quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ESTUDO DO LIVRO VIDA E SEXO - FACILITADORAS JULIANA SOLARE E MARIA J. SANCHES



Capítulo 5 - Energia Sexual

Pergunta – É a mesma a força que une os elementos da matéria nos corpos orgânicos e nos inorgânicos?

Resposta - Sim, a lei de atração é a mesma para todos, Item nº 60, de "O livro
dos Espíritos".

A energia sexual, como recurso da lei de atração, na perpetuidade do Universo, é inerente à própria vida, gerando cargas magnéticas em todos os seres, à face das potencialidades criativas de que se reveste. Nos seres primitivos, situados nos primeiros degraus da emoção e do raciocínio, e, ainda, em todas as criaturas que se demoram voluntariamente no nível dos brutos, a descarga de semelhante energia se
opera inconsideradamente. Isso, porém, lhes custa resultados angustiosos a lhes
lastrearem longo tempo de fixação em existências menos felizes, nas quais a vida, muito a pouco e pouco, ensina a cada um que ninguém abusa de alguém sem carrear prejuízo a si mesmo. À medida que a individualidade evolui, no entanto, passa a compreender que a energia sexual envolve o impositivo de discernimento e responsabilidade em sua aplicação, e que, por isso mesmo, deve estar controlada por valores morais que lhe garantam o emprego digno, seja na criação de formas físicas, asseguradora da família, ou na criação de obras beneméritas da sensibilidade e da cultura para a reprodução e extensão do progresso e da experiência, da beleza e do amor, na evolução e burilamento da vida no Planeta. Através da poligamia, o espírito assinala a si próprio longa marcha em existências e mais existências sucessivas de reparação e aprendizagem, em cujo transcurso adquire a necessária disciplina do seu mundo emotivo. Fatigado de experimentos dolorosos, nos quais recolhe o fruto amargo da delinqüência ou do desespero que haja estabelecido nos outros, reconhece na monogamia o caminho certo de suas manifestações afetivas. Atento a isso, identifica na criatura que se lhe afina com os propósitos e aspirações o parceiro ou a parceira ideais para a comunhão sexual, suscetível de lhe granjear o preciso equilíbrio e capaz de lhe revitalizar as forças com que se põe no encalço do trabalho imprescindível à própria evolução. Em nenhum caso, ser-nos-á lícito subestimar a importância da energia sexual que, na essência, verte da Criação Divina para a constituição e sustentação de todas as criaturas. Com ela e por ela é que todas as civilizações da Terra se levantaram, legando ao homem preciosa herança na viagem para a sublimação definitiva, entendendo-se, porém, que criatura alguma, no plano da razão, se utilizará dela, nas relações com outra criatura, sem conseqüências
felizes ou infelizes, construtivas ou destrutivas, conforme a orientação que se lhe der.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

