Capítulo 8
Rematara os
apontamentos que me
propunha alinhar, e,
reconhecendo que a paciente
chorava, em prostração,
visivelmente distanciada do
exame que me
fora permitido desenvolver, Neves perguntou se podíamos trocar
entendimento rápido.
— Como não?
— André — inquiriu ele, sem ocultar a perplexidade —‘ que
vem a ser isto, meu amigo? Você percebeu?
Meu neto, o moço é meu
neto!... Onde estamos?
Quatro criaturas noveladas...
Mulher entre pai
e filho, um
rapaz entre duas
irmãs...
Ignorava o que
vemos. Há dias,
tento confortar minha
pobre Beatriz, só
isso. Não fazia a
menor idéia das
perturbações que a
rodeiam... Ah! meu
amigo, como pai, estaria agora mais consolado se a visse
agonizando numa casa de loucos!...
E apontando Marita:
— Esta moça disse a verdade toda?
— Neves — acentuei —, você não desconhece que determinado
grupo familiar se define como
sendo um engenho
constituído de peças
diferentes, embora ajustadas
entre si para a função que lhe cabe. Cada um daqueles que o integram é parte
das realidades que se entrosam no conjunto. Marita foi sincera. Expôs o que sabe.
Ela é um pedaço da verdade que procuramos.
Para descobrir o que você conceitua por verdade toda é
inevitável consultar as pessoas que ela hospeda no mundo intimo.
O amigo debuxou o
leve sorriso de quem reüne compreensão e conformidade.
Arrojando-se,
porém, ao desconforto com
que supunha reverenciar
a justiça, lastimou-se, áspero:
— Imagine você! Gilberto!
Um menino... Se
o pai auxiliasse!... Mas
Nemésio é um caso de manicômio.
Não tem jeito...
Olhou, compadecido, para a moça em pranto e salientou:
— Veja esta menina. Correta, fiel... Submeteu-se, confiante.
Que culpa no vaso de porcelana, violentamente
destampado por um
animal? E esse
animal é um garoto que eu amo tanto!... Ela poderia
ser a esposa que idealiza, mãe digna, dona de
casa para um
homem de bem...
No entanto, lá
se vai Gilberto,
embeiçado por uma pinóia. Marina
e Marita... Incrível hajam crescido sob o mesmo teto! São irmãs adotivas, como
acontece à serpente e à pomba...
Diante da pausa curta, não me fiz tardio nas ponderações.
Investi-me,
indebitamente, na posição
de conselheiro fortuito
e roguei ao companheiro asserenar-se.
Achávamo-nos ali para
emendar, proteger, realizar
o melhor. Certo,
o bem suscetível de
ser plantado, naquele
grupo, redundaria em
socorro a Beatriz.
Colocássemos nela o pensamento. A irritação lhe avinagraria
o ânimo e ele, Neves, de sentimento azedado,
lançaria sobre a
filha ingredientes fluídicos
de índole negativa,
arruinando-lhe as forças.
Paciência e atividade fraterna servir-nos-iam de apoio.
Além do mais,
não conseguiríamos precisar
até quando perdurariam
os sofrimentos físicos da esposa de Nemésio.
E’ justo prever,
calcular. Entretanto.
poderiam ocorrer determinações superiores, recomendando lhe
fosse prolongado o prazo de estada
na Terra. Nada
impossível viesse a
continuar adstrita ao
corpo carnal, relativamente melhorada,
por meses, anos
talvez, conquanto os prognósticos nunciassem
a desencarnação para
breve. Mas, e
se acontecesse o inverso? Exasperação ou desânimo, de nosso
lado, marcariam o término das possibilidades
de cooperação. Os
supervisores que nos
dirigiam, não obstante compassivos e prestimosos,
removernos-iam da cabeceira da doente, sem a menor dificuldade. Contavam com
recursos para localizar-nos em tarefas, até mesmo mais suaves e mais
reconfortantes, em outra parte, como quem nos agaloava em serviço.
Agiriam, assim, em
proveito da própria
doente, impedindo os
prejuízos que lhe pudéssemos acarretar com qualquer carga
de vibrações desconcertantes.
Neves tolerou o aviso com paciência.
Acabou rogando compreensão. Retirara-se do convívio
familiar, por longo tempo —
justificou-se —, a
fim de adestrar-se
em cordura e
desprendimento.
Regressando, no entanto,
ao abrigo doméstico,
topava, a cada
instante, em si mesmo,
o homem que
fora. Comodista, agarrado
às raízes consanguíneas, absorvido no bem-estar dos que
reputava como sendo flores no tronco do coração.
Sabia-se em prova
árdua. Acusava-se analisado,
esquadrinhado, sopesado, na própria
assimilação dos princípios
de caridade e
indulgência que passara
a ministrar, sob o influxo dos mentores sábios e amigos que lhe haviam
descerrado a porta das escolas de aperfeiçoamento nas esferas superiores.
