domingo, 30 de setembro de 2012

ESTUDO DO LIVRO " O ESPÍRITO DA VERDADE " - MARIA J. SANCHES

GUARDA-TE EM DEUS
Cap. VI – Item 8


Lembra-te de Deus para que saibas agradecer os talentos da vida.
Se fatigado, pensa Nele, o Eterno Pai que jamais desfalece na Criação.
Se triste, eleva-lhe os sentimentos, meditando na alegria solar com que toda manhã, Sua Infinita Bondade dissolve das trevas.
Se doente, centraliza-te no perfeito equilíbrio com que sua compaixão reajusta os quadros daNatureza, ainda mesmo quando a tempestade haja destruído todos osrecursos que os milênios acumularam.
Se incompreendido, volta-te para Ele, o Eterno Doador de todas as bênçãos, quantas vezes escarnecido por nossas próprias fraquezas, sem que se lhe desanime a paciência incomensurável, quanto aos arrastamentos de nossas imperfeições animalizantes. Se humilhado, entrega-lhe as dores da sensibilidade ferida ou do brio menosprezado, refletindo no celeste anonimato em que se lhe esconde a inconcebível grandeza, para que nos creiamos autores do bem que a Ele pertence, em todas as circunstâncias.
Se sozinho, busca-lhe a companhia sublime na pessoa daqueles que te seguem na retaguarda, cambaleantes de sofrimento, mais solitários que tu mesmo, na provação e na miséria que lhes vergastam as horas e lhes crucificam as esperanças.
Se aflito, confia-lhe as ansiedades, compreendendo que Nele, o Imperecível Amor, todas astormentas se apaziguam.
Seja qual for a dificuldade, recorda o Todo-Misericordioso que não nos esquece.
E, abraçando o próprio dever como sendo expressão de Sua Divina Vontade para os teus passos de cada dia, encontrarás na oração a força verdadeira de tua fé, a erguer-te das obscuridades e problemas da Terra para a rota deluz que te aponta as sendas do céu.