ESTUDO DO LIVRO LIBERTAÇÃO - CAPÍTULO 7 - JULIANA SOLARE



Quadro Doloroso

De manhã, um emissário do sacerdote Gregório, com semblante mal humorado, veio notificar-nos, em nome dele, que dispúnhamos de liberdade até as primeiras horas da tarde, quando nos receberia para entendimento particular.
Ausentamo-nos do cubículo, sinceramente desafogados.
A noite fora simplesmente aflitiva, pelo menos para mim que não conseguira qualquer quietação no repouso. Não sômente o ruido exterior se fizera contínuo e desagradável, mas também a atmosfera pesava, asfixiante. As alucinadoras conversações no ambiente me perturbavam e feriam.
Convidou-nos Gúbio a pequena excursão educativa, asseverando-me, bondoso:
— Vejamos, André, se poderemos aproveitar alguns minutos, estudando os “ovóides”.
Elói e eu acompanhamo-lo, satisfeitos.
Coalhava-se a rua de tipos característicos da anormalidade deprimente.
Aleijados de todos os matizes, idiotas de máscaras variadas, homens e mulheres de fisionomia torturada, iam e vinham. Ofereciam a perfeita impressão de alienados mentais. Exceção de alguns que nos fixavam de olhar suspeitoso e cruel, com manifesta expressão de maldade, a maior parte, a meu ver, situava-se entre a ignorância e o primitivismo, entre a amnésia e o desespero. Muitos demonstravam-se irritadiços ante a calma de que lhes dávamos testemunho. Perante os desmantelos e detritos a transparecerem de toda parte, conclui que o esforço coletivo se mantinha ausente de qualquer serviço metódico, junto à matéria do plano. A conversação ociosa era, ali, o traço dominante.
O Instrutor informou-nos, então, com muito acerto, de que as mentes extraviadas, de modo geral, lutam com idéias fixas, implacáveis e obcecantes, gastando longo tempo a fim de se reajustarem. Rebaixadas pelas próprias ações, perdem a noção do bom-gosto, do conforto construtivo, da beleza santificante e se entregam a lastimável relaxamento.
Com efeito, a paisagem, sob o ponto de vista de ordem, deixava muito a desejar. As edificações, excetuados os palácios da praça governativa, onde se notava a movimentação de grande massa de escravos, desapontavam pelo aspecto e condições em que se mantinham. As paredes, revestidas de substância semelhante ao lodo, mostravam-Se repelentes não só à visão, mas também ao olfato, pelas exalações desagradáveis.
A vegetação, em todos os ângulos, era escassa e mirrada.
Gritos humanos, filhos da dor e da inconsciência, eram frequentes, provocando-nos sincera piedade.
Fôssem poucos os transeuntes infelizes e poder-se-ia pensar num serviço metódico de assistência individual; mas, que dizer de uma cidade constituída por milhares de loucos declarados?
Dentro de colmeia dessa natureza, o homem sadio que tentasse impor socorro ao espírito geral não seria efetivamente o alienado mental, aos olhos alheios? Impraticável, por isso, qualquer organização beneficente visível, a não ser através de serviço arriscado qual aquele de que o nosso Instrutor se incumbira, tocado pela renúncia, na obra de santificação com o Cristo.
Além das perturbações reinantes, capazes de estabelecer a guerra de nervos nas criaturas mais equilibradas da Crosta do Mundo, pairava na atmosfera sufocante nevoeiro que mal nos deixava entrever o horizonte distanciado.
O Sol, através de espessa cortina de fumo, cuja procedência me não foi possível determinar, era visto por nós, à semelhança de uma bola de sangue afogueado.
Elói, forçando o bom humor, perguntou, a propósito, se o inferno era um hospício de proporções assim tão vastas, ao que o nosso orientador respondeu aquiescendo e informando que o homem comum não possui senão vaga ideia da importância das criações mentais na própria vida.
A mente estuda, arquiteta, determina e materializa os desejos que lhe são peculiares na matéria que a circunda, esclareceu Gúbio, atencioso, e essa matéria que lhe plasma os impulsos é sempre formada por vidas inferiores inumeráveis, em processo evolutivo, nos quadros do Universo sem fim.
Marcháramos, atravessando compridos labirintos e achamo-nos diante de extensa edificação que, com boa vontade, nomearemos por asilo de Espíritos desamparados.
Enquanto encarnado, ser-me-ia extremamente difícil acreditar numa cena igual à que se nos desdobrou à visão inquieta. Nenhum sofrimento, depois da morte do corpo, me tocara tão fundo o coração.
A gritaria, em torno, era de espantar.
Varamos lodosa muralha e, depois de avançarmos alguns passos, o pavoroso quadro se abriu dilatadamente. Largo e profundo vale se estendia, habitado por toda a espécie de padecimentos imagináveis.
Sentíamo-nos, agora, na extremidade de um planalto que se quebrava em abrupto despenhadeiro.
A frente, numa distância de dezenas de quilômetros, sucediam-se furnas e abismos, qual se nos situássemos perante imensa cratera de vulcão vivo, alimentado pela dor humana, porque, lá dentro, turbilhões de vozes explodiam, ininterruptos, parecendo estranha mistura de lamentos de homens e animais.
Tremeram-me as fibras mais íntimas, e, não só em mim, mas igualmente no espírito de Elói, o movimento era de recuo instintivo.
O orientador, no entanto, estava firme.
Longe de endossar-nos a fraqueza, ignorou-a, deliberadamente, e asseverou, calmo:
— Amontoam-se aqui, como se fôssem lenhos secos, milhares de criaturas que abusaram de sagrados dons da vida. São réus da própria consciência, personalidades que alcançaram a sobrevivência sobre as ruínas do próprio “eu”, confinados em escuro setor de alienação mental. Esgotam resíduos envenenados que acumularam na esfera íntima, através de longos anos vazios de trabalho edificante, no mundo físico, entregando-se, presentemente, a infindáveis dias de tortura redentora.
E, talvez porque nosso espanto crescesse à vista da tela aflitiva e tenebrosa, acrescentou, sereno:
— Não estamos contemplando senão a superfície de trevosos cárceres a se confundirem com os precipícios subcrostais.
— Mas não haverá recurso a tanto desamparo? — indagou Elói, compungidamente.
Gúbio refletiu alguns momentos rápidos e aduziu em tom grave:
— Quando encontramos um morto de cada vez, é fácil conceder-lhe sepultura condigna, mas, se os cadáveres são contados por multidões, nada nos resta senão adotar a vala comum. Todos os Espíritos renascem nos círculos carnais para destruírem os ídolos da mentira e da sombra e entronizarem, dentro de si mesmos, os princípios da sublimação vitoriosa para a eternidade, quando não se encontram em simples estrada evolutiva; contudo, nas demonstrações de ordem superior que lhes cabem, preferem, na maioria das ocasiões, adorar a morte na ociosidade, na ignorância agressiva ou no crime disfarçado, olvidando a gloriosa imortalidade que lhes compete atingir. Ao invés de estruturarem destino santificante, com vistas ao porvir Infinito, menosprezam oportunidades de crescimento, fogem ao aprendizado salutar e contraem débitos clamorosos, retardando a obra de elevação própria. E se eles mesmos, senhores de preciosos dons de inteligência, com todo o acervo de revelações religiosas de que dispõem para solucionar os problemas da alma, se confiam voluntàriamente a semelhante atraso, que nos resta fazer senão seguir nas linhas de paciência por onde se regula a influenciação dos nossos benfeitores? Sem dúvida, esta paisagem é inquietante e angustiosa, mas compreensível e necessária.
Perguntei-lhe se naqueles sítios purgatoriais não havia companheiros amigos, detentores da missão de consolar, ao que o nosso Instrutor respondeu afirmativamente.
— Sim — disse —, esta imensa coletividade dentro da qual preponderam individualidades que pelo sofrimento contínuo se caracterizam pelo comportamento sub-humano, não está esquecida. A renúncia opera com Jesus, em toda parte. Agora, todavia, não dispomos de ensejos para a identificação de missionários e servidores do bem. Vamos ao estudo que nos interessa de mais perto.
Descemos alguns metros e encontramos esquálida mulher estendida no solo.
Gúbio nela fixou os olhos muito lúcidos e, depois de alguns momentos, recomendou-nos seguir-lhe a observação acurada.
— Vês, realmente, André? — inquiriu, paternal.
Percebi que a infeliz se cercava de três formas ovóides, diferençadas entre si nas disposições e nas cores, que me seriam, porém, imperceptíveis aos olhos, caso não desenvolvesse, ali, todo o meu potencial de atenção.
— Reparo, sim — expliquei, curioso —, a existência de três figuras vivas, que se lhe justapõem ao perispírito, apesar de se expressarem por intermédio de matéria que me parece leve gelatina, fluida e amorfa.
Elucidou Gúbio, sem detença:
— São entidades infortunadas, entregues aos propósitos de vingança e que perderam grandes patrimônios de tempo, em virtude da revolta que lhes atormenta o ser. Gastaram o perispírito, sob inenarráveis tormentas de desesperação, e imantam-se, naturalmente, à mulher que odeiam, irmã esta que, por sua vez, ainda não descobriu que a ciência de amar é a ciência de libertar, iluminar e redimir.
Auscultamos, de mais perto, a desventurada criatura.
Assumiu Gúbio a atitude do médico ante a paciente e os aprendizes.
A mulher sofredora, envolvida num halo de “força cinzento-escura”, registrou-nos a presença e gritou, entre a aflição e a idiotia:
— Joaquim! onde está Joaquim? digam-me, por piedade! para onde o levaram? ajudem-me! ajudem-me!
O nosso orientador tranquilizou-a com algumas palavras e, não lhe conferindo maior atenção, além daquela que o psiquiatra dispensa ao enfermo em crise grave, observou-nos:
— Examinem os ovóides! sondem-nos, magneticamente, com as mãos.
Operei, expedito.
Toquei o primeiro e notei que reagia, positivamente.
Liguei, num ato de vontade, minha capacidade de ouvir ao campo íntimo da forma e, assombrado, ouvi gemidos e frases, como que longínquos, pelo fio do pensamento:
— Vingança! vingança! Não descansarei até ao fim... Esta mulher infame me pagará...
Repeti a experiência com os dois outros e os resultados foram idênticos.
As exclamações “assassina! assassina!...” transbordavam de cada um.
Após afagar a doente com fraternal carinho, analisando-a, atencioso, o Instrutor dirigiu-nos a palavra, esclarecendo:
— Joaquim será naturalmente o companheiro que a precedeu nas lides da reencarnação. Certo, já regressou à Terra mais densa, a fim de preparar-lhe lugar. A pobrezinha está esperando ensejo de retorno à luta benéfica. Vejo-lhe o drama cruel. Foi tirânica senhora de escravos no século que findou. Percebo-lhe as recordações da fazenda próspera e feliz, nos arquivos mentais. Foi jovem e bela, mas desposou, consoante o programa de provas salvadoras, um cavalheiro de idade madura, que, a seu turno, já assumira compromissos sentimentais com humilde filha do cativeiro. Embora a mudança natural de vida, à face do casamento, não abandonou ele o débito contraído. Em razão disso, a pobre mãe e escrava, ainda moça, penitente e desditosa, prosseguiu agregada à propriedade rural com os rebentos de seu amor menos feliz. Com a passagem do tempo, a esposa reqüestada e fascinante conheceu toda a extensão do assunto e revelou a irrascibilidade que lhe povoava a alma. Dirigiu-se ao marido, colérica e violenta, dobrando-o aos caprichos que lhe exacerbavam a mente. A escrava sofredora foi separada de ambos os filhos que possuía e vendida para uma região palustre onde em breve encontrou a morte pela febre maligna. Os dois rapazes, metidos no tronco, padeceram vexames e flagelações em frente da senzala. Acusados de ladrões, pelo capataz, a instâncias da senhora dominada de egoísmo terrificante, passaram a exibir pesada corrente no pescoço ferido. Viveram, no passado, sob humilhações incessantes. No curso de reduzidoS meses, caíram sem remissão, minados pela tuberculose que ninguém socorreu. Desencarnados, reuniram-Se à genitora revoltada, formando um trio perturbador na organização ruralista que os expulsara, sustentando sinistros propósitos de desforço. Não obstante convidados à tolerância e ao perdão por amigos espirituais que os visitavam freqüentemente, nunca cederam um til nos planos sombrios em que penhoraram o coração. Atacaram, desapiedados, a mulher que os tratara com dureza, impondo-lhe destrutivo remorso ao espírito vacilante e fraco. Dominando-lhe a vida psíquica, transformaram-se para ela em perigosos carrascos invisíveis, utilizando todos os processos de luta suscetíveis de acentuar-lhe as perturbações. Adoeceu ela, por isso, gravemente, desafiando conselhos e medidas de cura.
Embora socorrida por médicos e padres diversos, não mais recobrou o equilíbrio orgânico. Arrasou-se-lhe o corpo fisico, a pouco e pouco, incapaz de expandir-se mentalmente, no idealismo superior, que corrige desvarios íntimos e faculta a cooperação vibratória das almas que respiram em esferas mais elevadas, a desditosa fazendeira sofreu, insulada no orgulho destrutivo que lhe assinalava o caminho, dez anos de mágoas constantes e indefiníveis.
Claro que possuia, por sua vez, amigos prontos a lhe estenderem generosas mãos por ocasião da morte do corpo que se tornou inevitável; contudo, quando nos enceguecemos no mal, inabilitamo-nos, por nós mesmos, à recepção de qualquer recurso do bem.
O Instrutor fez ligeira pausa na narrativa e continuou — Exonerada dos liames carnais, viu-se perseguida pelas vitimas de outro tempo, anulando-se-lhe a capacidade de iniciativa em virtude das emissões vibratórias do próprio medo perturbador.
Padeceu muitíssimo, não obstante contemplada pela compaixão de benfeitores do Alto que sempre tentaram conduzi-la à humildade e à renovação pelo amor, mas o ódio permutado é uma fornalha ardente, mantenedora de cegueira e sublevação. Desencarnado o esposo, veio semilouco encontrá-la no mesmo invencível abatimento, incapaz de socorrê-la em vista das próprias dores que o constrangiam a difíceis retificações. Os impiedosos adversários prosseguiram na obra deplorável e, ainda mesmo depois de perderem a organização perispirítica, aderiram a ela, com os princípios de matéria mental em que se revestem. A revolta e o pavor do desconhecido, com absoluta ausência de perdão, ligam-nos uns aos outros, quais algemas de bronze. A infeliz perseguida, na posição em que se encontra, não os vê, não os apalpa, mas sente-lhes a presença e ouve-lhes as vozes, através da inconfundível acústica da consciência. Vive atormentada, sem direção. Tem o comportamento de um ser quase irresponsável.
A infortunada criatura não parecia registrar as informações, ditas ali em voz alta, e que lhe diziam respeito. Clamava amedrontada, pelo auxílio do companheiro.
Vali-me ainda do ensejo para algumas indagações.
— Diante deste quadro comovedor, como encarar a solução? — desfechei a pergunta direta.
Gúbio, todavia, observou, muito calmo:
— Gastaremos tempo. A perturbação vem de inesperado, instala-se à pressa; entretanto, retira-se muito devagar. Aguardemos a obra paciente dos dias.
Após uma pausa expressiva, acentuou:
— Tudo me faz crer que os missionários da caridade já lhe reconduziram o esposo às correntes da reencarnação e é de supor que esta irmã se ache em vias de seguir-lhe as pegadas, a breve tempo. Naturalmente, renascerá em círculos de vida torturada, enfrentando obstáculos imensos para reencontrar o ex-esposo e partilhar-lhe as experiências futuras. Então...
— Os inimigos ser-lhe-ão filhos? — indaguei, ansioso, quebrando-lhe as reticências.
— Como não? Certamente, o caso já se encontra sob a jurisdição superior. Esta mulher retornará à carne, seguida pelas mentes dos adversários que aguardarão, junto dela, o tempo de imersão nos fluidos terrestres.
— Oh! — exclamei, profundamente espantado — não se separará dos perseguidores, nem mesmo para o regresso? Tenho acompanhado reencarnações que invariavelmente se fazem seguidas de cautelas especiais...
— Sim, André — concordou o Instrutor —, reparaste nos processos em que funcionaram elementos intercessores de vulto, atendendo-se à nobilitante missão dos interessados no futuro e, com o auxílio divino, semelhantes casos contam-se por milhões. Contudo, existem, ainda, nos setores da luta humana, milhões de renascimentos de almas criminosas que tornam ao mergulho da carne premidas pela compulsória do Plano Superior, de modo a expiarem delitos graves. Em ocorrências dessa ordem, a individualidade responsável pela desarmonia reinante converte-se em centro de gravitação das consciências desequilibradas por sua culpa e assume o comando dos trabalhos de reajustamento, sempre longos e complicados, de acordo com os ditames da Lei.
Compreendendo meu assombro, Gúbio considerou:
— Porque a estranheza? Os princípios de atração governam o Universo inteiro. Nos sistemas planetários e nos sistemas atômicos vemos o núcleo e os satélites. Na vida espiritual, os ascendentes essenciais não diferem. Se os bons representam centros de atenção dos Espíritos que se lhes afinam pelos ideais e tendências, os grandes delinqüentes se transformam em núcleos magnéticos das mentes que se extraviaram da senda reta, em obediência a eles. Elevamo-nos com aqueles que amamos e redimimos ou rebaixamo-nos com aqueles que perseguimos e odiamos.
As afirmativas inspiravam-me profundos pensamentos, quanto à grandeza das leis que regem a vida e, atento à meditação daquele instante, evitei novas perguntas.
O Instrutor acariciou a fronte da criatura desventurada, envolvendo-a, intencionalmente, numa bênção de fluidos divinos e acrescentou:
— Pobre irmã! que o Céu a fortaleça na jornada por empreender! Seguida de perto pela influência dos seres que com ela se projetaram no abismo mental do ódio, terá infância dolorosa e sombria pelos pesares desconhecidos que se lhe acumularão, incompreensivelmente, na alma opressa. Conhecerá enfermidades de diagnose impossível, por enquanto, no quadro dos conhecimentos humanos, por se originarem da persistente e invisível atuação dos inimigos de outra época... Terá mocidade torturada por sonhos de maternidade e não repousará, intimamente, enquanto não oscular, no próprio colo, os três adversários convertidos, então, em filhinhos tenros de sua ternura sedenta de paz... Transportará consigo três centros vitais desarmônicos e, até que os reajuste na forja do sacrifício, recambiando-os à estrada certa, será, na condição de mãe, um ímã atormentado ou a sede obscura e triste de uma constelação de dor.
O estudo era, sem dúvida, absorvente e fascinante, mas a hora controlava-nos o serviço e era imperioso regressar.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