Ao jeito de
qualquer pessoa terrestre,
encerrando consigo méritos
e falhas, declarou-se disposto
a dominar-se, e,
impelindo-nos a recordar
antigos condiscípulos da fase juvenil, quando encorajados e vacilantes
ao mesmo tempo na solução dos problemas
de autocontrole, solicitou-nos
colaboração a fim
de que se mantivesse calado, tanto quanto possível,
na presença dos instrutores.
A submissão do companheiro dava para comover.
Acreditava-se
temporariamente perturbado, acentuou
humilde. Partilhava as agruras da filha.
Voltara
instintivamente à agressividade
e à extroversão
que lhe marcavam
o temperamento no passado;
entretanto, comprometia-se à
revisão de atitudes.
Apesar disso, que lhe relevássemos qualquer desabafo
inconveniente, quando nos demorássemos a
sós. Sempre chegava o momento em que ele, por mais aplicado ao burilamento
íntimo, sentia que as excitações,
longamente acumuladas, lhe pesavam
no espírito, qual nuvem de gases comburentes. Desinibia-se ou dementava-se, ao
modo de alguém que carregasse bombas estourando no próprio peito.
Fi-lo sossegar-se. Não
precisava vexar-se daquela
maneira. Entendia tudo, perfeitamente. De
nossa parte, não
apresentávamos qualquer traço
de superioridade. Também nós, criatura humana desencarnada, conhecíamos
de sobra os lances da batalha interior, em que o adversário somos sempre nós
mesmos, na arena das qualidades inferiores que nos tocam sublimar.
Desaconselhável, porém, prosseguir, conversando à margem do
serviço.
A frágil menina
desoprimia-se, em pranto.
Choro vozeado, não
obstante discreto. Soluços.
Dispúnhamo-nos a intervir, quando sucedeu o inesperado.
Cláudio batia, de
leve, à porta,
decerto incomodado pelo
som lastimoso daqueles gemidos
que Marita, em vão, buscava reprimir.
Respiramos confortados.
Indubitavelmente,
o inquieto coração
paternal vinha ao
encontro da moça desfalecente, ansiando
soerguer-lhe as energias,
e, nós próprios,
através de estímulos magnéticos,
insistimos com ela para que atendesse.
Empregando
vontade e forças
para vencer a
crise de lágrimas,
a jovem anuiu aos nossos apelos e cambaleou,
desaferrolhando a passagem.
Cláudio entrou, mas
não vinha só.
Um daqueles dois
companheiros desencarnados que lhe alteraram a personalidade, justamente
o que se abeirara dele, em primeiro lugar, para o trago de uis que,
enrodilhava-se-lhe ao corpo.
O verbo enrodilhar-se, na
linguagem humana, figura-se
o mais adequado
à definição daquela ocorrência
de possessão partilhada,
que se nos
apresentava ao exame, conquanto
não exprima, com
exatidão, todo o
processo de enrolamento fluídico, em
que se imantavam.
E afirmamos “possessão
partilhada”, porque, efetivamente, ali,
um aspirava ardentemente
aos objetivos desonestos
do outro, completando-se,
euforicamente, na divisão da responsabilidade em quotas iguais.
Qual acontecera, no instante em que bebiam juntos, forneciam
a impressão de dois seres num corpo só.
Em determinados momentos,
o obsessor afastava-se
do companheiro, a distância
de centímetros; contudo,
sempre a enlaçá-lo,
copiando gestos de
felino, interessado em não
perder o contacto
da vitima. Achavam-se,
entretanto, irrestritamente conjugados em vinculação recíproca.
Isso conferia ao semblante de Cláudio expressão diferente, o
hipnotizador, cuja visão espiritual não nos atingia, senhoreava-lhe sentimentos
e idéias, enquanto ele se deixava prazerosamente senhorear.
O olhar obediente
adquirira a turvação característica dos
alucinados, O recém-chegado
transfigurara-se. Estranho sorriso franzia-lhe a
boca. Diante das
percepções limitadas de
Marita, era ele
um homem comum; no entanto, à
nossa frente, valia por duas personalidades masculinas numa só representação. Dois
Espíritos exteriorizando impulsos
aviltados, complementando paixões idênticas na mesma tônica da afinidade
total.
Neves fitou-me, espantado. Mas,
não era só
ele, menos experiente, que jazia transido, amarrotado.
Nós também, acostumados, no plano espiritual, aos embates do sentimento,
alimentávamos aflitivas apreensões.
Aquele quarto,
dantes povoado pelos
devaneios doridos de
uma criança, metamorfoseara-se em
jaula, onde Cláudio
e o vampirizador,
singularmente brutalizados pelo desejo infeliz, constituíam juntos uma
fera astuciosa, calculando o caminho mais fácil de alcançar a presa.
Um clarividente reencarnado
que contemplasse o
dono da casa,
naquela hora, vê-lo-ia noutra
máscara fisionômica.