Emmanuel

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

ESTUDO DO LIVRO " SEXO E DESTINO " - MARIA J. SANCHES E JULIANA SOLARE



Capítulo 13 

Tornei ao Flamengo, apreensivo.
Não conseguira auscultar as minudências do plano obscuro quese formava. Os pensamentos de Cláudio e do vampirizador entrelaçavam-se em estranhos  propósitos imprecisos.
Expedi comunicação, em despacho rápido para o irmão Félix, salientando a  necessidade de nosso encontro, recolhendo-lhe a resposta, que não me alentava (5). Viria à noitinha, não mais cedo, à vista de inadiáveis obrigações.
Seria desaconselhável qualquer recurso a Neves, que sabia ocupado e, talvez, providencialmente ocupado, já que as dificuldades morais se esboçavam em labirinto e alguma ameaça de irritação nos frustraria objetivos e movimentos.
Amigos outros, de cujos préstimos seria licito dispor, jaziam longe do assunto.
Era forçoso agir só, trabalhar por mim mesmo.
O momento não comportava aflições inúteis. Necessário manejar os recursos em mão.
Para intervir sem vacilações, julguei prudente ouvir o acompanhante desencarnado, de Cláudio, que eu desconhecia de todo. A princípio, encontrára-mos dois. Entretanto, apenas um deles se mantinha (5) Diante dos microaparelhos existentes no Plano Fisico para emissão e recepção de mensagens, a longas distâncias, é desnecessário comentar as facilidades de intercâmbio no Plano Espiritual.(Nota do Autor espiritual.)
constante, aquele cuja inteligência aguçada me ferira a atenção.
Não seria justo investigá-lo, perquirir-lhe os anseios?
Rememorei experiências anteriores, em que juntamente de outros amigos desencarnados modificara a apresentação externa, através de profundo esforço mental.
Aspirava a fazer-me visível à frente daquele amigo enigmático que claramente habitava o lar dos Nogueiras.
Poderia transfigurar-me, adensando a forma, como alguém que enverga roupa diversa.
Recolhi-me em ângulo tranqüilo, à frente do mar. Orei, buscando forças.
Meditei, fundo, compondo cada particularidade de minha configuração exterior, espessando traços e mudando o tom de minha apresentação habitual.
Quase uma hora de elaboração difícil esgotou-se, até que me percebi em condições de empreender a conversação cobiçada.
Não me autorizava a perder um minuto.
Avancei, prédio acima, batendo à porta, cerimonioso.
Aconteceu como previa, porque o parceiro invariável de Cláudio veio atender.
Olhou-me, desconfiado, de alto a baixo, esquadrinhou-me os intuitos.
Humilhei-me, vulgarizei a linguagem quanto pude.
Semelhante atitude era indispensável pela minha necessidade de informações.
Atento a isso, afetei absoluto desinteresse pelos moradores do apartamento, centralizando nele o núcleo natural de minha atenção.
Expliquei andar procurando um amigo e perguntei pelo outro camarada que vira, ali, dias antes. Vira-os, juntos, precisamente naquele local, quando transitava no corredor; entretanto, passava, apressado, a peso de obrigações. Guardara, porém, a impressão de que o companheiro cujo encontro ambicionava era ele.
Esse o expediente mais simples que me ocorreu para cativá-lo, conversando com espírito de submissão e fraternidade naturais, de modo a ganhar-lhe alguma confiança e carinho.
Ele pareceu sensibilizar-se, tratou-me com a generosidade  acidental de um fidalgo que não se desmerecia por dar migalha de consideração a um mendigo.
Compleição robusta e enorme, tocou-me o ombro com a destra, ensaiando o gesto de quem se prepara a despachar, polidamente, uma pessoa importuna, e catou minudências. Analisou-me, perscrutou-me, repisando inquirições.
Inteirando-se do exato momento em que os vira reunidos  e reconhecendo os detalhes que conseguira, de minha parte, mencionar, esclareceu tratar-se de um amigo, que costumava hospedar, de vez em vez, para o reconforto de uns “drinques”. Naquele momento, contudo, não estava. Ao que sabia, recreava-se numa casa, em Braz de Pina, cujo endereço indicou.
Lamentei. Solicitei-lhe o nome, estava reconhecido à gentileza do acolhimento e tornaria ao Flamengo em outra oportunidade. Estimaria nomeá-lo com a possível intimidade quando voltasse, na hipótese de ser constrangido a perguntar por ele a desconhecidos.
Ele não se fez de rogado. Respondeu, cortês. Chamava-se Ricardo Moreira.
Em alguma necessidade, porém, bastaria que o designasse tão-só por Moreira. Era estimado, possuía numerosas relações, contava com muitas afeições no prédio. Se chegasse a vê-lo, de novo, em companhia do colega ao qual me reportava, que o sacudisse, despertando-lhe a atenção.
Até ali, tudo bem. Era necessário, entretanto, que eu  lhe examinasse as mais íntimas reações.
Imprescindível conhece do, sopesá-lo.
Acusei-me cansado, deprimido. Se ele era ali o mordomo, que me permitisse entrar, por gentileza, ainda que por instantes breves, afim de que me fosse possível refazer as forças. Ato de bondade fraterna. Nada além de alguns minutos. Carecia de ambiente humano, amigo.
Operou-se, entretanto, a reviravolta.
Vi perdida a posição que granjeara.
Moreira arremessou-me olhar terrível, que funcionou sobre mim qual punhalada vibratória.
Ajuntou frases irônicas e gritou que a casa tinha dono; que, diante dos «descascados» (6), quem mandava ali era ele; que, para atravessar a porta, seria  preciso removê-lo; que eu dispunha da rua larga para dormir; e finalizou, agressivo:
— Que tem você aqui? Dê o fora, que não vou com sua lata! Vá se catar, vá se catar!...
Nenhuma outra alternativa senão descer escadas, desabaladamente, porque avançou em minha direção, arregaçando punhos decididos.
Regressei ao aconchego do mar, entrando em prece.
Reavendo a condição que me é peculiar, voltei ao mesmo ponto.
No interior da peça, o casal acomodara-se para o almoço, com as atenções de Dona Justa, em serviço.
Moreira, que não mais me assinalava a presença, instalara-se na cadeira de Cláudio e com Cláudio, de tal modo, que, certo, se alimentava tão claramente quanto ele, através de um dos numerosos processos em que se catalogam as. A conversa entre os cônjuges deslizava, banal, mas, consultando o cérebro de Nogueira, convencemo-nos para logo de que o tema do dia circulava, (6) Um dos pejorativos pelos quais a gíria dos planos Inferiores designa os Espíritos desencarnados.(Nota do Autor espiritual.)
ativamente, no sistema de conjugação mental que prevalecia entre ele e o acompanhante.
Registrava-se-lhes o anseio por notícias que lhes facultassem conexões para o objetivo inconfessável, que começavam a entremostrar em espírito.
Agora, à mesa, a dupla exteriorizava os intentos escusos, nas formas-pensamentos em que as duas mentes enfermiças se revelavam. Tudo se aclarava, de súbito. Digeriam o plano em silêncio.
Abordariam Marita, à feição de dois caçadores, colhendo uma lebre.
Antegozavam o assalto, articulavam-se-lhes os pensamentos em lances dissolutos.
Determinavam-se a surpreendê-la, em casa de Crescina, como se apanha um fruto resguardado na árvore.
Perplexo, decifrei a trama inteira.
Cláudio ergueu a voz e, fingindo ignorar a viagem da filha, perguntou à mulher por Marina, de vez que, no fundo, queria notícias da outra.
Dona Márcia caiu, de imediato, na indução. Respondeu que ele, provavelmente, se havia esquecido de que a moça avisara, na véspera, que iria a Teresópolis, a serviço da imobiliária. O chefe, impedido, indicara-a para representá-lo em algumas transações importantes. Voltaria, sem dúvida, na manhã seguinte. Quanto a Marita, horas antes telefonara de Copacabana, solicitando para que não a esperassem ao jantar. Talvez demorasse em serviço extra, na contabilidade da loja, até mais tarde.
O marido pigarreou, mudou de assunto, comentou alguns sucessos políticos e a refeição terminou sem maiores delongas.
No intuito de colaborar com eficiência, na preservação da  harmonia geral, demandei a habitação de Crescina, onde não tive qualquer dificuldade para identificar o apartamento número quatro. Recanto isolado para casal, completamente desligado da comprida construção de um pavimento só.
A vivenda, pela extensão enorme, aparentava profunda calma; entretanto, pela ruidosa conversação dos desencarnados menos felizes, que aí bulhavam, desocupados, era possível imaginar as agitações da noite.
Depois de atenciosas idas e vindas pelo terreno, examinando situações, vi a dona da casa tomar o fone. Aproximei-me. Crescina perguntava por Gilberto, no escritório dos Torres.
Atendida, combinou visitá-lo às duas, daí precisamente a meia hora.
O programa foi cumprido em todas as sequencias previstas.
De retorno, Crescina chamou para a loja e comunicou à jovem que o rapaz escrevera. Tudo certo. Leu o bilhete, em que lhe participava a resolução de estar firme, no lugar indicado, às oito.
Que ela aguardasse, confiasse.
A pobre menina exultou e as minhas inquietações doíam agigantadas.
Necessitava desdobrar medidas de proteção; entender-me com  algum amigo encarnado, em ligação com o grupo; sugerir providências que evitassem a consumação do projeto; criar circunstâncias em que o socorro chegasse em nome do acaso, entretanto... Debalde, girei da pensão alegre ao escritório, do escritório à
loja, da loja ao banco, do banco ao apartamento no Flamengo... Ninguém estendendo antenas espirituais, com possibilidades de auxílio, ninguém orando, ninguém refletindo... Em todos os lugares, pensamentos entouçados sobre raízes de sexo e finança, configurando cenas de prazeres e lucros,  com receptividade
frustrada para qualquer interesse de outro tipo. Até mesmo um dos chefes de Marita, do qual me acerquei, tentando insuflar-lhe a  idéia de reter a jovem, no serviço, até altas horas da noite, ao sentir-lhe a imagem, na tela mental, transmitida por mim, para inicio de entendimento, acreditou estar  pensando consigo mesmo,