ESTUDO DO LIVRO VIDA E SEXO - FACILITADORAS JULIANA SOLARE E MARIA J. SANCHES



Capítulo 4 - Ambiente Doméstico

Frequentemente, o Espírito renasce no mesmo meio em que já viveu, estabelecendo de novo relações com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes haja feito. Se reconhecesse nelas os a quem odiara, quiçá o ódio lhe despertaria outra vez no íntimo. De todo modo, ele sentiria humilhado em presença daquelas a quem houvesse ofendido. Do item 11, no Cap. V, de "o Evangelho Segundo o Espiritismo". Na comunhão de dois seres para a organização da família, prevalece o compromisso de
assistência não só de um para com o outro, mas também para com os filhos que procedem do laço afetivo. Não possuímos ainda na Terra institutos destinados à preparação da paternidade e da maternidade responsáveis. A evolução e o aprimoramento das ciências psicológicas de hoje, porém, garantir-nos-ão no futuro semelhante evento. Identifiquemos no lar a escola viva da alma. O Espírito, quando retorna ao Plano Físico, vê nos pais as primeiras imagens de Deus e da Vida. Na tépida estrutura do ninho doméstico, germinam-lhe no ser os primeiros pensamentos e as primeiras esperanças. Não lhe será, contudo, tão fácil seguir adiante com os ideais da meninice, de vez que, habitualmente, a equipe familiar se aglutina segundo os desastres sentimentais das existências passadas, debitando-se-lhe aos componentes os distúrbios da afeição possessiva, a se traduzirem por ternura descontrolada e ódio manifesto ou simpatia e aversão simultâneas. Pais imaturos, do ponto de vista espiritual, comumente se infantilizam, no tempo exato do trabalho mais grave que lhes compete, no setor educativo, e, ao invés de guiarem os pequeninos com segurança para o êxito em seu novo desenvolvimento no estágio da reencarnação, embaraçam-lhes os problemas, ora tratando as crianças como se fossem adultos ou tratando os filhos adultos como se fossem crianças.
Estabelecido o desequilíbrio, irrompem os conflitos de ciúme e rebeldia, narcisismo e crueldade, que asfixiam as plantas da compreensão e da alegria na gleba caseira, transformando-a em espinheiral magnético de vibrações contraditórias, no qual os enigmas emocionais, trazidos do pretérito, adquirem feição quase insolúvel. Decorre daí a importância dos conhecimentos alusivos à reencarnação, nas bases da família, com pleno exercício da lei do amor nos recessos do lar, para que o lar não se converta, de bendita escola que é, em pouso neurótico, albergando moléstias mentais dificilmente reversíveis.