A incorporação medianímica,
espontânea e consciente,
positivava-se em plenitude selvagem.
O fenômeno da
comunhão entre duas
inteligências —uma delas, encarnada,
e a outra,
desencarnada —, levantava-se,
franco; ainda assim, desdobrava-se tão
agreste quanto o
furacão ou a
maré, que se expressam por forças
ainda desgovernadas da
Natureza terrestre, não
obstante a ocorrência,
do ponto de vista humano, efetivar-se na suposta mudez do plano mental.
Para nós, porém,
não se instituíam
apenas as formas-pensamentos, dando conta das intenções libertinas da dupla
animalizada, com estruturas, cores, ruídos e movimentos correlatos;
amedrontava-nos igualmente escutar
as vozes de
ambos, em diálogo, claramente perceptível.
As palavras escapavam do crânio de Cláudio, aparentemente
silencioso para a filha adotiva, qual se a cabeça dele estivesse transfigurada numa
caixa acústica de aparelho radiofônico.
Magnetizador e magnetizado denotavam sensualidade do mesmo
nível.
Refletindo na corrida à garrafa, momentos antes, avaliávamos
o perigo aberto à menina indefesa. A diferença, ali, é que Cláudio ainda
encontrava recursos a fim de parlamentar, dentro da hipnose — hipnose que ele,
aliás, amimalhava.
Discorria o obsessor, comovendo-o, no intuito patente de
arruinar-lhe os restos do escrúpulo, através da emoção:
— Agora, agora sim!... O amor, Cláudio, é isto... Esperar,
por vezes, anos a fio, para dominar a
felicidade num simples
minuto. Existem mulheres
aos milhões; entretanto, esta é a
única. A única que nos poderá, enfim, aplacar a sede. Pontos de apoio
alongam-se em toda parte, mas o pássaro viaja, léguas e léguas, suspirando por
descansar na penugem do próprio ninho... Na fome física, todo alimento serve, mas
no amor... No amor, a felicidade é semelhante ao aro de que o homem possui a metade
e a mulher detém a outra. Para que a euforia vibre perfeita no círculo, é imperioso
que as metades sejam da mesma substância. Ninguém alcança a fusão de um pedaço
de ouro com
um pedaço de
madeira. Paganini tocou
numa corda só; entretanto, a corda se harmonizava com ele. Jamais
arrancaria no mundo o menor sinal do próprio gênio, se apenas dispusesse para o
violino das cordas de cânhamo, ainda mesmo que essas cordas o desafiassem a
toneladas. Cada homem, Cláudio, para
realizar-se nos domínios
da vitalidade e
da alegria, há
de encontrar a
mulher magnética que lhe
corresponde, companheira na
afinidade absoluta, capaz
de lhe oferecer a plenitude
interior, que transcenda convenções e formas ... (3)
Pausava-se a voz,
por segundos, para
continuar, suplicante, proclamando sofismas arguciosos:
— Vamos! Marita é
nossa, nossa!... Somos
homens sequiosos, sofredores...
Apiedamo-nos de enfermos
abandonados,
administrando-lhes remédio seguro; somos o apoio certo de mendigos que
tropeçam às tontas... Acaso,
mereceremos simpatia menor?
Os que enlouquecem, esfaimados de
ternura, serão piores
do que os
infelizes, a se estirarem na rua por falta de
pão? Você, Cláudio,
tem amargado angustiosa
carência. Um pedinte
na praça não tem
leve pitada de
suas aflições. De
que valem vencimentos
fartos e experiências de lupanar,
quando o amor verdadeiro grita insatisfeito na carne? Você vive no lar, à moda
de cão na sarjeta. Escoiceado, ferido... Marita é a compensação.
O cultivador,
porventura, não tem direito ao fruto que amadurece? Você abrigou esta menina
nos braços, embalou-a
no peito; viu-lhe
o crescimento, como
quem acompanha a evolução
da flor que
desabrocha, e acabou
descobrindo nela o seu tipo. Não
estará você cansado
de vê-la e
desejá-la, ardentemente, todos
os dias, resignando-se ao
suplício da distância, vivendo tão perto?
— Criei-a, no entanto,
como sendo minha
própria filha... —
suspirou Cláudio, crendo falar
para si mesmo.
— Filha? — insistiu o sedutor. — Mero artifício social.
Apenas mulher. E quem assegurará que ela também não espera por seu beijo com a
sede da corça, presa ao pé da fonte? Você não é nenhum neófito; sabe que toda
mulher estima render-se, em trabalhosa porfia.
Conjeturando-se
dividido mentalmente em
duas personalidades distintas,
a de pai e a de enamorado,
Cláudio argumentou, desencorajando-se.
Não desconhecia que
a moça já
se revelara. Elegera
Gilberto, o rapaz
com quem se
dava a passeios
freqüentes. Era impossível
que o amasse,
a ele, Cláudio, em
segredo. Não alentava
dúvidas. Ciumento, acompanhara-os, discretamente, em
excursões domingueiras, sem
que lhe desconfiassem
da presença ou do zelo ofendido. Nunca lhes ouvira as palavras;
entretanto, apanhara-lhes, às ocultas,
os gestos equívocos.
