas paragens?
- Absolutamente não - respondeu, persignando-se. Como lhe disse, enquanto estive na Terra, fiz o possível por ser uma boa religiosa. Sabe o senhor que ninguém está livre de pecar. Meus escravos provocavam rixas e contendas, e embora a fortuna me proporcio nasse vida calma, de quando em quando era necessário aplicar disciplinas.
Os leitores eram excessivamente escrupulosos e eu não podia hesitar nas ordens de cada dia. Não raro algum negro morria no tronco para escarmento geral; outras vezes, era obrigada a vender as mães cativas, separando-as dos filhos, por questões de harmonia doméstica. Nessas ocasiões, sentia morder-me a consciência, mas confessava-me todos os meses, quando o padre Amâncio visitava a fazenda e, depois da comunhão, estava livre dessas faltas veniais, porque, recebendo a absolvição no confessionário e ingerindo a sagrada partícula, estava novamente em dia com todos os meus deveres para com o mundo e com Deus.
A essa altura, escandalizado com a exposição, comecei a doutrinar:
- Minha irmã, essa razão de paz espiritual era falsa. Os escravos eram igualmente nossos irmãos. Perante o Pai Eterno, os filhinhos dos servos são iguais aos dos senhores.
Ouvindo-me, ela bateu o pé autoritariamente e falou, irritada:
- Isso é que não! Escravo é escravo. Se assim não fora, a religião nos ensinaria o contrário. Pois se havia cativos em casa de bispos, quanto mais em nossas fazendas? Quem haveria de plantar a terra, senão eles? E creia que sempre lhes concedi minhas senzalas como verdadeira honra!... Em minha fazenda nunca vieram ao terreiro das visitas, senão para cumprir minhas ordens. Padre Amâncio, nosso virtuoso sacerdote, disse-me na confissão que os africanos são os piores entes do mundo, nascidos
exclusivamente para servirem a Deus no cativeiro. Pensa, então, que me poderia encher de escrúpulos no trato com essa espécie de criaturas? Não tenha dúvida; os escravos são seres perversos, filhos de Satã! Chego a admirar-me da paciência com que tolerei essa gente na Terra. E devo declarar que saí quase inesperadamente do
corpo, por me haver chocado a determinação da Princesa, libertando esses bandidos. Decorreram muitos anos, mas lembro-me perfeitamente. Achavame adoentada, havia muitos dias, e quando padre Amâncio trouxe a nova da cidade, piorei de súbito. Como poderíamos ficar no mundo, vendo esses criminosos em liberdade? Certo, eles desejariam escravizar-nos por sua vez, e a servir a gente dessa laia, não seria melhor morrer? Recordo que me confessei com dificuldade, recebi as palavras de conforto do nosso sacerdote, mas parece que os demônios são também africanos e viviam à espreita, sendo eu obrigada a sofrer-lhes a presença até hoje...
- E quando veio? - perguntei.
- Em maio de 1888.
Experimentei estranha sensação de espanto.
A interlocutora fixou o olhar embaciado no horizonte e falou:
- É possível que meus sobrinhos tenham esquecido de pagar as missas; entretanto, deixei a disposição em testamento.
Ia responder, convocando-lhe os raciocínios à zona superior, fornecendo-lhe idéias novas de fraternidade e fé, mas Narcisa aproximou-se e disse-me, bondosa:
- André, meu amigo, você esqueceu que estamos providenciando alívio a doentes e perturbados? Que proveito lhe advém de semelhantes informações? Os dementes falam de maneira incessante, e quem os ouve, gastando interesse espiritual, pode não estar menos louco.
Aquelas palavras foram ditas com tanta bondade que corei de vergonha, sem coragem de a elas responder.
- Não se impressione - exclamou a enfermeira delicadamente, atendamos aos irmãos perturbados.
- Mas, a senhora é de opinião que estou nesse número? - perguntou a velhota, melindrada.
Narcisa, porém, demonstrando suas excelentes qualidades de psicóloga, tomou expressão de fraternidade carinhosa e exclamou:
- Não, minha amiga, não digo isso; creio, porém, que deve estar muito cansada; seu esforço purgatorial foi muito longo...
- Justamente, justamente - esclareceu a recém-chegada do Umbral, não imagina o que tenho sofrido, torturada pelos demônios...
A pobre criatura ia continuar repetindo a mesma história, mas Narcisa, ensinando-me como proceder em tais circunstâncias, atalhou:
- Não comente o mal. Já sei tudo que lhe ocorreu de amargo e doloroso. Descanse, pensando que vou atendê-la.
E, no mesmo instante, dirigiu-se a um dos auxiliares, sem afetação:
- Você, Zenóbio, vá ao departamento feminino e chame Nemésia, em meu nome, para que conduza mais uma irmã aos leitos de tratamento.