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 40 - ORADOR ALEXANDRE CAMARGO



40 – Em Prece

Um ano depois do casamento de Antonina, dirigimo-nos todos juntos à residência do ferroviário, na qual tantas vezes nos reuníramos entre a prece e a expectação.
A vida marchara como sempre...
Júlio e Leonardo haviam renascido em paz, quase que ao mesmo tempo, trazendo ao mundo elevados programas de serviço.
Recém-chegados à Terra, sorriam ingenuamente para nós, conchegados ao colo materno.
Amaro e Zulmira, Silva e Antonina, cônscios das obrigações que haviam assumido, prosseguiam juntos, entrelaçados na mesma compreensão fraternal.
O singelo domicílio mostrava-se magnificamente florido, superlotado de amigos sorridentes.
Lucas e Evelina celebravam os esponsais.
Nos dois planos, entre encarnados e desencarnados, tudo era esperança e alegria, paz e amor.
Os noivos fitavam-se venturosos e Odila, na função de sacerdotisa do lar, ia e vinha, pondo e dispondo na direção do acontecimento.
Entardecia, quando o juiz, com a felicidade de todos, lido o contrato de matrimônio, pronunciou o clássico “declaro-vos casados em nome da Lei.
Oscularam-se os nubentes com inexcedível afeto e vimos espantados que Odila, em muda oração, se transfigurava, coroandose de luz. Desvelou os olhos que se nos afiguraram mais lúcidos e contemplou a filha, embevecidamente.
Obedecendo, porém, a secreto impulso, ao invés de caminhar na direção de Evelina, dirigiu-se para Zulmira, enlaçando-a em lágrimas.
Havia naquele gesto tanto carinho natural e tanto reconhecimento espontâneo, que intensa emotividade nos tomou de assalto.
Transfundiam-se ali dois corações maternos, na mesma vibração de paz, haurida na vitória interior pelo dever bem cumprido.
Envolta na faixa de ternura em que se via mergulhada, a segunda esposa de Amaro começou a chorar, possuída de inexprimível contentamento, como se inarticulada melodia do Céu lhe invadisse, por inteiro, o coração.
Ali mesmo, homem tocado de fé viva, o dono da casa rogou a Antonina pronunciasse o agradecimento a Jesus.
A esposa de Silva não vacilou.
Cerrando as pálpebras, parecia procurar-nos em espírito, qual antena vibrátil, atraindo a onda sonora.
Clarêncio abeirou-se dela e, tocando-lhe a fronte com a destra, entrou em meditação.
Suavemente impulsionada pelo Ministro, nossa amiga orou com sentida inflexão de voz:

“Amado Jesus, abençoa a nossa hora festiva que te oferecemos em sinal de carinho e gratidão.
Ajuda aos nossos companheiros que hoje se consorciam, convertendo-lhes a esperança em doce realidade.
Ensina-nos, Senhor, a receber no lar a cartilha de luz que nos deste no mundo – generosa escola de nossos corações para a vida imortal.
Faze-nos compreender, no campo em que lutamos, a rica sementeira de renovação e fraternidade em que a todos nos cabe aprender e servir.
Que possamos, enfim, ser mais irmãos uns dos outros, no cultivo da paz, pelo esforço no bem.
Tu que consagraste a ventura doméstica, nas bodas de Caná, transforma a água viva de nossos sentimentos em dons inefáveis de trabalho e alegria.
Reflete o teu amor na simplicidade de nossa existência, como o Sol se retrata no fio d'água humilde.
Guia-nos, Mestre, para o teu coração que anelamos eterno e soberano sobre os nossos destinos, e que a tua bondade comande a nossa vida é o nosso voto ardente, agora e para sempre. Assim seja.”

Calara-se Antonina.
Doce exaltação emotiva pairava em todos os semblantes.
Odila, sensibilizada, reunia Amaro e Zulmira nos braços, quais se lhe fossem filhos do coração.
Fitei a esposa de Silva, de quem o Ministro se afastara, e lembrei a noite em que lhe visitei o domicílio pela primeira vez.
Nunca me esqueci da excursão em que fomos designados para acompanhá-la em visitação ao filhinho, quando ignorávamos totalmente a importância de sua participação no drama que iríamos viver.
Dirigi-me ao instrutor e indaguei se ele, Clarêncio, conhecia a posição de nossa amiga, ao tempo de nosso primeiro contacto.
– Sim, sim... – respondeu, gentil –, mas não lhes dei a conhecer antecipadamente a significação dela no romance vivo que estamos acompanhando, porque todos nós, meu amigo, precisa mos reconhecer que o trabalho é a nossa lição. Movamos a mente no serviço que nos compete e adquiriremos a chave de todos os enigmas.
O apontamento era dos mais expressivos, mas não pude delongar a conversação, de vez que Irmã Clara, agora abraçada a Odila, convidava-nos ao regresso.
Entre adeuses cariciosos, Lucas e Evelina haviam tomado o auto que os conduziria a experiências novas na capital bandeirante.
A festa alcançara o fim...
Ao lado de nosso orientador, perguntei, reverente:
– Nossa história terminará, assim, com um casamento risonho, à moda de um filme bem acabado?
Clarêncio estampou o sorriso de sua velha sabedoria e falou:
– Não, André. A história não acabou. O que passou foi a crise que nos ofereceu motivo a tantas lições. Nossos amigos, pelo esforço admirável com que se dedicaram ao reajuste, dispõem agora de alguns anos de paz relativa, nos quais poderão replantar o campo do destino. Entretanto, mais tarde, voltarão por aqui a dor e a prova, a enfermidade e a morte, conferindo o aproveitamento de cada um. É a luta aperfeiçoando a vida, até que a nossa vida se harmonize, sem luta, com os Desígnios do Senhor.
O Ministro não logrou prosseguir.
Nossa caravana, constituída por dezenas de companheiros, iniciara a volta.
A viagem, diante do firmamento que acendia flamejantes lumes, não podia ser mais bela...
Chegados, porém, ao Lar da Bênção, notamos que Odila chorava Aquela alma varonil de mulher vencera a batalha consigo mesma, no entanto, não parecia satisfeita com o próprio triunfo.
Clara conseguira-lhe brilhante posição de trabalho nas esferas mais altas, contudo, nossa heroína revelava-se em penosa consternação.
Penetrando o santuário de Blandina, onde tantas vezes nos reuníramos para examinar os problemas que nos afligiam de perto, o Ministro abraçou-a e recomendou, paternal:
– Odila, enquanto celebramos tua vitória, dize que céu procuras!
Ela caminhou para Irmã Clara e osculou-lhe a destra, num gesto mudo de reconhecimento e, depois, voltando-se para o nosso instrutor, respondeu com humildade:
– Devotado benfeitor, meu lar terrestre é o meu paraíso...
– Mas não ignoras que o domicílio do mundo não te pertence mais.
– Sim – concordou a interlocutora, respeitosa –, sei disso, entretanto, desejo servir a ele, sem que ele seja meu... Amo meu esposo por inesquecível companheiro da vida eterna, abençoando a admirável mulher a quem ele agora pertence e que passei a querer por filha de minha ternura... Amo meus filhos, apesar de saber que não podem presentemente sentir o calor de meu coração...
Deus sabe que hoje amo sem o propósito de ser amada, que me proponho oferecer-me sem retribuição, a fim de aprender com Jesus a dar sem receber...
A emoção embargou-lhe a voz.
De nosso lado, tínhamos nossos olhos marejados de pranto.
Visivelmente comovido, Clarêncio levantou-lhe a fronte submissa, afagou-lhe os cabelos e, colocando-lhe uma flor de luz sobre o peito, exclamou:
– Onde permanece o nosso amor, aí fulgura o céu que sonhamos.
Mereces o paraíso que procuras. Retorna, Odila, ao teu lar quando quiseres. Sê para o teu esposo e para as almas que o seguem o astro de cada noite e a bênção de cada dia! O amor puro outorga-te esse direito. Volta e ama... E, quando te ergueres do vale humano, teu coração será como faixa de sol, trazendo ao Cristo os corações que pastorearás no campo imenso da vida!
Odila ajoelhou-se e beijou-lhe as mãos veneráveis.
Nesse instante, funda saudade assomou-me à alma opressa.
Experimentei a estranha sensação do pai que busca inutilmente os filhos arrebatados ao seu carinho. Ave distante da paisagem que a vira nascer, vi-me atormentado pelo anseio de recuperar, de imediato, o meu ninho...
Lágrimas quentes derramavam-se de meu coração pela concha dos olhos e, temendo perturbar a harmonia reinante, demandei o jardim próximo e, sozinho, fitei o firmamento, pintalgado de estrelas...
O vento que soprava célere parecia dizer-me: – “Confia!...”
O perfume das flores, de passagem por mim, apelava em silêncio:
– “Não te detenhas!”
E as constelações faiscantes, pendendo da Altura, davam-me a impressão de acenos da luz eterna, concitando-me sem palavras:

“Luta e aperfeiçoa-te! A plenitude do teu amor brilhará também um dia!...”

Então, numa prece de agradecimento ao Pai Celestial, percebi que meu espírito pacificado sorria, de novo, ao toque inefável de sublime esperança.

Fim

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

ESTUDO DO LIVRO VIDA E SEXO - FACILITADORAS JULIANA SOLARE E MARIA J. SANCHES



Capítulo 3 - Namoro

Pergunta - Além da simpatia geral, oriunda da semelhança que entre eles exista, votam-se os Espíritos recíprocas afeições particulares?

Resposta - Do mesmo modo que os homens, sendo, porém, que mais forte é o laço que prende os Espíritos uns aos outros, quando carentes de corpo material, porque então esse laço não se acha exposto às vicissitudes das paixões. Item no. 291, de "O Livro dos Espíritos".

A integração de duas criaturas para a comunhão sexual começa habitualmente pelo período de namoro que se traduz por suave encantamento. Dois seres descobrem um no outro, de maneira imprevista, motivos e apelos para a entrega recíproca e daí se desenvolve o processo de atração. O assunto consubstanciaria o que seria lícito nomear como sendo um "doce mistério" se não faceássemos nele as realidades da reencarnação e da afinidade. Inteligências que traçaram entre si a realização de empresas afetivas ainda no Mundo Espiritual, criaturas que já partilharam experiências no campo sexual em estâncias passadas, corações que se acumpliciaram em delinqüência passional, noutras eras, ou almas inesperadamente harmonizadas na complementação magnética, diariamente compartilham as emoções de semelhantes encontros, em todos os lugares da Terra. Positivada a simpatia mútua, é chegado o momento do raciocínio. Acontece, porém, que diminuta é, ainda, no Planeta, a percentagem de pessoas, em qualquer idade física, habilitadas a pensar em termos de auto-análise, quando o instinto sexual se mães derrama do ser. Estudiosos do mundo, perquirindo a questão apenas no "lado físico", dirão talvez tão-somente que a libido entrou em atividade com o seu poderoso domínio e, obviamente, ninguém discordará, em tese, da afirmativa, atentos que devemos estar à importância do impulso criativo do sexo, no mundo psíquico, para a garantia e perpetuação da vida no Planeta. É imperioso anotar, entretanto, em muitos lances da caminhada evolutiva do Espírito, a influência exercida pelas inteligências desencarnadas no jogo afetivo. Referimo-nos aos parceiros das existências passadas, ou, mais claramente, aos Espíritos que se corporificarão no futuro lar, cuja atuação, em muitos casos, pesa no ânimo dos namorados, inclinando afeições pacificamente raciocinadas para casamentos súbitos ou compromissos na paternidade e na maternidade, namorados esses que então se matriculam na escola de laboriosas responsabilidades. Isso porque a doação de si mesmos à comunhão sexual, em regime de prazer sem ponderação, não os exonera dos vínculos cármicos para com os seres que trazem à luz do mundo, em cuja floração, aliás, se é verdade que recolherão trabalho e sacrifício, obterão também valiosa colheita de experiência e ensinamento para o futuro, se compreenderem que a vida paga em amor todos aqueles que lhe recebem com amor as justas exigências para a execução dos seus objetivos essenciais.

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 39 - ORADOR ALEXANDRE CAMARGO