Admitia-se com razão
para convidar o estouvado
a compromisso. Calculara,
calculara. Todavia, quando
se inclinava a pedir
conselho de autoridades
policiais, chocara-se com
o imprevisto. Homem
de prolongada vida noturna, passou a esbarrar com a filha, em recantos
de prazer, não apenas na companhia
de Nemésio Torres,
o cavalheiro que
desempenhava, junto dela, a
função de chefe,
mas igualmente com
Gilberto, o filho,
em posição comprometedora. Os
desregramentos de Marina,
desde muito, se
haviam tomado para ele
em calamidades inevitáveis.
A principio, atormentara-se. Pai
contundido pela licenciosidade em família.
Contudo, Márcia, a
esposa, ditava os
figurinos. Nos primeiros
tempos do consórcio, emergira
entre ambos a
muralha da discórdia,
da discórdia que
lhes emanava do âmago, em ondas torvelinhantes de aversão instintiva,
cuja existência não haviam sequer pressentido, de leve, antes do casamento.
De começo, rixas
e discussões. Depois,
a indiferença, o
cansaço total um do outro. Aventuras unilaterais. Cada qual em seu caminho.
Marina, evidentemente, seguira a trilha materna.
Desligara-se dele. Classificava a filha, em seu juízo de homem, por mulher livre; contudo,
tolerável no lar, enquanto exercesse a profissão
que lhe assegurava
sustento às fantasias.
Em casa, habitualmente reuniam-se à mesa, a esposa, Marina e ele, à
feição de três animais inteligentes, dissimulando o desprezo recíproco, através da
convenção ou do chiste.
No conceito dele,
porém, Marita definia-se
à parte. Flor no
ramo espinhoso daqueles antagonismos flagelantes.
Afastara-a, intencionalmente, na direção do serviço.
Inventara meios de obrigá-la a tomar
refeições em Copacabana,
para que as
picuinhas do círculo
doméstico, no Flamengo, não lhe torturassem o espírito.
Espiava-lhe os passos, ouvia-lhe os chefes.
Uma vez instalada no exercício da nova condição, ele mesmo,
quanto possível, manter-lhe-ia a independência.
Amando-a com entranhado carinho mesclado de egoísmo
tirânico, feriam-lhe as humilhações que a esposa e a filha não regateavam a ela, no
trato mais íntimo.
Queria-a para ele, com a ternura de um pombo e com a
brutalidade de um lobo.
Não concordava lhe dessem a beber afronta ou sarcasmo. Tais
atitudes acabaram revestindo-a de liberdade
mais ampla, que
Marita utilizava no
culto afetivo a
Gilberto, de vez que, por vocação, se distanciava de festas. Márcia e
Marina, sempre mais absorvidas nas
extravagâncias em que
se inculcavam por
duas irmãs doidivanas, nem deram por isso. A ausência dela como que as
aliviava de um peso.
Certificando-se
de que não
lhe dobrariam o
caráter, acusavam-se felizes
por não serem induzidas a suportar-lhe a fiscalização.
Embrenhado nos raciocínios que lhe derivavam, rápidos, do
ligeiro auto-exame, sob o controle do vampirizador que o influenciava,
recordava-se Cláudio de que há muitos dias concluíra que Gilberto não hesitava embair as
duas moças, e, depois de refletir maduramente, resolvera silenciar.
Não seria conveniente
sopesar as próprias
vantagens? Denunciar Marita
por jovem ultrajada redundaria
em arredar-lhe a
confiança. Apontar Marina
no páreo significava insultar a filha adotiva, aplicando-lhe temíveis
lesões de ordem moral. Ardiloso, deixava o
tempo correr, achando
preferível, a seu
ver, fosse Marita machucada pelas circunstâncias. Quando
se voltasse para
ele, fatigada e
desiludida, convertê-la-ia, talvez sem dificuldade, na
amante a que aspirava.
Engodado pelo interlocutor
que lhe era
invisível, enfileirou as
reflexões apressadas que lhe vinham à mente; no entanto, assoprado
agora por ele, deixava-se iludir por
imaginosa expectativa, formulando-se
outra espécie de
inquirições.
Envolvido nas sutilezas
do obsessor, esmerilhava
o próprio íntimo,
tentando saber se estava sendo inspirado com segurança naquela hora.
Andaria enganado? Acaso, Marita
entregar-se-ia a Gilberto,
pensando nele, Cláudio,
de quem se
afastava por escrúpulos de consciência?
Semanas havia, fizera-se
a jovem mais
esquiva.
Estranhara.
Darse-ia o fato
de recolher-lhe telepaticamente
as apreensões ou deliberara
fugir-lhe, de propósito,
a fim de
ocultar a simpatia
amorosa que, possivelmente, lhe impelia o coração de mulher a querê-lo?
