segunda-feira, 30 de agosto de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 13 ÍTEM 19 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO DIREITA

Benefícios Pagos com Ingratidão

1. Por que o homem se sente, decepcionado na prática do bem?
Porque ainda o pratica de forma interesseira, não cristã. Se examinarmos a fundo nossa consciência, verificaremos que sempre esperamos alguma forma de reconhecimento ou recompensa em troca do bem que praticamos.

“Nesses, há mais egoísmo do que caridade, visto que fazer o bem apenas para receber demonstrações de reconhecimento, é não o fazer com desinteresse.” “E quando fizerdes, por palavras ou obras, fazei tudo em nome do senhor Jesus, dando por Ele graças a Deus Pai.” (Colossenses. 3. 17)

2. Por que Deus permite que sejamos pagos com a ingratidão?
Para experimentar a nossa perseverança no bem. Para que possamos desenvolver a nossa capacidade de fazer o bem, sem visar qualquer espécie de lucro.

“Ficai certos de que, se aquele a quem presteis um serviço o esquece, Deus o levará mais em conta do que se, com a sua gratidão, o beneficiado vo-lo houvesse pago.”

3. Por que o benefício jamais se perde?
Porque, ao praticá-lo, trabalhamos igualmente por nós, pois Deus vê a nossa ação e a levará em conta; e pelos outros, visto que o nosso benefício é uma semente que germinará assim que o solo estiver pronto.

“Os benefícios acabam por abrandar os mais lerdos corações.”
“Também por vós mesmos tereis trabalhado, porquanto granjeareis o mérito de haver feito o bem desinteressadamente.”
“Todo aquele que der, ainda que seja somente um copo de água fresca a um destes pequeninos, porque é meu discípulo, em verdade vos digo, não perderá sua recompensa.”


4. Um benefício feito neste mundo pode ser lembrado na vida espiritual
Sim. Um benefício pode ser esquecido neste mundo, mas, ao libertar-se do corpo material, o espírito que o recebeu dele se lembrará e desejará reparar sua ingratidão, dedicando-se ao seu benfeitor noutra encarnação.

“Assim, sem o suspeitardes, tereis contribuído para o seu adiantamento mora...”.

5. Por que temos o dever de ajudar sempre o nosso próximo?
Porque estamos todos ligados por laços de reparação, em função de dívidas contraídas em vidas passadas. Se nos ajudarmos mutuamente, mais rápido será o nosso progresso. Se não o fizermos, faltaremos com compromisso assumidos anteriormente e retardaremos nossa caminhada de volta a Deus.

“(...) Se pudésseis apanhar num golpe de vista a imensidade das relações que ligam uns aos outros os seres, para o efeito de um progresso mútuo, admiraríeis muito mais a sabedoria e a bondade do Criador.

Conclusão:

Aproveitar todas as ocasiões de servir ao próximo é dever cada um de nós, pois somos devedores uns dos outros e, através da prática desinteressada do bem, não só reparamos faltas de vidas anteriores como aceleramos nossa caminhada de volta ao Pai.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 13 ÍTEM 18 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO DIREITA

Os Órfãos


1. O que significa ser órfão?
Órfão é aquele que perdeu o pai, ou a mãe, ou ambos, necessitando, portanto, de proteção e cuidados dos adultos para se desenvolver.

Muitas vezes, entretanto, encontramos órfãos de pais vivos, os quais não atuam com responsabilidade na criação do filho.

2. Por que Deus permite que haja órfãos?
Para oferecer àqueles que encarnam nesta condição e aos que lhes estão vinculados, oportunidade de:

. exercitar a fraternidade;
. resgatar débitos adquiridos em encarnações anteriores;
. enfrentar provações, para exercitar a humildade e outras virtudes; e
. servir de auxílio na provação de pais impedidos de procriar.


“Deus permite que haja órfãos para que lhes sirvamos de pais”.
“Agrada a Deus quem estende a mão a uma criança abandonada, porque compreende e pratica a sua lei”.


3. Como devemos proceder para com os órfãos?
Devemos ampará-los, na medida de nossas possibilidades, visitá-los e assisti-los com amor, bens materiais, palavras e gestos de conforto, adoção etc.

“Todo sofredor é vosso irmão e tem direito a vossa caridade”.
“Daí delicadamente, juntai ao benefício que fizerdes o mais precioso de todos os benefícios: o de uma boa palavra, de uma carícia, de um sorriso amistoso”.


4. Qual o papel dos orfanatos?
Os orfanatos existem com o objetivo de suprir a falta dos pais, no atendimento às necessidades básicas dos órfãos. Para tanto, é fundamental a nossa participação, através do apoio material e espiritual.

Já que não somos capazes de acolher órfãos em nosso lar, pelo menos auxiliemos as instituições que assim fazem.

5. Podem, muitas vezes, os órfãos estar ligados a nossa vida?
Sim. Muitas vezes são entes queridos de vidas passadas, que vêm buscar nosso apoio para suas provações.

“Ponderai, também, que muitas vezes a criança que socorreis vos foi cara noutra encarnação.”
Se a reconhecêssemos, nossa ação perderia o mérito.


6. A forma pela qual ajudamos os órfãos é também considerada?
Ajudar com má vontade e por obrigação diminui o mérito da nossa ação.

Melhor faz quem faz com alegria.