domingo, 2 de maio de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 12 ÍTENS 5 e 6 - MARIA J. CAMPOS




FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

AMAI AOS VOSSOS INIMIGOS

Os Inimigos Desencarnados

1. Há criaturas destinadas, definitivamente, ao mal?
Não. Toda maldade é passageira. Portanto, chegará o momento em que a criatura má reconhecerá seus erros e retomará o caminho do bem.

“(...) a maldade não é um estado permanente dos homens; ela decorre de uma imperfeição temporária.”

2. A morte de um inimigo nos livra de sua presença?
Livra-nos apenas de sua presença material, pois, mesmo desencarnado, ele pode continuar a nos perseguir com seu ódio.

Assim como o "Amor " une os espíritos, também o ódio os mantêm ligados, mesmo após a morte.

3. Qual a real conseqüência da vingança?
Ligar ainda mais o algoz à vítima, pelos laços do ódio, até que se ajustem pela lei de Deus, que é de perdão e fraternidade.

A vingança fortalece o ódio, perpetuando uma inimizade por várias encarnações.
Extinguir o ódio derramando o sangue do inimigo é radicalmente falso, pois o sangue alimenta o ódio, mesmo no além túmulo.

4. Como devemos agir para evitar que malquerenças e inimizades perdurem depois da morte?
Observando o preceito de Jesus, de amar os inimigos, procedendo para com eles com a mesma retidão que gostaríamos fosse usada para conosco.

“Não há coração tão perverso que (...) não se mostre sensível ao bom proceder.”
Mediante o bom procedimento pode-se fazer de um inimigo um amigo, antes e depois de sua morte.


5. Que conseqüência nos traz alimentar o ódio contra o nosso inimigo?
O ódio que nutrimos pelo nosso inimigo provoca neste um sentimento de igual intensidade contra nós, constituindo-se em instrumento de que Deus se utiliza para esclarecer aquele que não perdoou.

Devemos nos reconciliar o mais cedo possível com o nosso adversário, para que as discórdias não se perpetuem em existências futuras.

6. Como se manifesta a ação dos inimigos desencarnados?
Atuam em nossa mente, aproveitando-se de nossas fraquezas e possibilitando diversos tipos de obsessão e subjugação.

O obssediado e o possesso são quase sempre vitimas de uma vingança, cujo motivo se encontra em existência anterior, em razão de seu mau proceder. Essa é a causa da maioria dos sofrimentos que o homem experimenta.

7. Como libertar-se da ação nociva dos inimigos desencarnados?
Pela reforma íntima, á luz do Evangelho de Jesus, e através da prática do perdão e da caridade, em sua mais ampla acepção.

O Evangelho é abençoada escola de regeneração para todas as nossas faltas. Essas atitudes, além de impedi-los de praticar o mal contra nós, os reconduzem ao caminho do bem.

Conclusão:

O ódio transpõe o túmulo. O inimigo desencarnado, portanto, é alguém que ofendemos em vidas passadas e que hoje nos alcança para o necessário reajuste. No preceito de Jesus Amai os vossos inimigos, encontramos o caminho para a reconciliação com o adversário.