inclinando o assunto para questões salariais; concentrou-se,  de pronto, nas vantagens econômicas, agarrou-se a cifras, encheu a cabeça com  parágrafos da legislação trabalhista e expulsou-me a influência, sumariamente, monologando no intimo: “essa moça já percebe o suficiente, não lhe darei nem mais um centavo.”
Nenhum outro recurso senão permanecer no casarão, de sentinela.
Inúteis as diligências.
Ás sete e trinta da noite, Cláudio apresentou-se com esmero, sem mesmo esquecer-se de uma peruca leve que lhe remoçava as linhas fisionômicas.
Solerte, espiou a vivenda de Crescina, a pequena distância. Ele e o outro.
Moreira não parecia menos interessado.
Acompanhei-os.
O marido de Dona Márcia, aperaltado, buscava um telefone, que não teve dificuldade para encontrar. Café vizinho facilitava. Discou, chamando Fafá, o porteiro da pensão, que ficáramos conhecendo em nossas investigações cordiais, durante o dia. Atendido, rogou-lhe que fosse encontrá-lo, confidencialmente.
Questão de negócio. Não se arrependeria do segredo. Riram-se pelo fio.
O empregado, velho bonachão que o álcool já começava a excitar naquelas horas verdes da noite, veio à pressa. Atencioso e sabido, conquanto guardasse um sorriso de bondade, parado no rosto, que tanto podia ser para o bem como para o mal, inclinou o ouvido para a boca de Cláudio, a fim de escutar melhor. Nogueira cochichou, solene. Solicitava-lhe concurso urgente. Precisava esclarecer-se quanto aos jovens que se reuniriam no «quatro». A moça era sua filha. Não faria barulho, não escandalizaria a ninguém, mas desejava certificar-se. Nada de complicações.
Necessário reconhecer o desencaminhador, de maneira a solucionar o problema de família, sem alarde. Recorria aos préstimos  dele, companheiro dedicado. Não lhe dispensaria a colaboração.
Fafá disse compreendê-lo e participou que a menina esperada já se instalara.
Vira-a sozinha, através da porta semicerrada. Estava sentadano leito, folheando revistas. E, ante as perguntas que se acumulavam, confirmou que era a jovem, vista por ele, cedinho, em conversação com a mundana. Sim, guardara-lhe o nome. Era Marita, sim.
Fez-se Cláudio mais reservado e pediu-lhe «blecaute». Que o porteiro lhe fizesse o favor de desajustar o fusível, na instalação elétrica, o conserto exigiria uns quinze minutos de sombra. Isso bastava para que se inteirasse de tudo, sem que a patroa e os hóspedes lhe percebessem a presença. Colocar-se-ia no escuro, em ângulo oposto à iluminação pública, e, assim, facilmente identificaria o rapaz.
O serventuário, não obstante semi-embriagado, fixou expressão matreira e salientou que era problema sério, aquele. Satisfaria ao chefe, mas bico calado.
Nada de envolver-se com os tiras.
Cláudio deixou escorregar para a mão dele duas cédulas de quinhentos cruzeiros, e Fafá, menos inquieto, indagou pelo horário exato, ao que Nogueira aclarou, afirmando faltar unicamente dez minutos, de vez  que aguardaria a luz apagada, as oito em ponto.
Separaram-se os dois e, quando me perdia em dolorosas conjeturas, revigoradora surpresa me visitou o espírito. Dera apenas alguns passos na rua e fui agradavelmente defrontado pelo irmão Félix, que me abraçava.
Comovi-me. Revê-lo e confiar-lhe todas as inquietações foi trabalho de segundos.
Nas minhas frases curtas, o instrutor recolheu todo o material informativo.
Sem detença, rumamos para a vivenda coletiva, cujas lâmpadas esmoreceram, de chofre, quando lhe transpúnhamos a entrada. Tive a idéia de que o acontecimento era comum, porqüanto a escuridão não estabeleceu o menor alarme.
Velas bruxuleantes piscavam, aqui e ali.
Tomamos a direção do aposento isolado.
Cláudio estacara à porta, enlaçado pelo vampirizador. Ambos justapostos um ao outro. Dupla de sentimentos e propósitos iguais. Ambos emocionados, corações pulsando precipites, prelibavam a caça que não lhes escaparia. A distância reduzida, notei que os dois se postavam sob o halo das energias balsâmicas de  Félix; entretanto, o admirável fenômeno para eles era como se não existisse.
Diante do quadro inquietante e enternecedor, imaginei comigo fitar dois lobos humanizados, aos quais piedoso emissário dos Céus tentasse, inutilmente, entregar a palavra e a inspiração de Jesus-Cristo.
Enrodilhavam-se os dois num charco mental de lascívia, com tamanha sofreguidão, que não cabia ali, naquele vulcão de apetites sexuais, a menor frincha pela qual se pudesse arremessar alguma idéia de elevação.
Agressivo perfume de cravos me invadiu o olfato desprevenido. Onde sentira, naquele dia, um cheiro igual? Recordei, espantado. Aquele era o extrato usado por Gilberto. Conhecera-o, na palestra do Lido. Minudenciei observações e reconheci que Nogueira tivera igualmente o cuidado de usar indumentária, em tudo semelhante à do moço, inclusive a gravata, quanto ao nó e ao tamanho. Nenhuma particularidade fora esquecida. Antes que Félix e eu pudéssemos estudar medidas de contenção, a dupla avançou quarto a dentro.
Nós, que podíamos enxergar na obscuridade, vimos a pobre  menina levantar-se, sussurrando frases de arrebatadora paixão e de intensa saudade, abrindo, ansiosa, os braços, sem guardar para si o mínimo resquício de vigilância...
Acreditava-se diante do amado... Era ele, não devia recear...
Naquele instante, em todas as suas intenções e em todos os seus nervos, um pensamento só, um apelo só entregar-se...
Cláudio e o outro, a fremirem de emoção, mantinham absoluto silêncio.
Nada que pudesse evitar a integração indesejável.
Nogueira, agindo por si e pelo acompanhante, atraiu-a, de encontro ao peito, e beijou-a, convulso.
A indefesa criança, hipnotizada pelos próprios reflexos, abandonou-se, vencida...
Irmão Félix, tangido por sentimentos que eu não poderia avaliar, deixou o recinto e acompanhei-o.
Atingindo o degrau externo da porta de entrada, vi que o benfeitor, transido, se deteve, de olhos fitos no céu... Quanto a mim, conturbado, não me sentia capaz de articular uma prece. Nada pude fazer senão calar-me, reverente, perante o agoniado coração paterno, que vinha das esferas superiores para desmanchar-se ali, em suplício indizível, velando, através da oração muda que lhe extravasava agora em grossas lágrimas!...
Homens, irmãos, ainda que não possais viver santamente, à face dos instintos inferiores que nos atenazam as almas, animalizadas ainda por duros gravames do passado culposo, reduzi, quanto puderdes, as quedas de consciências! quando não seja por vós, fazei-o pelos mortos que vos amam de uma vida  mais bela!...
Disciplinai-vos, em respeito a eles, guardiães invisíveis que  vos estendem as mãos!... Pais e mães, esposos e esposas, filhos e irmãos, amigos e companheiros, que supondes perdidos para sempre, em muitas ocasiões vos acompanham de perto, acrescentando-vos a alegria ou partilhando-vos a dor!... Quando estiverdes a ponto de resvalar, nos despenhadeiros da delinquência, pensai neles! Ser-vos-ão generosos, indicando-vos o caminho, na noite das tentações,  à feição das estrelas que removem as trevas! Vós que sabeis reverenciar as mães e os  mestres encanecidos na abnegação, que ainda respiram no mundo, compadecei-vos também dos mortos, transfigurados em afetuosos cireneus, a  nos compartirem as cruzes das provações merecidas, em dorido silêncio, quando, muitas vezes, não somos dignos de oscular-lhes os pés!...
Diante de Félix, em pranto amargo, meu coração, imperfeito e pobre, passou então a recorrer ao Evangelho e confortei-me ao lembrar que Jesus, o Divino Mestre, fora também o amigo sensível e carinhoso, ao chorar, um dia, na Terra, ante Lázaro, morto!...
Decorridos quase vinte minutos de expectação, a luz reapareceu e ouviu-se um grito agoniado, em que o espanto e a dor se mesclavam com terrível acento.
Marita, com a rapidez de uma corça dilacerada, saltou a janela, em sentido oposto, e disparou em desalinho...
Antes, porém, que nos fosse possível esboçar qualquer socorro, alguém chegou, apressadamente, e abordou a porta do solitário  aposento, espancando-a com fúria. Esse alguém era Dona Márcia.
Nogueira, assistido pelo amigo desencarnado, recompôs-se num átimo e, ao esbarrar com a esposa, fez um risinho ridicularizador, exclamando, mordaz:
— Era só o que faltava!... Você também? Aqui?...
Dona Márcia, que costumava entreter-se no pôquer, junto de amigas, não longe da pensão de Crescina, com quem mantinha relações de amizade, fora imediatamente informada por ela quanto à chegada do  marido, com a observação de que ele talvez entrasse em rixa acirrada com os jovens.
O porteiro, receando complicações, aviara-se, diligente, comunicando à patroa quanto sabia, e a patroa, a seu turno, julgando que amoça e Gilberto estivessem reunidos, não hesitara invocar a presença da amiga, no intuito de conjurar possíveis desastres.
A senhora Nogueira, ao chegar, inquieta, vira a filha  adotiva que debandava e, em topando o marido, desapontado, saindo a sós, entendeu, num relance, tudo o que se passara...
— Canalha! — bradou, indignada — eu não acreditei nessa menina infeliz! Eu que poderia ter evitado!...
E a voz da recém-chegada assumiu dolorosa inflexão:
— Como é que você não pensou? Tenho comigo todos os papéis de Aracélia, todos os seus bilhetes... Ela nunca esteve com outro homem,  a não ser você  mesmo!... Você nunca soube da última carta, em que ela me entregava a menina, dizendo que preferia morrer para que eu fosse feliz!...A memória dessa moça pobre e leal é a única coisa boa que eu tenho no coração... O resto você destruiu...
Ah! Cláudio, Cláudio!... a que baixezas descemos nós?...  Louco! Você ultrajou sua própria filha!...
Ele apoiou-se, cambaleante, na porta, como que fulminado por um raio, Dona Márcia prorrompera em soluços; entretanto, de nossa parte, era forçoso sair.