Conclusão:

A orfandade é uma das mais difíceis provações por que passa o espírito encarnado. É, também, um desafio a nossa solidariedade cristã. Amparar o órfão é ato que agrada a Deus e, portanto, eleva espiritualmente quem o pratica.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 43 - JULIANA SOLARE



Em Conversação

O Ministério da Regeneração continuou cheio de expressões festivas, não obstante se haver retirado o Governador ao seu círculo mais íntimo.
Comentavam-se os acontecimentos. Centenas de companheiros se ofereciam para os trabalhos árduos da defensiva, assim correspondendo ao apelo do grande chefe espiritual.
Procurei Tobias, para consultá-lo sobre a possibilidade do meu aproveitamento, mas o generoso irmão sorriu da minha ingenuidade e falou:
- André, você está começando agora uma tarefa nova. Não se precipite, solicitando acréscimo de responsabilidade. Haverá serviço para todos, disse-nos, ainda agora, o Governador. Não se esqueça de que as nossas Câmaras de Retificação constituem núcleos de esforço ativo, dia e noite. Não se aflija. Recorde que trinta mil servidores vão ser convocados para a vigilância permanente. Destarte, na retaguarda, serão muito grandes os claros a preencher.
Identificando-me o desapontamento, o bondoso companheiro, bemhumorado, acentuou depois de ligeira pausa:
- Contente-se com a matrícula na escola contra o medo. Creia que isso lhe fará enorme bem.
Nesse ínterim, recebi grande abraço de Lísias, que integrara, na festa, a deputação do Ministério do Auxílio.
Com a licença de Tobias, retirei-me em companhia de Lísias para gozar de palestra mais íntima.
- Conhece você - indagou ele - o Ministro Benevenuto, aqui na Regeneração, o mesmo que chegou anteontem da Polônia.
- Não tenho esse prazer.
- Vamos ao seu encontro - replicou Lísias, envolvendo-me nas vibrações do seu imenso carinho fraterno -, há muito que tenho a honra de incluí-lo no círculo das minhas relações pessoais.
Daí a momentos, estávamos no grande recinto verde, consagrado aos trabalhos desse Ministro da Regeneração, que eu apenas conhecia de vista.
Numerosos grupos de visitantes permutavam idéias sob a copa das grandes árvores. Lísias conduziu-me ao núcleo maior, onde Benevenuto trocava impressões com diversos amigos, apresentando-me com generosas palavras. O Ministro acolheu-me, cortês, admitindo-me na sua roda com extrema bondade.
A conversação continuou nos rumos naturais e notei que se discutia a situação da esfera terrestre.
- Muito doloroso o quadro que vimos - comentava Benevenuto em tom grave -; habituados ao serviço da paz na América, nenhum de nós imaginava o que fosse o trabalho de socorro espiritual nos campos da Polônia. Tudo obscuro, tudo difícil. Não se podem, ali, esperar claridades de fé nos agressores, tampouco na maioria das vítimas, que se entregam totalmente a pavorosas impressões. Os encarnados não
nos ajudam, apenas consomem nossas forças. Desde o começo do meu Ministério, nunca vi tamanhos sofrimentos coletivos.
- E a comissão demorou-se muito por lá? - perguntou um dos companheiros com interesse.
- Todo o tempo disponível - ajuntou o Ministro. O chefe da expedição, nosso colega do Auxílio, julgou conveniente permanecermos exclusivamente atidos à tarefa, para enriquecermos observações e melhor aproveitar a experiência. Com efeito, as condições não poderiam ser melhores. Acredito que nossa posição está muito distante da extraordinária capacidade de resistência dos abnegados servidores espirituais que ali se encontram de serviço. Todas as tarefas de assistência imediata funcionam
perfeitamente, a despeito do ar asfixiante, saturado de vibrações destruidoras. O campo de batalha, invisível aos nossos irmãos terrestres, é verdadeiro inferno de indescritíveis proporções. Nunca, como na guerra, evidencia o espírito humano a condição de alma decaída, apresentando características essencialmente diabólicas. Vi homens inteligentes e instruídos localizarem, com minuciosa atenção, determinados setores de atividade pacífica, para o a que chamam "impactos diretos'. Bombas de alto poder explosivo destroem edifícios pacientemente edificados. Aos fluidos
venenosos da metralha, casam-se as emanações pestilentas do ódio e tornam quase impossível qualquer auxílio. O que mais nos contristou, porém, foi a triste condição dos militares agressores, quando algum deles abandonava as vestes carnais, compelido pelas circunstâncias. Dominados, na maioria, por forças tenebrosas, fugiam dos Espíritos missionários, chamando-lhes a todos "fantasmas da cruz".
- E não eram recolhidos para esclarecimento justo? - inquiriu alguém, interrompendo o narrador.
Benevenuto esboçou um gesto significativo e respondeu:
- Será sempre possível atender aos loucos pacíficos, no lar; mas que remédio se reservará aos loucos furiosos, senão o hospício? Não havia outro recurso para tais criaturas, senão deixá-las nos precipícios das trevas, onde serão naturalmente compelidas a reajustar-se, dando ensejo a pensamentos dignos. É razoável, portanto, que as missões de auxílio recolham apenas os predispostos a receber o socorro elevado. Os espetáculos entrevistos foram, portanto, demasiadamente dolorosos, por
muitas razões.
Valendo-se de ligeiro intervalo, outro companheiro opinou:
- É quase incrível que a Europa, com tantos patrimônios culturais, se tenha abalançado a semelhante calamidade.
- Falta de preparação religiosa, meus amigos, definiu o Ministro com expressiva inflexão de voz -, não basta ao homem a inteligência apurada, é lhe necessário iluminar raciocínios para a vida eterna. As igrejas são sempre santas em seus fundamentos e o sacerdócio será sempre divino, quando cuide essencialmente da Verdade de Deus; mas o sacerdócio político jamais atenderá a sede espiritual da civilização. Sem o sopro divino, as personalidades religiosas poderão inspirar respeito e admiração, não, porém, a fé e a confiança.
- Mas, o Espiritismo? - perguntou abruptamente um dos circunstantes.
Não surgiram as primeiras florações doutrinárias na América e na Europa, há mais de cinqüenta anos? Não continua esse movimento novo a serviço das verdades eternas?
Benevenuto sorriu, esboçou um gesto extremamente significativo e acrescentou:
- O Espiritismo é a nossa grande esperança e, por todos os títulos, é o Consolador da humanidade encarnada; mas a nossa marcha é ainda muito lenta. Trata-se de uma dádiva sublime, para a qual a maioria dos homens ainda não possuí "olhos de ver". Esmagadora porcentagem dos aprendizes novos aproxima-se dessa fonte divina a copiar antigos vícios religiosos.
Querem receber proveitos, mas não se dispõem a dar coisa alguma de si mesmos. Invocam a verdade, mas não caminham ao encontro dela.
Enquanto muitos estudiosos reduzem os médiuns a cobaias humanas, numerosos crentes procedem à maneira de certos enfermos que, embora curados, crêem mais na doença que na saúde, e nunca utilizam os próprios pés. Enfim, procuram-se, por lá, os espíritos materializados para o fenomenismo passageiro, ao passo que nós outros vivemos à procura de homens espiritualizados para o trabalho sério.
O trocadilho arrancou expressões de bom humor geral, acrescentando o Ministro, gravemente:
- Nossos serviços são astronômicos. Não esqueçamos, porém, que todo homem é semente da divindade. Ataquemos a execução de nossos deveres com esperança e otimismo, e estejamos sempre convictos de que, se bem fizermos a nossa parte, podemos permanecer em paz, porque o Senhor fará o resto.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 21 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