Ele mesmo fornecia ao perseguidor a argumentação com que se
lhe arruinava a resistência.
Até ali, trancara,
bem ou mal,
diante da jovem, os
sentimentos que lhe transbordavam do peito. Não chegara, porém, aos limites do
enigma? Caber-lhe-ia sofrear-se até à loucura?
O hipnotizador, em cujo semblante se podia ler a desmesurada
sede de volúpia, sorriu, satisfeito, e sussurrou, mentalmente, ganhando
preponderância:
— Cláudio, compreenda. Iniciativa, em assunto de amor, não é
passo feminino.
Velho rifão: «laranja à beira de estrada não tem preço».
Disse um filósofo: «prazer sem conquista é bife sem sal.
Adiante, adiante!
Esquadrinhando o imo do companheiro, à caça de recursos com
que o próprio Cláudio lhe pudesse fortificar a posse magnética, o
obsessor, por segundos, cravou nele o olhar
penetrante. E, decerto,
exumando-lhe as desrespeitosas ilusões
em matéria de ligação
afetiva, que ele,
Cláudio, embutira na
cabeça, desde menino, começou a martelar:
— Cigarro!
Lembre-se do cigarro
e da boca!
Manita é mulher
igual às outras...
Cigarro, cigarro na
vitrina... Cigarro, cigarreira,
piteira e charuto
não escolhem comprador... A carne é flor desabrochada na terra do
espírito, só isso. O cultivador não sabe o que seja a formação essencial do canteiro, tanto
quanto desconhece o que está no
fundo da planta.
Proclamava Salomão que
«tudo é vaidade»; acrescentamos que tudo é ignorância. Entretanto, na
superfície das situações e das coisas, é possível
enxergar claramente. Flor
que ninguém colhe
é perfume que se perde. Hora de
amor desaproveitada vem
a ser pétala
no estrume. Rosa
murcha, adorno para o chão. Carne sem viço, adubo para a erva.
Aproveite, aproveite...
Percebíamos que o
desencarnado não era
simples dipsomaníaco, que o álcool apenas lhe constituía porta de escape, de vez que as palavras
que selecionava para aliciar influência e o jeito astucioso de sensibilizar o
parceiro, antes de empalmar-lhe o raciocínio, demonstravam
técnicas de exploradores
consumados das paixões humanas.
Aquele perseguidor não era vagabundo acidental.
O anseio incontido
com que impelia
Cláudio para a
jovem e a
expressão com que a fitava, apaixonadamente, pareciam chegar de muito
longe. Mas a ocasião não comportava
investigações de retaguarda.
O momento reclamava
atenção.
Necessário
contornar obstáculos, improvisar
medidas socorristas que
protegessem a triste menina desarmada.
O excêntrico dueto prosseguiu entre os dois amigos que se
entendiam, sem o concurso da boca.
O magnetizador pressionava, o magnetizado resistia.
Por fim, Cláudio avançou dois passos, quase vencido.
Idéias,
contradições, estímulos e
arrebatamentos abalroavam-se-lhe, violentamente,
no espaço estreito
do crânio. A
terrível batalha interior
de alguns instantes esmorecia. A natureza animal ampliara domínio. O
sedutor desencarnado rematava a obra.
Não mais a
gritaria de Espírito.
Não mais o
entrechoque das mudas ponderações entrecortadas a esmo.
Sim — deduzia,
transtornado —. ele
era homem, homem...
Marita, incontestavelmente
mais jovem, não
passava de mulher.
Não lhe cabia,
portanto, diminuir-se. Ela chorava, ele podia acalentá-la, aquecer-lhe
o coração.
Alucinado de lascívia,
envolveu-a em longo olhar, inferindo que,
não fossem o temor de vê-la
fugir em definitivo
e o receio
de verificar-se por
ela própria desonrado,
tomar-lhe-ia o colo
entre os braços,
qual guri destemeroso,
buscando desentranhar-lhe a ternura.
Entanto, os derradeiros arrazoados esmaeciam.
Esbarrondara-se, dentro dele, a última
trincheira que lhe
cerceava os impulsos.
Sujeitou-se de todo à direção
do vampirizador que o comandava. Colaram-se, fundiram-se,
enfim.
Marita ergueu para
ele os olhos
súplices, imitando as
atitudes da ave perseguida, para quem
não resta outra
alternativa que não
seja esperar pela piedade do atirador.
Jungido ao companheiro
infeliz, Cláudio adiantou-se,
acomodando-se, assumindo ares de
protetor, resolvido a
ultrapassar os limites
da afeição pura e simples.
— Pelo que
vejo, esse pilantra
do Gilberto vem
abusando... — sussurrou, adocicando a voz.
Em seguida, tomou-lhe
a destra pequena
entre as suas
mãos nervosas, mal disfarçando a lubricidade duplicada que o possuía.