domingo, 23 de setembro de 2012

ESTUDO DO LIVRO " O ESPÍRITO DA VERDADE " - MARIA J. SANCHES

O ESPIRITISMO PERGUNTA
Cap. I – Item 9


Meu irmão, não te permitas impressionar apenas com as alterações que convulsionam hoje todas as frentes de trabalho e descobrimentos na Terra.
Olha para dentro de ti mesmo e mentaliza o futuro.
O teu corpo físico define a atualidade do teu corpo espiritual.
Já viveste, quanto nós mesmos, vidas incontáveis e trazes, no bojo do espírito, as conquistas alcançadas em longo percurso de experiências na ronda de milênios.
Tua mente já possui, nas criptas da memória, recursos enciclopédicos da cultura de todos os grandes centros do Planeta.
Teu perispírito já se revestiu com porções da matéria de todos os continentes.
Tuas irradiações, através das roupas que te serviram, já marcaram todos os salões da aristocracia e todos os círculos de penúria do plano terrestre.
Tua figura já integrou os quadros do poder e da subalternidade em todas as nações.
Tuas energias genésicas e afetivas já plasmaram corpos na configuração morfológica de todas as raças.
Teus sentidos já foram arrebatados ao torvelinho de todas as diversões.
Tua voz já expressou o bem e o mal em todos os idiomas.
Teu coração já pulsou ao ritmo de todas as paixões.
Teus olhos já se deslumbraram diante de todos os espetáculos conhecidos, das trevas do horrível às magnificências do belo.
Teus ouvidos já registraram todos os tipos de sons e linguagens existentes no mundo.
Teus pulmões já respiraram o ar de todos os climas.
Teu paladar já se banqueteou abusivamente nos acepipes de todos os povos.
Tuas mãos já retiveram e dissiparam fortunas, constituídas por todos os padrões da moeda humana.
Tua pele, em cores diversas, já foi beijada pelo Sol de todas as latitudes.
Tua emoção já passou por todos os transes possíveis de renascimentos e mortes.
Eis por que o Espiritismo te pergunta:
– Não julgas que já é tempo de renovar?
Sem renovação, que vale a vida humana?
Se fosse para continuares repetindo aquilo que já foste e o que fizeste, não terias necessidade de novo corpo e de nova existência – prosseguirias de alma jungida à matéria gasta da encarnação precedente, enfeitando um jardim de cadáveres.
Vives novamente na carne para o burilamento de teu espírito.
A reencarnação é o caminho da Grande Luz.
Ama e trabalha. Trabalha e serve.
Perante o bem, quase sempre, temos sido somente constantes na inconstância e fiéis à infidelidade, esquecidos de que tudo se transforma, com exceção da necessidade de transformar.


Militão Pacheco

domingo, 16 de setembro de 2012

ESTUDO DO LIVRO " O ESPÍRITO DA VERDADE " - MARIA J. SANCHES

CRIANÇAS DOENTES
Cap. VIII – Item 3


Acalentas nos braços o filhinho robusto que o lar te trouxe e, com razão, te orgulhas dessa pérola viva. Os dedos lembram flores desabrochando, os olhos trazem fulgurações dos astros, os cabelos recordam estrigas de luz e a boca assemelha-se a concha nacarada em que os teus beijos de ternura desfalecem de amor.
Guarda-o, de encontro ao peito, por tesouro celeste, mas estende compassivas mãos aos pequeninos enfermos que chegam à Terra, como lírios contundidos pelo granizo do sofrimento.
Para muitos deles, o dia claro ainda vem muito longe...
São aves cegas que não conhecemo próprio ninho, pássaros mutilados, esmolando socorro em recantos sombrios da floresta do mundo... Às vezes, parecem anjos pregados na cruz de um corpo paralítico ou mostram no olhar a profunda tristeza da mente anuviada de densas trevas.
Há quem diga que devem ser exterminados para que os homens não se inquietem; contudo, Deus, que é a Bondade Perfeita, no-los confia hoje, paraque a vida, amanhã, selevante mais bela.
Diante, pois, do teu filhinho quinhoado de reconforto, pensa neles!... São nossos outros filhos do coração, que volvem das existências passadas, mendigando entendimento e carinho, a fim de que se desfaçam dos débitos contraídos consigo mesmos...
Entretanto, não lhes aguardes rogativas de compaixão, de vez que, por agora, sabem tão-somente padecer e chorar.
Enternece-te e auxilia-os, quanto possas!...
E, cada vez que lhes ofertes a hora de assistência ou a migalha de serviço, o leito agasalhante ou a lata de leite, a peça de roupa ou a carícia do talco, perceberás que o júbilo do Bem Eterno te envolve a alma no perfume da gratidão e na melodia da bênção.


Meimei

domingo, 9 de setembro de 2012

ESTUDO DO LIVRO " O ESPÍRITO DA VERDADE " - MARIA J. SANCHES


EDUCAÇÃO 
Cap. VIII – Item 4 

O amor é a base do ensino. 
Professor e aluno, cooperação mútua. 
O auto-aprimoramento será sempre espontâneo. 
Disciplina excessiva, caminho de violência. 
A curiosidade construtiva ajuda o aprendizado. 
Indagação ociosa, dúvida enfermiça. 
Egoísmo n’alma gera temor e insegurança. 
Evangelho no coração, coragem na consciência. 
Cada criatura é um mundo particular de trabalho e experiência. 
Não existe vocação compulsória. 
Toda aula deve nascer do sentimento. 
Automatismo na instrução, gelo na idéia. 
A educação real não recompensa nem castiga. 
A lição inicial do instrutor envolve em si mesma a responsabilidade pessoal do aprendiz. 
Os desvios da infância e da juventude refletem os desvios da madureza. 
Aproveitamento do estudante, eficiência do mestre. 
Maternidade e paternidade são magistérios sublimes. 
Lar, primeira escola; pais, primeiros professores; primeiro dia de vida, primeira aula do filho. 
Pais e educadores! Se o lar deve entrosar-se com a escola, o culto do Evangelho em casa deve unir-se à matéria lecionada em classe, na iluminação da mente em trânsito para as esferas superiores de Vida. 