21 – Conversação Edificante

Enquanto regressávamos ao nosso círculo de trabalho e de estudo, para articular novas providências de auxílio em favor dos protagonistas da história que a vida estava escrevendo, concluí que não me cabia perder a oportunidade de mais amplo entendimento com o nosso orientador, com alusão aos esclarecimentos que nos fornecera, acerca do perispírito.
Assim como o homem comum mal conhece o veículo em que se movimenta, ignorando a maior parte dos processos vitais de que se beneficia e usando o corpo de carne à maneira de um inquilino estranho à casa em que reside, também nós, os desencarnados,
somos compelidos a meticulosas meditações para analisar a vestimenta de que nos servimos, de modo a conhecer-lhe a intimidade.
Efetivamente, em novas condições na vida espiritual, passamos a apreciar, com mais segurança, o corpo abandonado à Terra, penetrando os segredos de sua formação e desenvolvimento, sustentação e desintegração, mas somos desafiados pelos enigmas
do novo instrumento que passamos a utilizar. Lidamos, na Vida Maior, com o carro sutil da mente, pelo menos na esfera em que nos situamos, acentuando, pouco a pouco, os nossos conhecimentos, quanto às peculiaridades que lhe dizem respeito.
Reparei que Hilário, pela expressão dos olhos, demonstrava não menor anseio de saber. E, encorajado pela atitude do companheiro, desfechei a primeira questão, considerando:
– Inegavelmente, será difícil alcançar o grande equilíbrio que nos outorgará o trânsito definitivo para as eminências do Espírito Puro.
– Ah! sim – concordou o Ministro, com grave entono –, para que tivéssemos na Crosta Planetária um vaso tão aprimorado e tão belo, quanto o corpo humano, a Sabedoria Divina despendeu milênios de séculos, usando os multiformes recursos da Natureza,
no campo imensurável das formas... Para que venhamos a possuir o sublime instrumento da mente em planos mais elevados, não podemos esquecer que o Supremo Pai se vale do tempo infinito para aperfeiçoar e sublimar a beleza e a precisão do corpo espiritual
que nos conferirá os valores imprescindíveis à nossa adaptação
à Vida Superior.
– Compete-nos, então – observou Hilário, atencioso –, atribuir importante papel às enfermidades na esfera humana. Quase todas estarão no mundo, desempenhando expressivo papel na regeneração das almas.
– Exatamente.
– Cada “centro de força” – ponderei – exigirá absoluta harmonia, perante as Leis Divinas que nos regem, a fim de que possamos ascender no rumo do Perfeito Equilíbrio...
– Sim – confirmou Clarêncio –, nossos deslizes de ordem moral estabelecem a condensação de fluidos inferiores de natureza gravitante, no campo eletromagnético de nossa organização, compelindo-nos a natural cativeiro em derredor das vidas começantes às quais nos imantamos.
Hilário, conduzindo mais longe as próprias divagações, perguntou:
– Imaginemos, contudo, um homem puramente selvagem, a situar-se em plena ignorância dos Desígnios Superiores, que se confia a delitos indiscriminados... Terá nos tecidos sutis da alma as lesões cabíveis a um europeu super-civilizado, que se entrega à indústria do crime?
Clarêncio sorriu, compreensivo, e acentuou:
– Sigamos devagar. Comentávamos, ainda há pouco, o problema da evolução. Assim como o aperfeiçoado veículo do homem nasceu das formas primárias da Natureza, o corpo espiritual foi iniciado também nos princípios rudimentares da inteligência.
É necessário não confundir a semente com a árvore ou a criança com o adulto, embora surjam na mesma paisagem de vida. O instrumento perispirítico do selvagem deve ser classificado como protoforma humana, extremamente condensado pela sua integração
com a matéria mais densa. Está para o organismo aprimorado dos Espíritos algo enobrecidos, como um macaco antropomorfo está para o homem bem-posto das cidades modernas. Em criaturas dessa espécie, a vida moral está começando a aparecer e o perispírito nelas ainda se encontra enormemente pastoso. Por esse motivo,