A jovem registrou
o impacto das
forças aviltadas a
lhe requisitarem adesão, calando a repulsa.
Escutara o apontamento,
num misto de estranheza e revolta, mas,
reprimindo-se, passou a
responder, esforçando-se por
desculpar o rapaz
e atribuindo a
si o desmantelo emotivo; entretanto, à medida que o pai adotivo
dilatava a liberdade das atitudes, apagava-se-lhe a energia para a conversação, até
que silenciou, como se o interesse, ao redor do problema, houvesse desaparecido de
chofre. E, num átimo,
realinhou na mente as impressôes amargas dos tempos
últimos...
Assinalara,
havia meses, a
reservada mudança do
trato paterno. Desconcertava-se ao
perceber que Cláudio
demorava sobre ela o olhar
insistente.
Amedrontara-se. Reagira, porém, energicamente, contra si
mesma. Consagrava-lhe o respeitoso amor
de filha reconhecida
e não lhe
cabia conspurcar sentimentos sem ore mantidos imáculos, desde a intimidade da infância.
Opusera-se à suspeita.
Lutara, não queria aceitar-se visada por ele, sob a
inspiração de qualquer propósito menos digno.
Ainda assim, por mais
brandisse argumentos contra
si própria, inexplicável sensação
advertia-lhe o espírito,
exortando-a a policiar
as maneiras com
que Cláudio agora a
cercava. Pelos motivos
mais fúteis, exagerava
cuidados, multiplicando frases de dúbio sentido.
Torturada pela dúvida,
afirmava a sua
desconfiança e desdizia-se, intimamente.
Naquele
instante, porém, o
instinto de defesa
sentenciava prudência, segredava-lhe vigilância.
Pressentindo, em espírito,
a presença do
«outro», arregimentou, sem
querer, todas as suas forças na posição de alarma.
O contacto de Cláudio comunicava-lhe insegurança.
Batia-lhe o coração
desritmado, ao senti-lo
ensaiando meios de
enlaçar-se a ela, ávido de carinho.
— Não negue,
filha — entaramelou-se o
pai, um tanto
trêmulo —, não
desejo contrariá-la,
mas venho analisando,
analisando... Você não
nasceu para esse meninão
caprichoso. Compreendo você...
Não sou apenas
seu pai pelo
coração, sou também seu amigo... Esse rapaz...
Marita cobrou ânimo e, antecipando-se-lhe às ilações
reticenciosas, explicou ingenuamente que amava a Gilberto, que lhe hipotecava
confiança, que o pai estivesse tranqüilo, e acentuou, sorrindo quase, que as
lágrimas daqueles minutos não se reportavam a qualquer desgosto e sim a indisposição
orgânica indefinível.
Deduziu, de relance, que seria justo desvelar-lhe mais ampla
zona da alma, anulando mal entendidos no nascedouro, e, intencionalmente,
prosseguiu confidenciando, a expor-lhe, com lealdade, a expectativa com
que aguardava o anel esponsalício, determinada a medir as reações de Cláudio, a
fim de orientar, sem
tergiversações, a própria conduta.
Atrapalhava-se,
todavia, ao consignar-lhe
a indignação pintada
no rosto. Na meia-luz do quarto, podia ver-lhe a face congesta, nos
esgares da ira.
Compreendeu que a borrasca naquele espírito voluntarioso se
mostrava prestes a estalar; no entanto, continuou apresentando razões para
colher reações.
E a explosão do interlocutor não se fez demorar.
Cerrando os punhos, Cláudio cortou-lhe a conversa,
exclamando, irritado:
— Percebo, percebo, mas não precisa maçar-me... Estimo,
porém, que você me conheça melhor o devotamento.
Avançando na intimidade,
qual se aspirasse
a enredá-la no
próprio hálito, continuou — agindo por si e pelo «outro» — na queixa
primorosamente lavrada:
— Filha, é necessário que você me ouça, que me entenda...
E, assaltando-lhe a emotividade para esbater-lhe a
resistência:
- Você não
desconhece o que
sofro. Imagine a
tragédia de um
homem que morre, a pouco e pouco, desolado, sozinho... de um homem que
dá tudo, sem nada receber... Você cresceu, vendo isso... Infelicidade,
solidão. É impossível que não se condoa. Esta casa
é meu deserto.
Chego esfalfado, diariamente,
sem achar mão amiga. Márcia, embora
quarentona, vive de
jogatinas e festas...
Você está moça, inexperiente,
mas deve saber.
Desculpe-me o desabafo,
mas os próprios
amigosme lastimam o
drama... Estará você
em condições de
avaliar os conflitos
de um pobre diabo algemado
a companheira de
vida irregular? Ela,
porém, não me
fere com isso. No começo, o corte sangrava, mas coração calejado
não sente. Habituei-me a detestá-la.