39 – Ponderações

Decorrido um mês sobre os esponsais de Silva, certa noite, por solicitação de Odila, fomos em busca de Zulmira e Antonina para uma reunião íntima, no Lar da Bênção.
Ambas, alegres, revelavam-se enlevadas fora do corpo denso.
Enlaçadas e felizes, contemplavam a Terra e o Céu, tocadas de sublime esperança.
Reduzida assembléia de amigos aguardava-nos no domicílio de Blandina, em meio de cativantes manifestações de carinho e de apreço.
Dentre todas as afeições presentes, sobrelevava-se Irmã Clara, que viera igualmente ter conosco.
As duas excursionistas, ao contacto daquele ambiente de genuína fraternidade, rendiam-se ao êxtase da paz e da alegria.
Afigurava-se-lhes haver encontrado o paraíso, tão pura se lhes desenhava no semblante a exaltação interior.
No recinto amplo que Blandina adornara de flores, permutavam-se frases amigas e consoladoras impressões.
Multiplicadas notas de beleza enriqueciam a conversação, quando Antonina, mais lúcida que a companheira, indagou pela razão do favor de que se viam aquinhoadas.
O reconhecimento transbordava-lhes do coração, à maneira do perfume a evadir-se do frasco.
Clara afagou-a, de leve, e explicou, maternalmente:
– Filhas, em nossa romagem na vida, atravessamos épocas de sementeira e fases de colheita. Na missão da mulher, até agora, distância. Com a humildade e a fé, com o bom ânimo e o valor moral, venceram árduos conflitos que lhes fustigavam as melhores aspirações. Foram dias obscuros do pretérito refletidos no presente, contudo, agora, asserenou-se-lhes a estrada. A paciência a que se devotaram evitou a formação de nuvens da revolta e o céu se fez, de novo, claro e alentador. É como se o dia renascesse, resplendente de luz. O campo da existência exige mais trabalho e o tempo de semear ressurge alvissareiro.
A palestra em torno cessara de repente.
Os circunstantes buscavam ouvir a benfeitora, significando, com o silêncio, que nela se encarnava para nós a sabedoria.
Depois de ligeiro intervalo, nossa amiga continuou:
– “Agora, que a oportunidade favorece a renovação, é preciso saber reconstruir o destino.
“Não olvidemos. A vida reduz-se a triste montão de trevas, quando não se faz plena de trabalho. Fujamos à velha feira da lamentação, onde a inércia vende os seus frutos amargosos! Para levantar, porém, a escada de nossa ascensão, é imprescindível banhar o espírito, cada dia, na fonte viva do amor, do amor que recompensa a si mesmo com a alegria de dar! O Pai Celeste é onipresente, através do amor de que satura o Universo. O sentimento divino é a corrente invisível em que se equilibram os mundos e os seres. Do Trono Excelso nasce o eterno manancial que sustenta o anjo na altura e alimenta o verme no abismo. A mulher é uma taça em que o Todo-Sábio deita a água milagrosa do amor com mais intensidade, para que a vida se engrandeça. Irmãs, sejamos fiéis ao mandato recebido. Em muitas ocasiões, quando nos prendemos à lama do egoísmo ou ao visco do ódio, poluímos o líquido sagrado, transformando-o em veneno destruidor.
“Guardemos cautela, O preço da verdadeira paz reside no sacrifício de nossas existências. Não há sublimação sem renúncia no castelo da alma, como não há purificação no cadinho, sem o concurso do fogo que acrisola os metais!...”
Clara fitou Antonina, de modo particular, e aduziu:
– Filha, nossa Zulmira compreende hoje, sem necessidade de maior incursão no passado, o santo dever de asilar o pequeno Júlio no santuário materno...
Percebemos que a instrutora, registrando o imperativo do descanso mental para a segunda esposa do ferroviário, que vinha de terminar longas refregas na preservação da própria saúde, buscava poupar-lhe exercícios mnemônicos.
– Nossa amiga – prosseguiu, indicando Zulmira com o olhar – está consciente de que a maternidade a espera de novo, em tempo breve... E você?
Com a irradiante bondade que habitualmente lhe marcava a expressão fisionômica, acentuou:
– Recorda-se das experiências antigas e permanece atenta às razões que lhe inspiraram o segundo matrimônio?
Ante a surpresa que se estampou no semblante da interpelada, a orientadora, num gesto que nos era conhecido, nas operações magnéticas de Clarêncio, acariciou-lhe a fronte, de leve, e repetiu:
– Lembre-se! lembre-se!...
Bafejada pelo poder de Irmã Clara, em determinados centros da memória, Antonina fez pálida e exclamou, controlando a própria emoção:
– Sim, sou eu a cantora! Revejo, dentro de mim, os quadros que se foram!... Os conflitos no Paraguai!... Uma chácara em Luque!... a família ao abandono!... José Esteves, hoje Mário...
Sim, percebo o sentido de minhas segundas núpcias!...
Denotando aflição no olhar, acrescentou:
– E Leonardo? onde está Leonardo, o infeliz?
– Não precisa dilatar reminiscências – disse Clara, bondosa –; não nos achamos num gabinete de experimentos e sim numa reunião fraternal.
Fitando-a significativamente, ajuntou:
– Basta que você se recorde.
Em seguida, repartindo a atenção entre as duas, prosseguiu:
– “Brevemente, vocês serão chamadas a novo esforço, no apostolado materno. Zulmira recolherá o nosso Júlio na concha do coração e você, Antonina, restituirá a Leonardo Pires, seu avô e associado de destino, o tesouro do corpo terrestre. No santuário doméstico, as afeições transviadas se recompõem, a fim de que possamos demandar o futuro, ao clarão da felicidade.
“Filhas, ninguém avança sem saldar as próprias contas com o passado. Paguemos, desse modo, os débitos que nos aprisionam aos círculos inferiores da vida, aproveitando o tempo de detenção no resgate, em maior aprimoramento de nós mesmas. Amemos, aperfeiçoando-nos!
“Identifiquemos no lar humano o caminho de nossa regeneração!
A família consangüínea na Terra é o microcosmo de obrigações salvadoras em que nos habilitamos para o serviço à família maior que se constitui da Humanidade inteira. O parente necessitado de tolerância e carinho representa o ponto difícil que nos cabe vencer, valendo-nos dele para melhorar-nos em humildade e compreensão. Um pai incompreensivo, um esposo áspero ou um filho de condução inquietante, simbolizam linhas de luta benéfica, em que podemos exercitar a paciência, a doçura e o devotamento até ao sacrifício!... Especialmente, no tocante aos filhos, não nos esqueçamos de que pertencem a Deus e à vida, acima de tudo!...
Na esfera carnal, a Providência Divina nos sela a memória, no favor do renascimento, envolvendo-nos com o sopro renovador de abençoada esperança! Por isso mesmo, não nos cabe olvidar que os filhos são sempre laços preciosos da existência, requisitando-nos quilíbrio e discernimento em todas as decisões... Para desobrigar-nos da grande tarefa que a maternidade nos impõe, é imprescindível entender-lhes o psiquismo diferente do nosso, a exigir, muitas vezes um tipo de felicidade que não se harmoniza com o nosso modo de ser. Saibamos, assim, prepará-los, sem egoísmo, para o destino que lhes compete! O carinho escravizante assemelha-se a um mel envenenado, enredando-nos na sombra.
Conservemos nosso espírito arejado pela justiça, para que a nossa afetividade seja uma bênção com a possibilidade de educar os que nos cercam, na escola do trabalho salutar!...”
Na pausa que surgiu, espontânea, Zulmira indagou com simplicidade:
– Abnegada benfeitora, como agir para solucionar os problemas com segurança?
– Vocês superaram dias alarmantes de crise espiritual – informou a orientadora, prestimosa – e conquistaram o ensejo de reestruturação do próprio destino. Agora, repitamos, é tempo de semear. Valorizemos a oportunidade de reaproximação. São vocês dois núcleos de força, suscetíveis de operar valiosas transformações nos grupos domésticos a que se ajustam. Façamos da amizade o entendimento fraterno que tudo compreende e tolera, movimenta e ajuda, na extensão do Sumo Bem. A vizinhança e a convivência, no fundo, são dons que o Senhor nos concede a benefício de nosso próprio reajuste.
Porque Zulmira e Antonina ensaiassem perguntas novas, Clara acentuou:
– Não temam. A prece é o fio invisível de nossa comunhão com o Plano Divino e, à luz da oração, viveremos todos juntos.
Em todas as dúvidas, prefiramos para nós a renunciação construtiva. Situar a responsabilidade de nosso lado é facilitar a solução dos problemas.
Sorridente, rematou:
– Não nos esqueçamos do privilégio de servir.
Logo após, o pequeno Júlio foi trazido ao recinto por vasto cortejo de gárrulas crianças.
Risos e lágrimas se misturaram no louvor à Bondade Divina.
Depois de algumas horas consagradas ao reconforto, escoltamos, de novo, as duas mães, reconduzindo-as ao campo físico para o sublime labor no lar terrestre.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 16 ÍTENS 9 e 10 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMON

A Verdadeira Propriedade

1. Qual a verdadeira propriedade do homem?
“Nada do que é de uso do corpo; tudo que é de uso da alma: a inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais.”

“O homem só possui em plena propriedade aquilo que lhe é dado levar deste mundo.”

2. Então, os bens materiais que o homem possui não constituem propriedade sua?
O homem possui somente o que acompanha quando deixa o corpo físico. Não podendo levar consigo os bens materiais, deles não tem a posse real, mas simplesmente o usufruto.

O homem possui apenas (...) “ o que traz e leve consigo o que ninguém lhe pode arrebatar, o que lhe será de muito mais utilidade no outro mundo do que neste.”

3. Estando na Terra de passagem e tendo por destino a eternidade, que riquezas deve o homem acumular?
Apenas aquelas que tem valor para eternidade e que são obtidas através da prática da caridade.

No plano espiritual a moeda corrente é a caridade, ou seja, todo benefício realizado em favor do próximo.