permanecerão muito tempo na escola da experiência, como o bloco de pedra rude sob marteladas, antes de oferecer de si mesmo a obra-prima... Despenderão séculos e séculos para se rarefazerem, usando múltiplas formas, de modo a conquistarem as
qualidades superiores que, em lhes sutilizando a organização, lhes conferirão novas possibilidades de crescimento consciencial. O instinto e a inteligência pouco a pouco se transformam em conhecimento e responsabilidade e semelhante renovação outorga ao ser mais avançados equipamentos de manifestação... O prodigioso corpo do homem na Crosta Terrestre foi erigido pacientemente, no curso dos séculos, e o delicado veículo do Espírito, nos planos mais elevados, vem sendo construído, célula a célula, na esteira dos milênios incessantes...
E, com um olhar significativo, Clarêncio concluiu:
– ... até que nos transfiramos de residência, aptos a deixar, em definitivo, o caminho das formas, colocando-nos na direção das esferas do Espírito Puro, onde nos aguardam os inconcebíveis, os inimagináveis recursos da suprema sublimação.
Calara-se o instrutor, mas o assunto era por demais importante para que eu me desinteressasse dele apressadamente.
Recordei os inúmeros casos de moléstias obscuras de meu trato pessoal e aduzi:
– Decerto a Medicina escreveria gloriosos capítulos na Terra, sondando com mais segurança os problemas e as angústias da alma...
– Gravá-los-á mais tarde – confirmou Clarêncio, seguro de si.
– Um dia, o homem ensinará ao homem, consoante as instruções do Divino Médico, que a cura de todos os males reside nele próprio.
A percentagem quase total das enfermidades humanas guarda origem no psiquismo.
Sorridente, acrescentou:
– Orgulho, vaidade, tirania, egoísmo, preguiça e crueldade são vícios da mente, gerando perturbações e doenças em seus instrumentos de expressão.
No objetivo de aprender, observei:
– É por isso que temos os vales purgatoriais, depois do túmulo...
a morte não é redenção...
– Nunca foi – esclareceu o Ministro, bondoso. – O pássaro doente não se retira da condição de enfermo, tão só porque se lhe arrebente a gaiola. O inferno é uma criação de almas desequilibradas que se ajuntam, assim como o charco é uma coleção de
núcleos lodacentos, que se congregam uns aos outros. Quando, de consciência inclinada para o bem ou para o mal, perpetramos esse ou aquele delito no mundo, realmente podemos ferir ou prejudicar a alguém, mas, antes de tudo, ferimos e prejudicamos a nós mesmos.
Se eliminamos a existência do próximo, nossa vítima receberá dos outros tanta simpatia que, em breve, se restabelecerá, nas leis de equilíbrio que nos governam, vindo, muita vez, em nosso auxílio, muito antes que possamos recompor os fios dilacerados de nossa consciência. Quando ofendemos a essa ou àquela criatura,
lesamos primeiramente a nossa própria alma, de vez que rebaixamos a nossa dignidade de espíritos eternos, retardando em nós sagradas oportunidades de crescimento.
– Sim – concordei –, tenho visto aqui aflitivas paisagens de provação que me constrangem a meditar...
– A enfermidade, como desarmonia espiritual – atalhou o instrutor –, sobrevive no perispírito. As moléstias conhecidas no mundo e outras que ainda escapam ao diagnóstico humano, por muito tempo persistirão nas esferas torturadas da alma, conduzindo-nos ao reajuste. A dor é o grande e abençoado remédio. Reeduca-
nos a atividade mental, reestruturando as peças de nossa instrumentação e polindo os fulcros anímicos de que se vale a nossa inteligência para desenvolver-se na jornada para a vida eterna. Depois do poder de Deus, é a única força capaz de alterar
o rumo de nossos pensamentos, compelindo-nos a indispensáveis modificações, com vistas ao Plano Divino, a nosso respeito, e de cuja execução não poderemos fugir sem graves prejuízos para nós mesmos.
Nosso domicílio, porém, estava agora à vista. Os raios dourados da manhã varriam o horizonte longínquo.
Despediu-se o Ministro, paternal.
Aquele era um dos momentos em que, desde muito, se devotava ele à oração.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