Dar-lhe o dinheiro
que exige, para
que suma depressa,
é hoje o que me consola... Por outro lado, Marina, cujo afeto poderia
proporcionar-me algum reconforto, faz empenho de humilhar-me com a própria
devassidão! Sou um homem
falido. Dias surgem, nos quais me reconheço o palhaço mais
desditoso da Terra...
Nesse ponto, sob
o governo do
obsessor, a voz
de Cláudio entravara-se
na garganta.
Alterara-se de todo, comovido na aparência.
Com isso, amolgara-se a jovem, sinceramente compadecida, e,
concluindo que atingira o alvo a que se propunha, acrescentou, exaltado:
— Só você,
somente você me
prende ao lar
infeliz. Ainda agora,
o Banco me propôs excelente comissão em Mato Grosso; entretanto, pensei
em você e desisti...
Por você, filha, tolero os insultos de Márcia, as ingratidões
de Marina, os dissabores da profissão, os aborrecimentos cotidianos. Conseguirá você
compreender-me?
A moça suspirou,
diligenciando expulsar de
si as vibrações
de sensualidade com que a “dupla” lhe envolvia a cabeça, e falou, calma:
— Sim, papai, entendo as dificuldades que são nossas...
— Nossas! — repetiu ele, ganhando novas energias para chegar
à meta —, sim, minha filha, as dificuldades são nossas, mas é preciso que
você saiba que nossas também devem ser as esperanças e as alegrias. Anseio pelo
instante em que você me veja não exclusivamente por pai...
Atentando no olhar
da infortunada menina
que se tocara
de imenso espanto, acentuou num supremo esforço por revelar-se:
— Marita, pareço um velho, mas você me faz jovem... O
coração é seu, seu...
O obsessor, com trejeitos de lascívia, prelibava o lance
final.
Marita, no entanto,
percebendo a intenção
inequívoca do homem
apaixonado, que arrojava o rosto maduro e bem tratado sobre o dela,
intentou recuar.
— Não, não! — gemeu, suplicante, ao sentir-lhe o hálito.
Cláudio, porém, cujas forças jaziam somadas à valentia do
«outro», enlaçava-lhe o busto, copiando o procedimento de um jovem mal comportado.
Qual se houvéramos combinado previamente a defesa. Neves e
eu saltamos na direção dela, ofertando-lhe
as mãos, para
que pudesse arrancar-se,
e a vitima, crendo apoiar-se nos
próprios recursos, conseguiu
levantar-se num prodígio
de ligeireza,
estacando, à frente
dele, que a
fitava, agora, com
a expressão desconfiada de um animal repentinamente ferido.
— Papai, não me faça mais infeliz... Poupe-me a
humilhação!...
O dono da casa, ao impacto da recusa imprevista, pareceu
desligar-se do amigo desencarnado,
lembrando a fera que se
desvencilhasse, de inopino,
do encantamento
mantido pelo domador;
entretanto, o parceiro
trazia uma carga
de paixão vigorosa demais
para desistir facilmente.
Retomou, impetuoso, o
próprio domínio, a ponto de antepor a máscara fisionômica ao
semblante de Cláudio. Cerra-va os punhos,
despedia cólera letal.
Estabelecia-se pavoroso conflito
na mente de cada um. Num deles, o desapontamento e o desespero, no
outro, a malignidade e a agressão.
O pai adotivo, carregando
o estranho fardo
de angústia, mesclada
de revolta, incapaz de compreender os sentimentos contraditórios que o
faziam avizinhar-se da loucura, passou a clamar, inconsiderado:
— Isto é a explosão de muitos sofrimentos acumulados. Fiz
tudo para esquecer e não pude...
Que fazer com esta inclinação que me arrasta? Sou palha no
vento, minha filha!
Desde que a vi menina, carrego esta idéia fixa... Se eu
fosse religioso, diria que um demônio mora dentro de mim.
Um demônio que me atira constantemente sobre você. Em sua
presença, quero pensar em você, como sendo minha filha, crescida em meus
braços e não posso...
Li muitos livros de Ciência para saber o que se passa, mas o
enigma continua. Quis procurar um médico; entretanto, senti vergonha de mim
próprio... É só você que eu vejo em tudo! Odeio Márcia, desprezo Marina...
Tenho acalentado a
esperança de uma
viuvez que nunca
chega, a fim de oferecer-me a você, sem condições... Tenho ciúmes, ciúmes
que me afogam a alma em labaredas... Detesto esse rapaz leviano, inconsciente...
A voz de
Cláudio amaciara-se, adquirindo
tom lacrimoso. Identificava-se-lhe o abalo sentimental. O perseguidor duplicou em desprezo tudo o
que ele exprimia em emotividade,
provocando inesperada reviravolta.
O pai enternecido
deu lugar ao enamorado violento.
Avinagrara-se a ternura,
semelhando calda azedada.
Revelando súbito transtorno,
deitou à filha
adotiva um olhar
de escárnio, traumatizando-a de
horror, a esbravejar, dementado:
— Não, não
posso humilhar-me assim.
Você sabe que
não sou nenhum
tonto.