4. O que sucede ao homem, quando de sua chegada ao mundo dos espíritos?
Ele tem destinação compatível com a soma das virtudes que apresenta, pois no plano espiritual apenas estas têm valor.

No que concerne à soma de virtudes, pode operário ser mais rico que o príncipe.

5. A quem pertencem os bens da Terra?
Os bens da Terra pertencem a Deus, que os distribui segundo critérios de justiça e misericórdia.

Lutemos pela aquisição dos bens da alma e os do corpo nos virão por acréscimo da misericórdia divina.

6. Como deve agir o homem, em relação aos bens materiais?
Reconhecendo que, na condição de espírito encarnado, não pode prescindir do seu auxílio, mas utilizando-os como meio para o atendimento de suas necessidades e do serviço ao próximo. Nunca como um fim em si mesmo.

Os bens materiais devem ser destinados à manutenção da vida do corpo, á aquisição de conhecimentos e ao serviço fraterno.

7. Em se tratando de bens materiais, quais as propriedades consideradas legítimas?
As adquiridas por meio do trabalho honesto, no qual aquele que o executa age em benefício do próximo e não em seu prejuízo.

Uma propriedade só é legítima quando, da sua aquisição, não resulta dano para ninguém. Contas serão pedidas de todo dinheiro mal ganho, isto é, às custas de prejuízos de outrem.

8. Pode o homem usar e abusar de seus haveres durante a vida, sem ter que a ninguém prestar contas?
Não. Se ele os utilizou somente na satisfação de seus sentidos ou do seu orgulho, melhor fora que não os tivesse possuído, pois a justiça divina lhe pedirá contas.

“Quando deixar a Terra, Deus lhe dirá que já recebeu sua recompensa.”

Conclusão:

Os bens da alma – inteligência, conhecimentos e qualidades morais – são perenes e constituem a nossa verdadeira propriedade. Dos bens do corpo somos efêmeros usufrutuários, pois estes pertencem a Deus, que nos pede contas de sua administração.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

ESTUDO DO LIVRO VIDA E SEXO - FACILITADORAS JULIANA SOLARE E MARIA J. SANCHES



Capítulo 2 - A Família

Há, pois, duas espécies de família: as famílias pelos laços espirituais e as famílias pelos laços corporais. Duráveis, as primeiras se fortalecem pela purificação e se perpetuam no mundo dos Espíritos, através das várias migrações da alma; as segundas, frágeis como a matéria, se extinguem com o tempo e, muitas vezes, se dissolvem moralmente, já na existência atual. Do item 8, no Cap. XIV, de "O Evangelho Segundo o Espiritismo". De todas as associações existentes na Terra excetuando naturalmente a Humanidade - nenhuma talvez mais importante em sua função educadora e regenerativa: a constituição da família. De semelhante agremiação, na qual dois seres se conjugam, atendendo aos vínculos do afeto, surge o lar, garantindo os alicerces da civilização. Através do casal, aí estabelecido, funciona o princípio da reencarnação, consoante as Leis Divinas, possibilitando o trabalho executivo dos mais elevados programas de ação do Mundo Espiritual. Por intermédio da paternidade e da maternidade, o homem e a mulher adquirem mais amplos créditos da Vida Superior. Daí, as fontes de alegria que se lhes rebentam do ser com as tarefas da procriação. Os filhos são liames de amor conscientizado que lhes granjeiam proteção mais extensa do Mundo Maior, de vez que todos nós integramos grupos afins. Na arena terrestre, é justo que determinada criatura se faça assistida por outras que lhe respiram a mesma faixa de interesse afetivo. De modo idêntico, é natural que as inteligências domiciliadas nas Esferas Superiores se consagrem a resguardar e guiar aqueles companheiros de experiência, volvidos à reencarnação para fins de progresso e burilamento. A parentela no Planeta faz-se filtro da família espiritual sediada além da existência física, mantendo os laços preexistentes entre aqueles que lhe comungam o clima. Arraigada nas vidas passadas de todos aqueles que a compõem, a família terrestre é formada, assim, de agentes diversos, porquanto nela se reencontram, comumente, afetos e desafetos, amigos e inimigos. Para os ajustes e reajustes indispensáveis, ante as leis do destino. Apesar disso, importa reconhecer que o clã familiar evolve incessantemente para mais amplos conceitos de vivência coletiva, sob os ditames do aperfeiçoamento geral, conquanto se erija sempre em educandário valioso da alma. Temos, dessa forma, no instituto doméstico uma organização de origem divina, em cujo seio encontramos os instrumentos necessários ao nosso próprio aprimoramento para a edificação do Mundo Melhor.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 38 - ORADOR ALEXANDRE CAMARGO