ESTUDO DO LIVRO LIBERTAÇÃO - CAPÍTULO 3 - JULIANA SOLARE



Entendimento

O zimbório estrelado, aos raios liriais da Lua, espalhava em torno vibrações de beleza inexprimível, semeando esperança, alegria e consolo.
Informado quanto aos objetivos que nos conduziriam à Crosta, com escalas por uma colônia purgatorial de vasta expressão, vali-me da hora amena para aproveitar a convivência com o Instrutor, tentando arrancar-lhe observações que vinham sempre revestidas de preciosos ensinamentos.
— É admirável pensar — aventurei respeitosamente — que se formam verdadeiras expedições em nossa esfera para atender a simples caso de obsessão...
— Os homens encarnados — redarguiu o orientador com certa vacuidade no olhar, qual se trouxesse a alma presa a imagens fugidias do pretérito — não suspeitam a extensão dos cuidados que despertam em nossos círculos de ação. Somos todos, eles e nós, corações imantados uns aos outros, na forja de benditas experiências. No romance evolutivo e redentor da Humanidade, cada espírito possui capitulo especial. Ternos e ríspidos laços de amor e ódio, simpatia e repulsão, acorrentam-nos reciprocamente. As almas corporificadas na Crosta guardam-se em passageiro sono, com esquecimento temporário quanto às atividades pregressas.
Banham-se no Estige dos antigos, cujas águas lhes facultam, durante certo tempo, valiosa segurança para retorno a oportunidades de elevação. Todavia, enquanto se mergulham em olvido benéfico, demoramo-nos por nossa vez, em abençoada vigília. Os perigos que nos ameaçam os entes amados de agora ou de épocas que o tempo consumiu, desde muito, não nos deixam impassíveis. Os homens não se acham sozinhos na estreita senda de provas salutares em que se confinam. A responsabilidade pelo aperfeiçoamento do mundo compete-nos a todos.
— Esclarecido, com respeito à jovem senhora que nos cabia socorrer, aduzi, reverente:
— A enferma, a cuja assistência fomos admitidos, está por exemplo em vosso passado espiritual...
— Sim — confirmou Gúbio, humilde —, alias não fui designado para servir no caso de Margarida, a doente que nos compele à breve expedição do momento, apenas porque houvesse sido minha filha em eras recuadas. Em cada problema de Socorro, é imprescindível considerar as várias partes em jogo. Em virtude do enigma de obsessão que nos propomos resolver, somos levados a buscar todas as personalidades que compõem o quadro de serviço. Perseguidores e perseguidos entrelaçam-se, em cada processo de auxílio, em grande expressão numérica. Cada espírito é um elo importante em extensa região da corrente humana.
Quanto mais crescemos em conhecimentos e aptidões, amor e autoridade, maior é o âmbito de nossas ligações na esfera geral.
Almas existem que se vêem sob o interesse de milhões de outras almas. Enquanto os movimentos da vida se estendem, harmoniosos, sob os ascendentes do bem, as dificuldades não chegam a surgir; contudo, quando a perturbação se estabelece, não é fácil desfazer obstáculos porque, em tais circunstâncias é indispensável procedamos com absoluta imparcialidade dando a cada um quanto lhe caiba. O homem terrestre, mormente nos dias tormentosos, costuma ver somente o “seu lado”, mas, acima da justiça comum, propriamente considerada, outros tribunais mais altos funcionam... Em razão disso, todos os casos de desarmonia espiritual na Terra movem aqui extensa rede de servidores que passam a tratá-los, sem inclinações pessoais, em bases do amor que Jesus exemplificou e, nessas ocasiões, preparamo-nos a satisfazer todos os imperativos de trabalho salvacionista que a tarefa nos imponha ou proporcione, dentro das atividades que lhe são conexas.
A essa altura da instrutiva conversação, chegamos a gracioso templo.
Nesse doce recanto consagrado à materialização de entidades sublimes, a luz suave da noite calma como que se fazia mais bela.
As vibrações constantes das preces, aí emitidas por vários séculos, tinham criado em torno da edificação prodigioso clima de encantamento.
Melodia celeste derramava-se à surdina e as flores delicadas do átrio pareciam corresponder aos sons cristalinos, variando no brilho e na cor, quase que imperceptivelmente.
Eu trazia o coração opresso, como se a felicidade das últimas horas, em que ouvira tão confortadoras e tão graves reflexões atinentes à extensão do mundo e da vida, me aproximasse a insignificância pessoal da grandeza divina, e lágrimas tranquilas inundaram-me o rosto.
O Instrutor tomou-nos a frente e, juntos, penetramos o jardim que circundava o aprazível santuário.
Alguns irmãos adiantaram-se, acolhedores.
Um deles, o Instrutor Gama, que se encarregava dos serviços da casa, abraçou-nos e disse com bondade:
— Chegam no momento preciso. Os doadores de fluidos sublimados encontram-se a postos e a outra comissão já veio.
Entramos sem detença.
Soube, de imediato, que outro grupo, constituído, aliás, por duas irmãs, ali se achava com o objetivo de receber instruções de serviço para esferas mais baixas.
Cariciosa claridade azul-brilhante banhava o largo recinto, adornado de flores níveas, semelhantes aos lírios que conhecemos na Terra.
Não houve tempo para conversações prévias.
Em seguida a saudações ligeiras e cordiais, foi composto o conjunto de oração.
Os doadores de energia radiante, médiuns de materialização em nosso plano, se alinhavam, não longe, em número de vinte.
Comovedora partitura soou, argentina e leve, em aposento próximo, predispondo-nos à meditação de ordem superior.