André Luiz

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

ESTUDO DO LIVRO " SEXO E DESTINO " - MARIA J. SANCHES E JULIANA SOLARE



Capítulo 12 


Neves e eu permutávamos conjeturas, quando alguém nos abraçou, de afetuosamaneira.
Era o irmão Félix, a despedir-se.
Espírito admirável pela abnegação e pela ciência, reverenciado por todos os seareiros do bem, onde passasse, em se referindo aos protagonistas do drama familiar que se nos oferecia à atenção, apresentava os olhos marejados de pranto.
Via-se-lhe, não somente a piedade fraterna, mas também o imenso amor àquelas quatro almas, reunidas ali, naquele aprazível recanto do Rio.
Parados, agora, respirando as aragens que encrespavam docemente as águas da Guanabara, enquanto o céu da madrugada imprimia mais amplo realce às estrelas, enternecia-nos reconhecer-lhe o paternal carinho, qual se fora um homem comum descansando conosco, à frente do mar.
Tão grande e tão puro o devotamento de que dava mostras, ao descerrar-nos os tesouros do coração, através das palavras, que o próprio Neves, irrequieto às vezes, ao escutar-lhe as apreciações, cumpria espontaneamente  o que prometera.
Nenhuma observação impulsiva, nenhuma interjeição impensada.
A atitude do instrutor, ao deter-se nas lutas escabrosas do plano físico, educava cativando.
Elevação em cada frase, luz do sentimento em cada idéia.
Conquistava, sem pedir, o nosso interesse na prestação de assistência voluntária ao lar de Cláudio, cuja estabilidade periclitava, na conceituação dele mesmo.
Compadecia-se — elucidava, prestimoso — daquelas quatro criaturas, atiradas ao oceano da experiência terrestre, sem a bússola da fé.  A princípio, esforçara-se por abrir-lhes um caminho espiritual, mas debalde. Afundavam-se em profundanévoa de ilusão, hipnotizados pelas gratificações transitórias dos sentidos carnais, ao jeito de passarinhos agarrados à casca apodrecida de um  fruto, sem a mínima disposição de consultar a saborosa riqueza da polpa.
Descobrindo algo mais à própria intimidade, relatou-nos que vira Cláudio renascer, que acompanhara Dona Márcia no berço, que seguira, de perto, areencarnação de Marina e Marita, deixando ver nas reticências as lágrimas que semelhantes realizações lhe haviam custado, sem alardear virtude ou superioridade, em torno dos empeços vencidos.
Hipotecara dedicação, amizade, confiança e tempo, a fim de entrosá-los em alguma obra de benemerência, de maneira a cultivar-lhes a espiritualidade latente; no entanto, Cláudio e Márcia, de novo no estágio físico, sob o esquecimento inevitável e providencial do pretérito, haviam recapitulado certas experiências infelizes.
No mundo espiritual, antes de recomeçarem o trabalho terrestre, analisando asnecessidades e os remorsos que lhes atenazavam as consciências, haviam prometido empregar o prêmio da internação no veículo carnal, edificando a sublimação íntima e corrigindo excessos de outras épocas,  através do suor no serviço ao próximo; contudo, imperfeitamente chegados à juventude das forças corpóreas, tinham abraçado paixões que lhes frustravam todas as possibilidades delibertação próxima. Ele, Félix, e outros companheiros empenhavam-se em auxiliá-los, mas infrutiferamente. Os quatro resistiam a toda espécie de sugestão reparadora; repeliam, de pronto, qualquer projeto construtivo.
Nobres amigos de outras eras, aplicados a estender-lhes apoios preciosos, acabaram desiludidos, largando-os ao próprio arbítrio.
Cláudio e Márcia, principalmente, ao elegerem o dinheiro e o sexo desgovernados por chaves dos próprios dias, nada mais estavam conseguindo quedesajustar os fundamentos da tranqüilidade doméstica. Em  razão disso, Marina eMarita não obtinham alicerces para a felicidade real. Jovens ainda, complicavam-se as duas em perigos e tentações, de que muito dificilmentese desvencilhariam, semdolorosas marcas na alma.
Tamanha se evidenciara a rebeldia de Cláudio que, naquela hora significativa eameaçadora da existência, não contava, além da Providência Divina, senão comraros amigos. Ainda assim, esses amigos — acrescentava modesto, certamente ponderando quanto às dificuldades dele mesmo — não se viamcom direito asolicitar socorros especiais e, absorvidos por responsabilidades  numerosas, achavam-se na contingência de apenas dispensar-lhe auxilios esporádicos, incertos.
Compreendemos onde o benfeitor categorizado e humilde se propunha chegar e adiantamo-nos, prometendo nossa adesão decidida ao programa assistencial que ele delineasse.
Dispúnhamos de oportunidade, não nos seria difícil.
Além do tempo que me era licito despender, atento à concessão dos meussuperiores para colaborar em apoio de Neves, possuía um requerimento em trânsito, junto das autoridades competentes, para que me fosse concedido umestágio de dois anos, em alguma das organizações destinadas,em Nosso Lar (4), aos serviços de psicologia sexual, com finalidades reeducativas, e ciente de que ele, irmão Félix, responsabilizava-se pela direção de um dos melhores institutos dessegênero, pedia-lhe, por minha vez, me endossasse a petição.
Sentir-me-ia feliz com o ensejo de estudar e trabalhar, assimilando-lhe a experiência e recebendo-lhe o patrocínio.
O instrutor reafirmou a sua simplicidade, declarando quea obra pela qual respondia talvez não pudesse satisfazer-nos a expectativa, mas  obrigava-se — acentuava Félix, sem alarde — a favorecer-nos os estudos que intentaríamos.
Notando-me o entusiasmo, Neves não vacilou compartilhar-meos propósitos.
Faria requisição idêntica.
Nosso interlocutor, comovido, esclareceu que isso vinha reconfortá-lo, sobremaneira, porque, atendendo a ditames de afetividade e reconhecimento,alcançara permissão para recolher Beatriz, em sua própria  residência, tão logo aesposa de Nemésio pudesse retirar-se da esfera física, depois da desencarnação.
Hospedá-la, junto de Neves, o genitor que a filha jamais apartara da lembrança, ser-lhe-ia contentamento enorme.
Ambos desfrutariam abençoada convivência, regozijar-se-iam unidos, recordando o passado e articulando novos planos de trabalho e alegria.
Enquanto o devotado coração paterno se desmanchava em agradecimentos, Félix se despediu, afetuoso.
Demandando algum refazimento, esboçávamos projetos, ideando medidas de ação.
Manifestava-se Neves tocado de energias e esperanças novas. Aguardaria a  filha, sim, confiante no futuro. Almejava o reequilíbrio total, ansiava reeducar-se, a fim de lhe ser mais útil.
Empregaria todos os recursos, de modo a ampará-la, fortalecê-la.
Eufóricos, deliberamos concentrar, a partir do dia que se anunciava, todas as  nossas atividades de vigilância ao lado de Dona Beatriz, prestes a se desobrigar  das células doentes, e, certificando-nos de que a moradia dos Nogueiras reclamava  plantão, urgia revezar-nos em serviço.
O amigo, contudo, ponderou com razão que a filha se abeirava do transe final, que receava não dispor da serenidade precisa, caso fosse defrontado, sozinho, por obstáculos constrangedores.
Era humano, adorava aquela filha padecente. Queria afagá-la, alentá-la, conquanto não se presumisse com merecimento bastante para estender-lhe apoio e consolação.