Há quinze dias,
acompanhei vocês dois
a Paquetá, sem
que me vissem...
Segui-lhes o passo
descuidado e feliz,
como se eu fosse um
cão escoiceado pelo destino... Ao cair da noite, vi quando vocês dois se
enlaçaram, trocando promessas e falando bobagens, na Ribeira... Arrastei-me no matagal e
vi tudo... Desde então, enlouqueci...
Pelo jeito, vocês
andam acanalhados, há
muito tempo... Você!
você, que eu supunha intangível, entregue a um menino doido!...
Ingênua! Julga que não tenho motivos para expulsá-la! Você imagina que me falta
coragem para chamar às contas esse filho de papai rico»?
Alterando o tratamento paternal de que se valia, rugiu,
brutalizado:
— Marita, fique
sabendo que você
agora não é
mais criança! Você
é apenas mulher, não passa de mulher, mulher...
A jovem soluçava.
Reconhecendo-se descoberta nas
mais íntimas nuanças
da conduta impensada, não ousava erguer a fronte.
Neves, incapaz de remover o próprio assombro, abeirou-se de
mim, rezingando:
— Você está vendo? Este homem será louco ou desbriado?
Temendo-lhe a impulsividade, fi-lo recordar as atitudes
ponderosas e cristãs do irmão Félix, informando,
discretamente, que me
achava em oração,
a exorar o auxílio da esfera
superior, porqüanto, ali,
não dispúnhamos de
maiores recursos para impedir um assalto passional de penosas conseqüências.
— Oração? —
chasqueou o companheiro,
positivamente desencantado — não creio que os anjos se ocupem de casos como este. Aqui, meu
amigo, e em outros lugares onde tenho visto muito bicho velho fantasiado de
gente, só a polícia...
Efetivamente, os anjos
pessoalmente não nos
atenderam às rogativas silenciosas, enunciadas desde o início da cena desagradável;
no entanto, o socorro apareceu.
Ouviu-se barulho de
ferrolho em ação
e alguém penetrou
em casa, ruidosamente.
Sobreveio o choque providencial.
Cláudio, em sobressalto, desligou-se do hipnotizador, que se
lhe postou de lado, um tanto desenxabido.
— Que é que há?
Marita cobrou energias,
regressando ao leito,
enquanto o chefe
do lar se recompunha à pressa.
Espantados, notamos, porém, a surpreendente capacidade de
fabulação da qual Nogueira dava mostras. Ele próprio, sem qualquer ingerência
do obsessor, começou a tramar em pensamento a desculpa com que se justificaria.
Agindo quase que
mecanicamente, libertou a
porta que havia
prendido, perspicaz, abriu janela próxima e, de imediato, esbelta
senhora surgiu, indagando, apreensiva:
— Que é que há?
Tratava-se da esposa que voltara, de imprevisto.
Dona Márcia alegava
susto, asseverando ter ouvido
um vozeirão ao
chegar.
Cláudio, no entanto,
repondo a máscara
das conveniências, entornou
pela boca a versão que inventara, ali, naquele momento, diante de nós.
Fixou a moça, de modo significativo, e tranqüilizou a
senhora, dizendo-lhe, com a maior sem cerimônia, que
chegara a casa,
momentos antes, encontrando
o gás do fogão a volatilizar-se.
Fechara as saídas
que a cozinheira
deixara abertas e
exortou a que
se lhe chamasse a atenção,
no dia seguinte.
Dona Justa, a
companheira do serviço doméstico, devia examinar
os aparelhos da
casa, minuciosamente, antes
de se retirar.
Acentuou que, atemorizado,
descerrara as janelas,
arejando o ambiente.
Quando envergava o pijama, aduziu com absoluta seriedade a
lhe transparecer do semblante,
ouvira gemidos agoniados.
Correu ao aposento
das meninas, surpreendendo Marita a gritar, inconsciente. Sonâmbula,
sonâmbula como sempre...
Acordara-a, atarantado, averiguando, porém, que tudo estava
em ordem.
A jovem, mergulhada na penumbra, cobriu o rosto com o lenço
para ocultar as lágrimas,
abandonando-se à inércia,
como se transferisse
a cabeça de um sono para outro.
A recém-chegada riu-se, sem suspeitar, de leve, do vulcão
que faceava, e, qual se desejasse compensar-lhe a indiferença, Cláudlo, de volta
ao salão, esboçou um aceno gentil, convidando Márcia a descansar.
(3)
Compreendemos o caráter
negativo da linguagem
do Espírito desencarnado, quando
em deploráveis condições
de ignorância, mas acreditamos seja nossa obrigação
consigná-la, nestas páginas, ainda mesmo esbatida qual se encontra, prevenindo
criaturas senalveis e afetuosas, que, às vezes,
abdicam impensadamente do
próprio raciocínio, arrojando-se
em profundo sofrimento moral, em nome do coração. (Nota do Autor
espiritual.)