quarta-feira, 24 de abril de 2013

LIVRO: VOLTEI DE CHICO XAVIER PELO ESPÍRITO DE FREDERICO FIGNER

EM DIFICULDADES

Reajustado, notei que podia enfrentar os conflitos da hora, sem embaraços de vulto.
O Irmão Andrade acentuou que, livre dos últimos remanescentes do corpo carnal, eu conseguiria aproximar-me dos amigos, sem choques de maior importância,  aconselhando, porém, a não me avizinhar em demasia das vísceras cadavéricas, em  cuja contemplação, talvez fosse acometido por impressões desequilibrantes.
As novidades sucediam-se umas às outras.  Aquinhoado por visão mais segura, reparei estupefato, que desencarnados em  grande número se apinhavam ao redor.
Entidade menos simpática, quase rente a nós, dizia para outra que lhe era semelhante:
–  O enterro é do velho Jacob, aquele mesmo, que nos doutrinou, há tempos. Não se recorda?
–  Perfeitamente  –  respondeu o interlocutor, gargalhando  –, daria tudo para ver-lhe a “cara’”.
Riram-se gostosamente.
Memória funcionando sem empecilhos, registrando-lhes os apontamentos sarcásticos, localizei-os na lembrança. Eram perseguidores de uma jovem internada numa casa de nervos. Evoquei as  particularidades da reunião em que me havia entendido com eles. Achava-me  sumamente enfraquecido. Mesmo assim, gostaria de responder-lhe. Rememorei o  interesse com que eu recebera  a descrição da médium vidente, em relação a ambos, e  confirmava, admirado, por mim mesmo, os informe com que fora presenteado.
Sacrificaria muita coisa para interpelá-los, fazendo-lhes sentir o erro em que laboravam, e dispunha-me a interferir, quando o Irmão Andrade me controlou, os impulsos, acrescentando:
–  Não faça isso! Provocaria contenda desagradável e inútil. Além do mais, eles não nos veem. Respiram noutra faixa vibratória.
Realmente, procediam como se nos não vissem. Permaneciam junto de nós,  sem  perceber-nos, tanto quanto noutro tempo me movimentava, por minha vez, ao pé das entidades desencarnadas, sem notar-lhes a presença.
– Haverá tempo – frisou o amigo, bondoso e calmo.
Observando-me o encorajamento, conduziram-me os três à vizinhança imediata do corpo hirto.
Não obstante as melhoras de que me sentia possuído, não consegui atravessar  a onda de força que se improvisara ao longo dos veículos.  Desejava ardentemente penetrar o recinto doméstico e, sobretudo, espargir,  sobre os entes amados que ficariam distantes, os meus pensamentos de amor,  reconhecimento e esperança. Bezerra, porém, avisou prudentemente:
– Não insistamos. É desaconselhável por agora, a pedra de reservas.
Contentei-me, buscando avistar amigos nos automóveis.
Grupinho de conhecidos atraiu-me a atenção. Avancei para eles, mas fui constrangido a afastar-me, decepcionado. Comentavam a política, em agressiva atitude. Mergulhavam a mente em disputas desnecessárias.
Pela primeira vez, verifiquei que os Espíritos inferiores não se comunicam somente nas sessões doutrinárias. A palestra, apesar de desenvolver-se discreta, apresentava notas de intercâmbio com o plano invisível, em cujos domínios ingressava eu, receoso e encantado. Um amigo expressava-se quanto os problemas da vereança  municipal, perfeitamente entrosado com uma entidade menos digna que, ali ante meus  olhos espantados, o subjugava quase que por completo, obrigando-o a proferir sentenças desrespeitosas e cruéis.
Retrocedi, instintivamente.
–  Você, Jacob  –  falou Bezerra, em tom grave  –, por enquanto ainda não pode suportar estes dados mentais.
Encaminhamo-nos, então, para outro ângulo da rua.
Descobri nova agremiação de pessoas às quais me afeiçoara profundamente.  Busquei-lhes a companhia, ansioso, seguido de perto pelos benfeitores; contudo, outra desilusão me aguardava. Falava-se em voz baixa, sobre as despesas prováveis com o  enterramento dos meus despojos. Emitia-se julgamento apressado, envolvendo-se-me  o nome em impressões desarmoniosas e rudes.
Recuei, como já o fizera.
Bezerra abraçou-me, compreensivo, e receitou paciência.
Abeirava-me de profundo desalento, quando não longe, em certo veículo, observei a formação de lindos círculos de luz.
O Irmão Andrade, atendendo-me à indagação silenciosa, esclareceu:
– Naquele carro, temos a claridade da oração sincera.
Pedi aos protetores me auxiliassem a procurar semelhante abrigo, mais depressa.  Alcancei-o e rejubilei-me. Alguns companheiros ofertavam-me os recursos da  prece santificante. Tamanho  foi  o meu contentamento que quase me ajoelhei, feliz.  Aquela rogativa que formulava a Jesus, em benefício de minha paz, constituía dádiva celeste. Do pequeno conjunto emanava energia confortadora que me penetrava à maneira de chuva balsâmica.
A oração influenciara-me docemente.  Creio que os recém-desencarnados quase sempre necessitam do pensamento  fraterno dos que se demoram no círculo carnal. Explicou Bezerra que os recém-libertos  comumente precisam do socorro espiritual dos entes queridos para se desembaraçarem sem delonga dos liames que ainda os prendem à experiência material.
Com o auxílio dos que ficam, aqueles que partem seguem mais livremente ao encontro do porvir.