Não seria recomendável se mantivesse, em carater permanente, no lar dos Torres, ao passo que me reservaria o compromisso de cooperarn a pacificação dos Nogueiras.
Isso apenas por alguns dias, enquanto a liberação de Beatriz estivesse pendente.
Tanto quanto possível, por outro lado, poderia, de minha parte, tornar para junto dele, partilhando-lhe o clima da filhinha agonizante,onde nos acomodaríamos aos imperativos de nossa edificação moral, estudando e servindo, para mais amplo rendimento das horas.
Aqui, contente, àquelas nótulas sensatas.
Foi assim que, refeito, regressei, manhã alta, ao apartamento de Cláudio, no intuito de investigar, a sós, a paisagem que me pautaria o quadro fundamental de aplicação ao dever assumido. Cabia-me conhecer as minudências, suscetíveis de adquirir maior importância, de momento para outro, esquadrinhar pontos de apoio, tomar contactos, e, se possível, ouvir pessoalmente os dois irmãos desencarnados, que ali desempenhavam lamentável papel.
Entrei. Apenas Dona Márcia, conversando com a senhora que se incumbia das mais pesadas obrigações no recinto doméstico, a comentarem os tópicos engraçados de certo programa de televisão, que a família acabava de instalar, com espírito de novidade e alegria.
Tudo calmo, os vampirizadores ausentes. Limpeza e ordem.
Em dado instante, a figura de Marita invadiu-me o cérebro. Afeiçoara-me à pobre menina. Era uma filha espiritual que me tocava resguardar solicitamente.
Desassossegado, precipitei-me para a rua e, a breve trecho, vi-a na loja colorida e simpática, ensaiando sorrisos para as freguesas bem-postas.
Abracei-a, paternalmente, expressando-lhe em silêncio votos de paz e otimismo. Ela respondeu, de modo instintivo, acalentando vagas idéias de reequilíbrio e esperança. Registrava-se-lhe a melhora inequívoca.
O amparo magnético assimilado funcionara, eficiente. Ignorando por que motivo, acusava-se tranquila, mais forte. Repousara, reconstituíra-se. Retomara o gosto pelo trabalho, palestrava animadamente, selecionando algodões estampados.
Nossa presença passou a despertar-lhe reflexões. Não obstante opinasse nisso ou naquilo, entre as clientes amigas, começou a pensar, pensar...
Depois de alguns minutos, pressionada pelas lembranças, caminhou para o telefone e chamou Dona Márcia, perguntando se ela viria, na parte da tarde, a Copacabana, e, informada afirmativamente, rogou à mãezinha adotiva a procurasse, se possível, às quatro. Lanchariam juntas, tinha algo a dizer-lhe.
Concluí que significaria abuso incomodá-la no trabalho,  em que se obrigava a retalhar atenções, através dos pensamentos descontínuos, e aguardamos a ocasião adequada, a fim de inteirar-nos acerca de atividades ou  problemas em que nos fosse possível desenvolver algum préstimo.
No horário previsto, acompanhamos mãe e filha até pequenino recanto de hospitaleira sorveteria, considerando a gravidade da tarefa de que fôramos investidos.
Postadas ambas em clima de segredo, Marita desafogou-se comdificuldade, começando a falar, discreta e humilde.
Que Dona Márcia lhe perdoasse os aborrecimentos daquela hora; entretanto, não tinha culpa.
Não desconhecia a extensão da mágoa que lhe cortaria a alma, daria tudo para não feri-la, mas sentiria remorsos se não lhe contasse o sucedido. Hesitara muito, antes de resolver situá-la no assunto, adiantou, acanhada. Sentia-se, porém, sua filha pelo coração, devia confiar-lhe tudo.
E, na ingenuidade de moça inexperiente, relatou a confissão que Cláudio lhe fizera, a descrever-lhe os modos, lance por lance. Espantara-se, sofrera muitíssimo.
Jamais esperava por semelhante ocorrência. Tivesse parentes e  não vacilaria mudar-se para evitar escândalos. Era, contudo, dependente, sozinha. A única família que possuía eram eles mesmos, os Nogueiras, cujo nome usava,  orgulhosa, desde a infância. Andava desorientada, receosa. Pedia conselhos.
A interlocutora, todavia, escutara sorrindo, nem mesmo interrompendo, de leve, a deglutição da taça de creme, que saboreava, com requintes de paladar.
Tamanha impassibilidade esfriou a disposição da jovem, que passou a resumir, quanto pôde, as confidências e alegações que se inclinava a  expender; e, com indizível surpresa, não somente para Marita que lhe aguardava, ansiosa, a palavra, mas igualmente para nós, que não contávamos com o ardiloso expediente de Cláudio, defendendo-se previamente, Dona Márcia patenteou, no semblante sereno, absoluta incredulidade e participou que o marido, na véspera, a convidara para conversação, à parte, comunicando-lhe certas apreensões. Dissera-lhe que, à noite, no entendimento mantido, não tivera coragem de mencionar o assombro que o perseguia, porqüanto julgara prudente refletir sobre o acontecimento que tanto o penalizava, antes de avançar em qualquer conclusão. Entretanto, após meditar, aturadamente, deduzira que ela, Marita, necessitava da proteção de um psiquiatra.
Dona Márcia perfilhou um tom de voz em que se conjugavam  inquietação e advertência, e continuou informando, informando...
Dissera-lhe Cláudio haver experimentado imenso alívio, ao vê-la penetrando no quarto, na noite da antevéspera, porqüanto, momentos antes, ao despertar a filha  adotiva sonambulizada, fora assaltado por ela com muitos beijos, que lhe ouvira fra-ses inconvenientes, que se forçara à reação, pelo que a esposa percebera as vozes com as quais tanto se assustara. Anunciara-lhe ter refletido suficientemente e acabara aceitando a hipótese de um desequilíbrio. Rogara-lhe concurso para que um psiquiatra interferisse no problema. Assumiria ele a  responsabilidade das despesas e, preocupado qual se achava, faria mais ainda... Envidaria esforços para que uma excursão à Argentina lhe restaurasse as energias,  evidentemente alteradas.
Diante da estupefação que nos dominava, a senhora Nogueira tomou posição conselheiral.
Recomendou à menina procurasse esquecer, distrair-se. Explicou que não viera ao encontro, no intuito de abordar o caso. Ante as alegações da filha, entretanto, não encontrava outra saída, além daquela em que lhe abria o coração.
Esposa e mãe, defenderia a paz de todos. Não concordava emque se tomasse partido. Cláudio, efetivamente, contraíra contas com ela, Dona Márcia, nas ingratidões de marido. Isso sim. Mas, no tocante às filhas, sempre tivera a conduta de pai exemplar. Nada justo incriminá-lo. Tudo não passava de imaginação enfermiça dela própria, Marita. Fase de moça namoradeira.
E o martelo verbal tornou aos estribilhos do passado. As festas de Aracélia, as companhias de Aracélia, as desilusões de Aracélia...
Verificando no olhar da jovem a penosa impressão com que era obrigada a recolher tais lembranças, a interlocutora, sem mais fundo lastro de amor para comovê-la, modificou a tática afetiva e alinhou histórias  de seu conhecimento, em que sonâmbulos realizavam proezas diversas.
Argumentou que ela e Cláudio, perante a ocorrência, que analisavam com o carinho de pais verdadeiros e não com qualquer espírito de censura, haviam recordado que ela, em criança, muitas vezes acordava aos gritos, pela madrugada, fazendo birra e queixando-se de inexplicáveis terrores.