38 – Casamento Feliz

A tempestade de sentimentos, no grupo de almas sob nossa observação, amainou, pouco a pouco...
Júlio, na vida espiritual, aguardava sem sofrimento a ocasião oportuna de regresso ao campo físico e Zulmira, sob a influência benéfica de Antonina, renovara-se para a alegria de viver.
Mário Silva, transformado pela orientação da jovem viúva, afeiçoara-se a ela profundamente, habituando-se-lhe ao convívio.
Sólida amizade fizera-se entre as personagens de nossa história.
Semanalmente se visitavam, com intraduzível contentamento para Evelina, que se convertera em pupila de Antonina, tão grande a afinidade que lhes caracterizava as predileções e tendências.
O templo doméstico de Amaro transfigurara-se.
O otimismo infiltrara-se, ali, consolidando moradia nos corações.
Passeios domingueiros começavam a surgir e Silva, agora unido a todos, parecia voltar à juventude nascente.
A camaradagem social modificara-lhe a feição.
Perdera a taciturnidade em que se mergulha a maioria dos solteirões.
Lisbela apegara-se a ele com extremado carinho e os irmãos Haroldo e Henrique dele fizeram o confidente de todas as realizações infantis.
Várias vezes Amaro e a esposa acompanharam com amoroso respeito o culto evangélico na residência de Antonina, retirando se, edificados e felizes. Aquela moça, viúva e digna, cada vez crescia mais na admiração deles e, dentro de suas limitadas possibilidades, o ferroviário começou a fazer pela educação inicial dos meninos quanto lhe era possível, associando o enfermeiro em todos os seus empreendimentos em semelhante direção.
Certa manhã de claro domingo, achávamo-nos de passagem no domicílio de Amaro, ainda em serviço da saúde de Zulmira, quando Silva veio ao encontro do amigo para aguardar a chegada de Antonina com as crianças. Todo o grupo familiar combinara um almoço, ao ar livre, em parque próximo.
O Ministro, manifestando um olhar de satisfação, comentou:
– Graças a Jesus, vemos nosso enfermeiro efetivamente modificado.
Mais alegre, acessível, bem disposto...
– Dir-se-ia que uma revolução explodiu dentro dele – asseverei, concordando.
– O amor é assim – acentuou nosso instrutor, imperturbável, uma força que transforma o destino.
Talvez porque Hilário ensaiasse malicioso sorriso, o orientador acrescentou:
– Pude consultar o programa traçado para a reencarnação de Antonina, quando em nossas atividades de socorro ao irmão Leonardo Pires, e sei que ela se comprometeu a colaborar, maternalmente, para que ele obtenha novo corpo na Terra. Na condição de Lola Ibarruri, foi a causa do envenenamento que lhe exterminou a paz íntima, falta essa que nossa irmã, na atualidade, espera ressarcir.
Acariciará por filho do coração quem lhe foi outrora companheiro de aventuras, encaminhando-lhe a educação de ordem superior...
O apontamento nos comovia.
Admirado, Hilário obtemperou:
– Silva, desse modo...
Clarêncio, contudo, interrompeu-lhe a frase, completando:
– Silva e Leonardo enlaçaram-se em complicadas dívidas um para com o outro. Desde muito tempo, cultivam o espinheiro da aversão recíproca. Induzidos agora às teias da consangüinidade, esperamos se reeduquem. Da Lei ninguém foge...
Como se a mente do ferroviário nos sorvesse a conversação, ligando-se a nós pelos fios invisíveis do pensamento, vimos Amaro bater, de leve, nos ombros do companheiro, dizendo-lhe, conselheiral:
– Escuta, Mário. Não me assiste o direito de qualquer interferência em tua vida, entretanto, sentindo-te por meu irmão, venho refletindo acerca do futuro... Não te parece que Antonina seja a mulher digna do teu ideal de homem de bem?
O interpelado corou, encabulando-se, e porque nada respondesse, o amigo prosseguiu:
– Desde o teu regresso à nossa amizade, observo com respeito crescente a distinção dessa mulher, cuja aproximação tem sido uma bênção em nossa casa. Moça ainda, pode fazer a felicidade de um lar que seria um santuário para as tuas experiências. Comove-me anotar-lhe os sacrifícios de mãe jovem, quando, com a tua aliança, preservaria a própria saúde, indiscutivelmente tão preciosa a tanta gente. Já me inteirei da posição dela na fábrica em que trabalha. É querida de todos. Para muitas colegas, tem sido a enfermeira e a irmã abnegada de sempre. Seus chefes veneram-lhe a conduta irrepreensível. Isso é admirável numa viúva de apenas trinta e dois anos. Além disso, reparo-lhe os filhinhos unidos ao teu coração, como se te pertencessem. Não te dói vê-la enfrentar sozinha a batalha em que se consome?
O enfermeiro, algo refeito da estupefação que lhe assomara do íntimo, replicou, humilde:
– Compreendo... Tenho examinado essa possibilidade, no entanto, não sou mais uma criança...
– Por isso mesmo – revidou o amigo, encorajado –; a hora presente exige método, reconforto, proteção... Um pouso doméstico é investimento dos mais preciosos para o futuro.
– No entanto, considero que o coração no meu peito assemelha-se a um pássaro entorpecido. Sinto-me francamente incapaz de uma paixão...
– Que tolice! – ajuntou o interlocutor, bem humorado – a felicidade é quase impraticável nas afeições impulsivas que estouram do sentimento à maneira de champanha ilusória...
E, sorrindo, acentuou:
– O amor dos namorados, com noventa graus à sombra, por vezes é simples fogo de palha, deixando apenas cinza. À medida que se me alonga a experiência no tempo, reconheço que o matrimônio, acima de tudo, é união de alma com alma. Falo com o discernimento do homem que se consorciou por duas vezes. A paixão, meu caro, é responsável por todas as casas de boneca que oferecem por aí espetáculos dos mais tristes. A amizade pura é a verdadeira garantia da ventura conjugal. Sem os alicerces da comunhão fraterna e do respeito mútuo, o casamento cedo se transforma em pesada algema de forçados do cárcere social.
Mário ouvia as reflexões do companheiro, entre enlevado e surpreso.
Sim, pensava, desde que se aproximara de Antonina, pela primeira vez, nela sentira a mulher ideal, capaz de entender-lhe o coração.
Devotara-se a ela e aos três pequeninos com imenso carinho e inexcedível confiança.
Aquele lar generoso e singelo incorporara-se-lhe à existência.
Se fosse compelido à separação, por qualquer circunstância, indubitavelmente se sentiria lesado em suas mais caras alegrias...
Enquanto Amaro se confiava às considerações do minuto rápido, Silva ia memorando, memorando...
A figura de Antonina penetrava-lhe agora os recessos do coração.
O valor e a humildade com que a nobre criatura afrontava os mais difíceis problemas tocavam-lhe as fibras recônditas do ser.
O sacrifício permanente pelos filhos, realizado com sincera alegria, o desprendimento natural das futilidades que costumam cegar o sentimento feminino, a solidariedade humana com que sabia pautar as relações com o próximo e, sobretudo, o caráter cristalino de que dava provas em todos os lances da vida comum, apareciam, naquele instante, em sua imaginação, de modo diferente...
Absorto, parecia contemplar as roseiras lá fora, indiferente ao mundo exterior.
Longos momentos passou, assim, revivendo e meditando o passado.
Em seguida, como se despertasse de longa fuga mental, encarou o amigo frente a frente e concordou:
– Amaro, tens razão. Não posso desobedecer ao comando da vida.
Não puderam, contudo, prosseguir.
A viúva e os filhinhos chegaram, felizes, provocando a presença de Zulmira e Evelina que vieram à recepção, alegremente.
Deixamos nossos amigos na doce algazarra da intimidade doméstica e voltamos ao nosso templo de serviço.
Muitas indagações assaltavam-nos o pensamento, todavia, Clarêncio limitou-se a dizer:
– O tempo é como a onda. Flui e reflui. Da nossa sementeira havemos de colher.
Transcorridos alguns dias, amigos espirituais de Antonina trouxeram-nos as boas novas do contrato promissor.
Mário e a jovem viúva esperavam efetuar o matrimônio em breves dias.
Visitamos o futuro casal, diversas vezes, antes do enlace, que todos nós aguardávamos, contentes.
Amaro e Zulmira, reconhecidos aos gestos de amizade e carinho que recebiam constantemente dos noivos, ofereceram o lar para a cerimônia que, no dia marcado, se realizou com o ato civil, na mais acentuada simplicidade.
Muitos companheiros de nosso plano acorreram à residência do ferroviário, inclusive as freiras desencarnadas que consagravam ao enfermeiro particular estima.
A casa de Zulmira, enfeitada de rosas, regurgitava de gente amiga.
A felicidade transparecia de todos os semblantes.
À noite, na casinha singela de Antonina, reuniram-se quase todos os convidados, novamente.
Os recém-casados queriam orar, em companhia dos laços afetivos, agradecendo ao Senhor a ventura daquele dia inolvidável.
O telheiro humilde jazia repleto de entidades afetuosas e iluminadas, inspirando entusiasmo e esperança, júbilo e paz.
Quem pudesse ver o pequeno lar, em toda a sua expressão de espiritualidade superior, afirmaria estar contemplando um risonho pombal de alegria e de luz.
Na salinha estreita e lotada, um velho tio da noiva levantou-se e dispôs-se à oração.
Clarêncio abeirou-se dele e afagou-lhe a cabeça que os anos haviam encanecido, e seus engelhados lábios, no abençoado calor da inspiração com que o nosso orientador lhe envolvia a alma, pronunciaram comovente rogativa a Jesus, suplicando-lhe que os auxiliasse a todos na obediência aos seus divinos desígnios.
Lágrimas serenas velavam-nos o olhar.
Terminada a prece, Haroldo, Henrique e Lisbela, vestidos de branco, distribuíram licores e guloseimas.
Emocionados, acercamo-nos dos nubentes para as despedidas.
Abraçando-os, vimos junto deles que Evelina, no fulgor de sua primavera juvenil, aceitava a proteção carinhosa de um rapaz que a fitava, enamorado.
O Ministro sorriu e explicou-nos:
– Este é Lucas, irmão de Antonina, atualmente futuroso gráfico na capital paulista, cuja bela formação espiritual associar-se-á, em breve, com a primogênita de Amaro, para a execução das tarefas que a esperam no mundo.
Cortando-nos a possibilidade de excessivas inquirições, o instrutor acrescentou:
– Tudo é amor no caminho da vida. Aprendamos a usá-lo na glorificação do bem, com o nosso próprio trabalho, e tudo será bênção.
Retiramo-nos, satisfeitos.
E porque o dever nos convocava à distância, seguimos à frente, tentando assimilar com o nosso abnegado orientador a preciosa conjugação do verbo servir.