quarta-feira, 27 de março de 2013
LIVRO: VOLTEI DE CHICO XAVIER PELO ESPÍRITO DE FREDERICO FIGNER
IMPRESSÕES DIFERENTES
Despertando, dia alto, não podia precisar o tempo curto em que repousara.
Continuava a filha ao seu lado, mas de ambos os benfeitores não havia sinal. Notificou-me Marta que se haviam ausentado, porém, não tardariam.
Confiaram-me a ela, enquanto me aquietara; contudo estariam junto de mim, em breves minutos.
Sentia-me outro homem. Movimentei os braços e ergui-me sem dificuldades. Tentei falar, e que alegria experimentei! Entendi-me com a filha querida, à vontade.
Explicou-me que eu não havia repousado quando seria de desejar e que voltaria ao descanso na primeira oportunidade. Indagou em seguida, se me achava
amedrontado, e, como lhe demonstrasse a firmeza de ânimo que me possuía, cientificou-me de que Bezerra, em breves minutos, cortaria os derradeiros laços que me retinham ainda, de certa forma, aos envoltórios carnais, consultando-me, ao mesmo tempo, se me não inspiraria temores assistir, de algum modo, ao enterramento dos meus despojos.
Respondi-lhe com o meu interesse. Tudo o que eu pudesse aprender de novo representaria enriquecimento de observação.
Em verdade, animavam-me outras disposições. Guardava a ideia de haver rejuvenescido. Toquei meu veículo novo. Eu era o mesmo, dos pés à cabeça.
Coração e pulmões funcionavam regulares. Fascinava-me, porém, acima de tudo, o novo aspecto da paisagem. Casas, vegetação e o próprio oceano pareciam
coroados de substâncias coloridas. Que sugestões surpreendentes em torno! As claridades solares, em derredor, revelavam maravilhosas cambiantes.
Informou-me Marta de que enquanto a nossa mente funciona, sob determinadas condições, vemos somente alguns aspectos do mundo; e porque eu interrogasse se todos os desencarnados se surpreendiam com as visões que me encantavam os olhos, respondeu negativamente. Muitos libertos da disciplina física – esclareceu – conservam tão fortes ligações com os interesses humanos que a visão não se lhes modifica, de pronto, e prosseguem vendo a Terra, nas mesmas expressões em que a deixaram.
Era prodigioso o quadro!
Senti forte impulso de prosternar-me, em sinal de reconhecimento à Majestade Divina.
Tão grande leveza caracterizava agora o meu organismo que, contemplando, enlevado, as águas próximas, nelas adivinhei pesadíssimo elemento. Pensei concomitantemente que, se eu tentasse, talvez conseguisse caminhar sobre as ondas líquidas, aureoladas, ao meu olhar, de sublime coloração.
Registrando-me o ânimo, a querida filha mostrou-se satisfeita. Desde o primeiro momento de nosso reencontro, Marte revelava ansiedade de ver-me tranquilo e contente.
SURPREENDIDO
Dispunhamo-nos a deixar o abrigo a que nos refugiáramos, quando percebi que me encontrava em trajes impróprios. Arraigado à ideia de que seria visto por amigos encarnados, não ocultei um gesto de aborrecimento.
À distância do leito, aquele roupão alvo não deixava de ser escandaloso.
Marta que me seguia as reflexões, sorridente, vestia-se com apurado gosto.
Ia expor-lhe os receios que me assaltavam, quando se adiantou, asseverando que as preocupações do momento me atestavam as melhoras.
– Um homem desalentado não pensa em roupa – disse-me alegremente.Acrescentou que Bezerra e o Irmão Andrade não se demorariam e que a solução do problema fora prevista na véspera.
De fato, transcorridos alguns minutos, chegaram, atenciosos. A possibilidade de endereçar-lhes a palavra encheu-me de imenso júbilo. Abracei-os reconhecidamente.
Trouxeram-me um costume cinza, muito semelhante aos que eu ai preferia no verão.
O Irmão Andrade ajudou-me a vesti-lo.
Mas alguns instantes e, entre os dois benfeitores que me amparavam lado a lado, oferecendo-me os braços, afastamo-nos da praia.
Enorme o movimento nas vias públicas. A mesma diferença que assinalara no mar, nas plantas e no casario, notava nas pessoas. Cada qual se revestia de halo diferente. Não me sentia, contudo, disposto a formular indagações. Assombrava -me com a locomoção própria e esse problema naturalmente solucionado bastava, por enquanto, à minha capacidade de analisar. Andava, sem grande desenvoltura; todavia, a lentidão de méis passos obedecia à inexperiência e não a qualquer impedimento por parte do corpo, que reconhecia leve e ágil.
Aproveitaria o momento para acentuar observações nesse sentido, quando apressada senhora, sobraçando embrulho de vastas proporções, investiu indiferentemente contra nós.
Grande foi o abalo para mim. Recuei, num movimento instintivo, temendo o atrito, mas não houve tempo. A dama atravessou-nos o grupo, sem dar conta de nossa presença.
Assustado, procurei o olhar dos companheiros. Todos me fitavam sorridentes.
– Este, meu caro Jacob – falou Bezerra, bem-humorado –, é o novo plano da matéria, que vibra em graduação diferente.
– Passou por nós, sem perturbar-nos! – exclamei.
– Por nossa vez, não a perturbamos também – acentuou o Irmão Andrade, satisfeito.
O incidente chocara-me. Via-me perfeitamente integrado no antigo patrimônio orgânico.
– Não estaremos num corpo de ilusão? – ousei interrogar.
Bezerra esclareceu, delicado:
– O poder da vida, na ilimitada Criação de Deus, é infinito, e a mulher que passou despercebidamente por nós, cujo veículo de carne caminha para a morte, poderia fazer a mesma pergunta.
A pequena ocorrência nos dava bastante material à reflexão. Gostaria de trocar comentários e propor questões diversas; todavia, o meu abatimento ainda era grande. Deixei-me, pois, conduzir sem relutância, de imprevisto a imprevisto.