Levada ao médico, o facultativo receitara calmantes. Rememorou, bem-humorada, a opinião de velho amigo da família, que dissera a ela e a Cláudio andar a menina atacada de nictofobia, e que, somente depois,  ambos recorreram ao dicionário, a fim de aprenderem que a palavra significava «medo da noite».
Dona Márcia riu-se àquelas chistosas evocações, completamente alheia à importância do assunto. Afagou os ombros de Marita e aconselhou-lhe juízo.
A jovem, perplexa, tanto quanto nós mesmos, não teve ânimo para desmentir.
Ignorava como deslindar a meada que o sedutor entretecera. Preferiu acriançar-se, aparentando aprovação com o silêncio.
No íntimo, contudo, revoltava-se.
Cláudio trapaceara e a mãe adotiva caíra no logro.
Não possuía recursos para demonstrar a verdade. Tocava-lhe tão-somente suportar e esperar.
Dona Márcia, no claro propósito de evitar o problema e, aliás, denotando naquela hora elogiável sinceridade na compaixão pela moça que supunha doente, convidou-a a examinarem, juntas, o primoroso estoque de «boutique» vizinha.
Marita aquiesceu, conformada, e o entendimento malogrado passou, superficialmente, valendo para nós por aviso grave, a fim  de que reforçássemos todo o sistema de vigilância, no compromisso assistencial.
Transcorreram cinco dias, sem que aparecessem acontecimentos dignos de menção. Contava justamente uma semana de contacto com os novos amigos, quando, ao partilhar as inquietações de Neves, fui procurado por atencioso companheiro a quem solicitara cooperação. Avisava-me de que certa senhorademandara o banco, procurando Cláudio no assunto que nos tomava a atenção.
Ao sol da manhã em giro alto, dirigi-me para o local, encontrando-a em pequena sala de espera, contígua a extenso escritório, no qual operosa equipe de funcionários desdobrava operações de contabilidade interna.
A dama aguardava Nogueira, ausente em serviço.
A recém-chegada trajava-se com primor, exibindo, porém, o ar das mulheres que, depois de perderem as ilusões, acabam fazendo negócio dos prazeres que já não são mais capazes de usufruir.
Detínhamo-nos no exame despretensioso da personagem que tangenciava com a nossa história, quando Cláudio se apresentou, lépido e bem-posto. Junto dele, o acompanhante desencarnado, qual se lhe fora a sombra, não mais me admirando vê-los visceralmente associados, pensando e falandoem absoluta simbiose.
Conheciam-se os dois, porqüanto ele a nomeou, para logo, de madame Crescina, inclinando-se, familiar, para a conversação cochichada, demonstrando-se ambos naturalmente acostumados aos segredos que se transmitem, da boca ao ouvido.
Alguma novidade? — indagou ele, esfregando as mãos uma na outra, com o sorriso brejeiro de quem prelibava festas.
A visitante, contudo, falou, encabulada, dos motivos que atraziam.
Recebera-lhe Marita, a filha adotiva, horas antes, e, sinceramente — informava —, não conseguira subtrair-se ao obséquio que lhe suplicaracom lágrimas.
Diante do interlocutor, atento, prosseguiu comunicando que a moça desejava encontrar-se, na noite próxima, com Gilberto, um rapaz  que, vez por outra, lhe freqüentava o casarão. Escolhera para isso o compartimento  separado, nos fundos, o número quatro, por mais reservado e acolhedor. A pobre criança — acentuava, compadecida — formulara-lhe o apelo, em caráter confidencial. Propusera-lhe a concessão, muito abatida, nervosa. Não pudera alhear-se ao pedido.
Também tinha duas filhas no mundo, também era mulher. Acedera.
Mas, não era só isso. Marita remunerara-a, com bondade,  para encarregar-se de entregar um bilhete ao filho dos Torres.
E, perante os olhos espantados do amigo, que acumulava na curiosidade o anseio do vampirizador, a confidente arrancou da bolsa o documento pequenino, em que a jovem implorava ao namorado fosse vê-la, às oito danoite, no lugar indicado.
Saberia não incomodá-lo, não tivesse receio. Rogava-lhe apresença e solicitava resposta.
Cláudio lia, lia, entre ciumento e indignado. Sim — refletia —, era o cúmulo do sarcasmo. Gilberto a governá-la daquela maneira! O compartimento dos fundos, o número quatro!...
Conhecia-o. E esquisita coincidência! Era o recanto que ele também, por vezes, elegia para si próprio, quando buscava a pensão alegre de Crescina, para entreter-se, descansar... Marita, sem saber, compartia-lhe as preferências!... O despeito comprimia-lhe o coração, enquanto o «outro» se demorava a enlaçá-lo, estampando no rosto larga expressão de astúcia.
A empreiteira de regalias noturnas cortou a pausa longa, repetindo que não lhe era lícito esquivar-se; entretanto, acrescentou, ladina, que ele, Cláudio, era cliente de sua casa e, por isso, colocava-o ao corrente dos fatos, não só por dever de lealdade aos fregueses, como também para evitar aborrecimentos, suscetíveis de atrair os olhos da polícia que nunca interferira nas acomodações e negócios que lhe diziam respeito.
Para isso, inteirava-o de tudo e pedia conselhos. Nogueira reprimiu a cólera e vimo-lo interessado em concentrar-se mentalmente, esquadrinhando a cabeça, à cata de idéias.
Ignorando embora que se acostumara a absorver-se nas sugestões de uma inteligência estranha à dele, buscava-lhe, sequioso, os estímulos, supondo naturalmente que batia às portas da imaginação para desencravar os pensamentos.
Obsessor e obsidiado passaram a trocar impressões, de cérebro  a cérebro.
Alguns momentos de ajuste silencioso e mecânico, que um observador terrestre interpretaria como sendo vertiginosa fabulação, e os dois  entraram em acordo implícito.
Alcançamos semelhante conclusão, pela rama, ao vê-los repentinamente asserenados, já que não me sentia capaz de verificar-lhes planos e intentos, forçado que me reconhecia a dividir atenções, entre eles e a recém-vinda, cujos informes e apontamentos não me cabia perder.
Cláudio esboçou um sorriso amarelo. Em seguida, agradeceu a gentileza de que se tornava objeto, passando a extravasar as alegações fantasiosas que começara a elaborar. Disse à amiga, surpresa, que Marita  realmente assumiria, talvez em dias breves, compromisso de matrimônio com o rapaz  e que, não
obstante considerasse a entrevista mencionada pura irreflexão de jovens, concordava em que madame Crescina levasse o bilhete, alcovitando a conferência afetiva.
Logicamente, acrescentou a mascarar-se de bom-humor, que os meninos teriam entrado em arrufo e aspiravam à reconciliação. Sim, não iria pessoalmente criar qualquer obstáculo. Preferia aconselhar a filha, no dia seguinte.
Entretanto, aduziu após refletir um minuto em consonância com o amigo invisível, gratificá-la-ia por um obséquio, de vez que tendo paternal interesse em que se efetuasse o encontro dos jovens, aos quais se permitia chamar “quase noivos”, solicitava-lhe fosse o bilhete entregue somente às  duas da tarde, horárioem que Gilberto estaria no escritório com toda a certeza.
Dona Crescina prometeu satisfazê-lo, recolhendo a gorjeta e anunciando que telefonaria para a moça, depois do ajuste, a sorrirem-se ambos no aperto de mãos.
Restituído a si próprio, Nogueira, sempre enlaçado pelo obsessor, não se deu tempo a maiores reflexões.
Aproximou-se do telefone e vacilou um instante. Pensou consigo que essa era a primeira vez que se dirigiria ao rapaz que detestava.
A hesitação, porém, não passou de segundos. Discou, resoluto, para Gilberto.
Atendido, prontamente, formulou a consulta, untando avoz de cortesia. Se possível, desejava vê-lo e ouvi-lo, solicitar-lhe um favor com vantagens mútuas, mas rogava-lhe a gentileza da discrição. Entendimento pessoal para aquele instante.
O rapaz gaguejou do outro lado, denotando viva emoção,  e aquiesceu sem muitas palavras.
Ambos consultaram o relógio. Onze em ponto.
Ele, Cláudio, seguiria de táxi para o almoço, em casa, no Flamengo, e esperá-lo-ia no Lido.
Não se preocupasse o interlocutor. Conheciam-se bastante, embora sem contactos pessoais.
Além disso, abordá-lo seria fácil para ele. Conhecia-lheo carro.
Efetivamente, escoados que foram alguns minutos, achávamo-nos os quatro, Cláudio, Gilberto, o assessor espiritual de Nogueira e eu, no lugar indicado.
O jovem, muito pálido, assemelhava-se ao aluno culpado que comparece diante do professor, mas o sorriso largo e calculado com que era recebido colocou-o à vontade, mais apressadamente que supunha.
Caminharam, lado a lado, permutando banalidades sobre o tempo, até que se instalaram num recanto de bar, à frente de um guaraná que tocaram, de leve.
Cláudio, aparando as cinzas do cigarro, de momento a momento, esforçava-se, quanto possível, por parecer natural.
Invariavelmente ligado ao vampirizador que o não perdia, começou dizendo ao filho de Nemésio que lhe entendia a situação com clareza; que o sabia, de certo modo, inclinado para Marina, a filha legítima, e que, na condição de genitor, conquanto se visse na obrigação de preservar-lhe a felicidade, não devia bisbilhotar,
à margem de assuntos privativos deles dois; entretanto, acentuava, dramático, criara Marita, igualmente por filha; amava-a, enternecidamente, e anelava para ela o bem-estar que sonhava para a outra.
Gilberto, inexperiente, escutava embasbacado, comovido.
O antigo bancário, aparentando elevada condescendência, asseverou que, em verdade, somente atribuiria ao destino a coincidência quevinha de observar, porqüanto se achava convencido de que ambas as meninas queriam o moço, talvez com análogo afeto.
Verificava, assombrado, a máscara de paternal ternura com  que Nogueira recobrira o semblante.
No íntimo, acalentava a repulsão, dura, violenta. Dissimulava, habilmente, os ímpetos de amarrotar o filho de Beatriz que, satisfeito e acalmado, lhe agasalhava as afirmações.
Reprimindo-se, prosseguiu astucioso.
Salientou que, decerto, a menina bisonha, ao albergar-lhe os testemunhos de apreço, escorregara na paixão, que lhe devastava, agora, a juventude em psicose e doença. Preocupava-se, afligia-se. Encontraria recursos parasanar as dificuldades, mas, para isso, constrangia-se a solicitar-lhe concurso, a fim de que Marita sofresse menos.
Contaria com ele e, ao registrar-lhe as primeiras palavras de assentimento, baixou o tom de voz, anunciando-lhe em caráter confidencial que a filha adotiva lhe escrevera um recado. Sabia disso. Compondo o quadro estudado de interesse paternal, indagou se ele havia recebido. Ante a resposta negativa, explicou que a moça lhe endereçara um papelucho, no qual lhe rogava umencontro para a noite.
Sem que lhe suspeitasse do zelo, conseguira ler o petitório, tanto assim que poderia repeti-lo. E recitou de cór o pequeno texto, sílaba a  sílaba, dando a impressão de proceder assim para exteriorizar com mais segurança o próprio enternecimento.
Depois de caracterizar o papel, rogava ao rapaz dois favores: responder afirmativamente, por escrito, que estaria no local indicado, atendendo ao horário certo, e abster-se de comparecer no momento preciso.
Fantasiou que a menina andava desorientada, enferma - Temia um choque. Não dispunha de outro remédio senão pedir-lhe aquele tipo de cooperação. Isso porque, naquele mesmo dia, estava providenciando a aquisição dos documentos necessários, para que ela fosse à Argentina, em companhia de Márcia, numa 
viagem de refazimento e recreio. Não seria prudente estragar-lhe o ânimo, naquela hora, com uma negação formal. Naturalmente que o interlocutor era dono de si.
Agisse como melhor lhe parecesse. Ele, porém, nos sentimentos de pai que o moviam, receava conseqüências. Nada custaria satisfazer-se àquela particularidade que considerava providencial. Se Gilberto aprovasse a idéia, ele próprio, Cláudio, se incumbiria de buscá-la, no endereço marcado, não só com a  noticia positiva da viagem, no bolso, de modo a proporcionar-lhe renovadora alegria, ao mesmo tempo
que poderia apresentar a ela as desculpas dele, quanto à ausência.
Compreensível que, com a autoridade afetuosa de pai amigo, se responsabilizasse pelas escusas do moço, de vez que usaria o tato imprescindível.
Por fim, consultava-o como justificá-lo, no instante oportuno, se devia alegar a razão do bolo como sendo negócios, serviços, empeços domésticos ou inesperado afastamento do Rio.
O filho dos Torres ouviu tudo, encantado.
A proposta pareceu-lhe uma peça vazada em profundo bom-senso. Além disso, respirava feliz. Verificava haver encontrado alguém que o  levaria, passo a passo, a libertar-se de um compromisso que lhe pesava demasiado na consciência.
Chegado a esse ponto, desinibiu-se. Perdera os derradeiros resquícios da desconfiança com que iniciara a conversação. E, ao desembaraçar-se, afixou a máscara fisionômica que julgou cabível à defesa das próprias conveniências, asseverando que dedicara a Marita uma boa amizade, de irmão para irmão, nada mais. Destacou que, efetivamente, notara nela determinadas alterações que o haviam desgostado, e, já que se sentia inequivocamente atraído para Marina, afastara-se, cauteloso, na expectativa de que tempo e distância funcionassem.
Cláudio escutava, boquiaberto, admirando-lhe a delicada frieza das justificações e indagando a si mesmo qual deles dois seria maior na arte de fingir.
Francamente encorajado, Gilberto declarou que lhe compreendia as apreensões, quanto lhe aceitava conselhos e bons ofícios. Escreveria, obrigando-se a comparecer, mas não arredaria pé de casa, mesmo porque  Marina fora a Teresópolis, pela manhã, a serviço da companhia, e talvez só regressasse no dia seguinte. O senhor Nogueira, qual o chamava, em buscando a menina, às oito, estaria autorizado a comunicar-lhe, da parte dele, o agravamento da saúde materna.
Não seria falso, ajuntou, porqüanto a genitora extinguia-se, lentamente.
Cláudio, obtendo o que desejava, refletia no rosto a satisfação que, somada ao voluptuoso prazer do obsessor que o assessorava, parecia interesse afetivo, devotamento. Finalizando, asseverou-se notificado quanto àviagem da filha, e reportou-se, em termos carinhosos, à situação de Dona Beatriz, que ele e Márcia
visitariam. Destacou as acerbidades dos impedimentos em família, durante as moléstias longas, apelou para o otimismo necessário e, ateu  confesso, chegou até mesmo a exalçar a confiança que se deve ter em Deus, no decorrer de tais circunstâncias.
Montada a obrigação que os jungia, separaram-se com abraço efusivo, enquanto, de nossa parte, rumamos do Lido para o Flamengo, penosamente intrigados, conjeturando sobre o que estaria por suceder.

(4)  Cidade consagrada à educação e ao reajustamento da  alma, no PlanoEspiritual. — (Nota do Autor espiritual)