E logo após a prece, formosa e espontânea, pronunciada pelo responsável mais altamente categorizado na instituição, eis que a tribuna doméstica se ilumina. Esbranquiçada nuvem de substância leitosa-brilhante adensa-se em derredor e, pouco a pouco, desse bloco de neve translúcida, emerge a figura viva e respeitável de veneranda mulher. Indizível serenidade caracteriza-lhe o olhar simpático e o porte de madona antiga, repentinamente trazida à nossa frente.
Cumprimenta-nos com um gesto de bênção, como que nos endereçando, a todos, os raios da luz esmeraldina que em forma de auréola lhe exornam a cabeça.
As duas moças que formavam a comissão de serviços, estranha à nossa, avançaram com lágrimas discretas e rojaram-se, genuflexas.
— Mãe querida — clamou uma delas, com tal inflexão de voz que nos cortava as fibras mais íntimas —, ajuda-me a falar-te! A saudade longamente reprimida é um fogo que consome o coração. Auxilia-me! não me deixes perder este doce e divino minuto!
Apesar dos soluços de emoção que lhe vibravam no peito, continuou:
— Abençoa-nos para a grande jornada!... Há muito tempo aguardamos esta hora breve de reencontro contigo... Perdoa-nos, Mãezinha, se insistimos tanto na rogativa... Contudo, sem tua proteção amorosa, como vencer nos turbilhões do abismo?
Desejando talvez justificar-se, ante os olhos maternos, acrescentava em pranto:
— De conformidade com as tuas amadas recomendações, além de nossas tarefas habituais na zona de serviço em que a tua bondade nos situou, temos velado pelo Paizinho, mergulhado nas sombras: todavia, há seis anos buscamo-lo embalde... Escapa-nos à influência renovadora e se compraz na companhia de entidades que, por onde passam, vampirizam as criaturas.
Não nos recebe a atuação carinhosa, senão em forma de pensamentos vagos, de que se desvencilha facilmente, e, se multiplicamos providências salvacionistas, procede como louco... Gesticula a esmo, colérico e irritado, grita blasfêmias e solicita o concurso de seres viciados, a cujas radiações escuras se entrelaça, impelindo-nos as sugestões e a presença... Prefere o contacto de entidades ignorantes e infelizes, detestando-nos a ternura...
Nesse ponto, crise mais intensa de emotividade impediu-lhe continuar.
A nobre senhora que descera da tribuna, erguendo as filhas e acolhendo-as nos braços, exclamou com acento consolador na voz sem lágrimas, não obstante a visível melancolia:
— Filhas amadas, o Sol combate a treva todos os dias. Batalhemos contra o mal, incessantemente, até à vitória. Não se suponham sozinhas no conflito doloroso. Desculpemos o Papai, infinitamente, e colaboremos por restitui-lo à terra firme da luz. Se o Cristo trabalha por nós, desde o principio dos séculos, sem que lhe possamos compreender a amplitude dos sacrifícios, que dizer das nossas obrigações de amparo e tolerância, uns para com os outros? Cláudio se fêz para sempre credor da nossa estima e gratidão, apesar do pavoroso crime Oculto que no-lo arrebatou às profundezas .. Envenenou um parente para conseguir a riqueza material que nos ofereceu educação e conforto na esfera carnal. Por extrema dedicação a nós três, não hesitou diante da tentação que o constrangeu a infernal compromisso. Dono de afeição inquieta, não soube esperar a bênção do tempo e lançou mão de inconfessável processo para localizar-nos em um oásis de Superioridade mentirosa... Para que ele nos sentisse garantídos e felizes, viveu durante quarenta anos consecutivos entre o remorso e o sofrimento, psiquicamente sintonizado com espíritos maliciosos e vingativos das sombras, mas, na realidade, sobre as aflições dele nos foi possível atravessar abençoada existência de progresso e conforto, numa casa ditosa e farta, sem sabermos que em nossos alicerces espirituais vivia um ato escuro de assassínio e violência!
A essa altura, a entidade materializada chorou, comovedoramente abraçadas as três, num quadro emocionante e mudo, a Mãezinha encontrou recursos a fim de prosseguir:
— Tornaremos, contudo, ao campo de luta regenerador e benfazeja... Que vale para nós a paisagem celestial sem a libertação daqueles que amamos? O coração amoroso, atormentado abdicará do ingresso numa estrela para persistir ao lado de um ente querido, em duelo com as serpentes de um charco... Poderiamos gozar, porventura, o espetáculo augusto das esferas resplandecentes, ouvindo-lhes a harmonia indefinível, numa situação de destaque adquirida à custa daqueles que gemem e desfalecem nas trevas? Abandonar quem nos serviu de degrau em plena ascensão divina é das mais horrendas formas de ingratidão, O Senhor não pode abençoar uma ventura colhida ao preço de angústias para aqueles que no-las deram. Estou Convencida de que há mais grandeza no anjo que desce ao inferno para salvar os filhos de Deus, transviados e sofredores, do que no mensageiro espiritual que se dá pressa em comparecer ante o Trono do Eterno para louvá-lo, com esquecimento dos próprios benfeitores...
À venerável matrona enxugou o pranto copioso e prosseguiu:
— Olvidemos, pois, minhas filhas, o que hoje somos, para socorrer os que, com o propósito de nos servirem, resvalaram a despenhadeiro sinistro e tormentoso. Saldemos nossas dividas secretas com abnegação e devotamento. Mais tarde, receberei Antônio, o sobrinho envenenado, em meus braços maternos, reaproximando-o de Cláudio, através da cordialidade e do respeito vividos em comum. Ensinar-lhe-ei com alegre ternura a pronunciar o nome de Deus e a desfazer as pesadas nuvens de revolta que lhe empanam a vida íntima. A fim de incliná-lo à compreensão e à piedade, com mais eficiência, comprometi-me a acolher também no tabernáculo materno as seis criaturas desviadas do bem, às quais se apegou, desvairado, nas regiões inferiores, em face da culpa de quem nos foi desvelado amigo. Meu afeto reinará dificilmente num lar repleto de corações menos afins com o meu, onde Jesus me ensinará a soletrar, venturosa, a doce lição do sacrifício silencioso...
Muitas vezes, lidarei com a discórdia e a tentação; todavia, não podemos acreditar em felicidades de improviso. Conquistaremos em cooperação abençoada aquela paz que Cláudio sonhou para nós e que ele próprio não desfrutou...
Para que eu parta, porém, no rumo da reencarnação, é necessário que o Papai renasça primeiro. Sem esse marco inicial, não posso atacar o nosso processo redentor em nova fase.
Ajudemo-nos, assim, reciprocamente. Enquanto procuro transformar Antônio, reajustando-lhe as fibras afetivas, inclinem ambas o espírito paterno à esperança e à meditação reconstrutivas...
As jovens derramavam pranto comovedor, em que se misturavam angústia e alegria, e a matrona iluminada, revelando-se em despedida, acrescentou:
— Não desanimem, O tempo é das mais preciosas dádivas do Senhor e o tempo nos auxiliará. O porvir reunir-nos-á de novo, em abençoado refúgio terrestre. Eu e Cláudio, então renovado, receberemos muitos filhinhos, e vocês duas estarão entre eles, reconfortando-nos os corações. Terei sobre o peito algumas pedras preciosas por lapidar, no esforço de cada dia e, dentro dalma, duas flores, em ambas, cujo perfume celeste me sustentará as energias necessárias à Perseverança até ao fim... Compensar-me-ão vocês duas de todas as canseiras... Juntas pelo amor imperecível trabalharemos sustentadas pela recordação, embora imprecisa, da gloriosa vida espiritual que, um dia, nos acolherá, felizes e triunfantes. Lembremo-nos de Jesus e avancemos...
Silenciou a emissária, e as moças, provàvelmente avisadas de que o tempo permanecia esgotado, abraçaram-na de encontro ao coração. Sedentas de carinho A Mãezinha beijou-as, enternecida, e, após saudar-nos cordialmente, tornou à tribuna, em cujo topo desapareceu ao nosso olhar, numa onda de neblina evanescente.
Entreolhamo-nos em lágrimas, como quem tivera permissão de repousar a mente em branda melodia.
As irmãs retomaram o lugar que ocupavam e música balsâmica se fez ouvir, renovando-nos o ambiente, obedecendo certo, ao intuito de modificar-nos o campo vibracional.
Ponderando na incomensurável bondade do Pai, recordei os laços afetivos que me ligavam ao pretérito e observei, mais uma vez, que todas as medidas do bem são planejadas e pacientemente executadas pelos que se angelizam nas Virtudes do Céu, lastimando intimamente, as oportunidades perdidas noutro tempo, quando o verdadeiro entendimento da vida me não felicitava o espírito.
Ainda não voltara a mim mesmo da salutar divagação, quando outro lençol de alva substância, coroada de tons dourados, se fêz visível no alto. Em breves instantes, revestida de luz, outra mensageira surgia na tribuna.
Dos olhos irradiava doce magnetismo santificante.
Trajava um peplo estruturado em fina gaze azul-radiosa e desceu, erecta e digna, fitando-nos suavemente, à procura de alguém, com interesse particular.
O Instrutor ergueu-se, reverente, e caminhou na direção dela, qual discípulo submisso.
A recém-chegada pronunciou frases de paz, sem afetação, e endereçou-lhe a palavra, em tom de infinita ternura:
— Irmão Gúbio, agradeço-te o concurso dadivoso. Creio haver chegado, efetivamente, o instante de aceitar-te a ajuda fraterna, em favor da libertação de meu infortunado Gregório. Espero, há séculos, pela renovação e penitência dele. Impressionado pelos imensos recursos do poder, no passado distante, cometeu hediondos crimes da inteligência. Internado em perigosa organização de transviados morais, especializou-se, depois da morte, em oprimir ignorantes e infelizes. Pelo endurecimento do coração, conquistou a confiança de gênios cruéis, desempenhando presentemente a detestável função de grande sacerdote em mistérios escuros. Chefia condenável falange de centenas de outros espíritos desditosos, cristalizados no mal, e que lhe obedecem com deplorável cegueira e quase absoluta fidelidade. Agravou o passivo de suas dívidas clamorosas, trazidas da insânia terrestre, e vem sendo instrumento infeliz nas mãos de inimigos do bem, poderosos e ingratos... Há cinquenta anos, porém, já consigo aproximar-me dele, mentalmente.
Recalcitrante e duro, a princípio, Gregório agora experimenta algum tédio, o que constituí uma bênção nos corações infiéis ao Senhor. Já lhe surpreendo no espírito rudimentos de necessária transformação.
Ainda não chora sob o guante do arrependimento benéfico e parece-me longe do remorso salvador; entretanto, já duvida da vitoria do mal e abriga interrogações na mente envilecida. Não é tão severo no comando dos espíritos desventurados que lhe seguem as determinações e o colapso de sua resistência não me parece remoto. Nesse instante, notei que a venerável matrona derramava lágrimas discretas, que lhe deslizavam na face como sementes de luz.
Parou por alguns momentos, controlada pelas reminiscências dolorosas, e continuou:
— Irmão Gúbio, perdoa-me o pranto que não significa mágoa ou esmorecimento... Na pauta do julgamento humano comum, meu filho espiritual será talvez um monstro... Para mim, Contudo, é a jóia primorosa do coração ansioso e enternecido. Penso nele qual se houvera perdido a pérola mais linda num mar de lama e tremo de alegria ao considerar que vou reencontrálo. Não é paixão doentia que vibra em minhas palavras. É o amor que o Senhor acendeu em nós, desde o princípio. Estamos presos, diante de Deus, pelo magnetismo divino, tanto quanto as estrelas que se imantam umas às outras, no império universal. Não encontrarei o Céu, sem que os sentimentos de Gregório se voltem igualmente para a Eterna Sabedoria. Alimentamo-nos na Criação com os raios de vida imperecível que emitimos uns para com os Outros. Como surpreender a perfeita ventura se recebo do filho amado tão sômente raios de forças em desvario?
O nosso orientador contemplou-a, de olhos úmidos, e rogou:
— Nobre Matilde! estamos prontos. Dita ordens! Por mais que fizéssemos por tua alegria, nosso esforço seria pobre e pequenino, diante dos sacrifícios em que te empenhas por nós todos.
Num sorriso triste, prosseguiu a respeitável senhora:
— Descerei, dentro em breves anos, para o torvelinho de lutas carnais, a fim de esperar Gregório em existência de resgate difícil e doloroso. Educá-lo-ei sob os princípios superiores que regem a vida. Crescerá sob minha inspiração imediata e receberá a prova perigosa e aflitiva da riqueza material. É de nosso plano que ele acolha, no curso do tempo, em labor gradativo, a extensa legião de servidores viciados que hoje o seguem e a ele obedecem, a fim de encaminhá-los, tanto os possivelmente encarnados quanto os desencarnados, através do carreiro de santificação pela disciplina benéfica em construtivo suor. Padecerá calúnias e vilipêndios. Será muita vez humilhado à face dos homens. Triunfará nos bens efêmeros e nas honrarias mentirosas. Receberá, no desdobramento da tarefa salvadora, tentações de toda espécie que lhe serão desfechadas pela colônia de ignorância, perversidade e delinquência a que atualmente se filia, e conhecerá, depois de experiências inquietantes, a deserção dos falsos amigos, o abandono, a miséria, a enfermidade, a velhice e a solidão. Apegar-se-á profundamente ao meu carinho, na infância, na mocidade e na madureza; entretanto, na colheita de provações mais duras, tê-lo-ei precedido na viagem do túmulo... nessa época, porém, que pressinto de tão longe, meu coração materno, embora na esfera espiritual, encoraja-lo-á, passo a passo, na direção do esperado triunfo... Nas amarguras e desilusões que o ajudarão a reestruturar e aperfeiçoar os poderes da mente, minha voz de amor eterno será por ele registrada com mais precisão... Até lá, porém, Gúbio, compete-me trabalhar muito e sem desânimo, com incessante aproveitamento das horas. Moverei as cordas da intercessão sublime, mobilizarei meus amigos, rogarei a Jesus fortaleza e serenidade. Iniciaremos a liberação com o teu abnegado concurso na zona abismal.
A veneranda mensageira fêz ligeiro intervalo e, concentrando o olhar sobre o nosso Instrutor, aduziu com nova inflexão de voz:
— Atenderás Margarida que te foi filha amantíssima e que a Gregório ainda se encontra imantada por teias escuras do passado e colaborarás com o meu devotamento materno para que na alma dele se converta a sublevação em humildade e a frieza, em calor. Encontrando-o, veste a capa do servo prestimoso e fala-lhe em meu nome. Sob o gelo que lhe cristaliza os sentimentos, descansa, inapagada, a chama do amor que nos une para sempre. Disponho, agora, da permissão de fazer-me sentir e acredito que, à face de tua amorosa tarefa, mover-se-lhe-á o espírito endurecido.
Sei quanto te custa a incursão nos domínios da dor, porque só aquele que sabe amar e suportar consegue triunfo nas consciências que se degradaram no mal; entretanto, meu amigo, os dons divinos descem sobre nós, dentro de justas condicionais, O Senhor nos enriquece para que enriqueçamos a outrem, dá-nos alguma coisa para ensaiarmos a distribuição de benefícios que lhe pertencem, ajuda-nos a fim de que auxiliemos, por nossa vez, os mais necessitados. Mais recolhe quem mais semeia...
Diante daqueles olhos divinos, agora velados de lágrimas que não chegavam a cair, Gúbio valeu-se do intervalo e considerou, reverencioso:
— Abnegada Matilde, sou pequenino em excesso para merecer-te as palavras. Onde existe a alegria, o sofrimento não se detém. Socorreste-me com a tua intercessão, amparando-me o zelo afetivo, perante as necessidades de Margarida.
Um coração paternal é sempre venturoso, em se humilhando pelos filhos que ama. Sou simplesmente teu devedor, e, se Gregório me flagelasse nos círculos em que domina, semelhante aflição se converteria igualmente em júbilo, dentro de mim. De qualquer modo, ele me recordará tua bondade e teu devotamento apoiando-me os propósitos de descer para servir. As dores que me acarretasse seriam abençoados espinhos nas rosas que me ofereceste. Em teu nome, salvarei minha filha, cuja experiência atual no corpo denso nos é sumamente importante às reencarnações porvindouras... Trabalharei reconhecido ao ensejo que me deste, lutarei, encorajado e feliz...
Mostrando intenso júbilo e grande esperança na expressão fisionômica, a senhora agradeceu com palavras generosas e concluiu:
— Ao terminares a fase essencial de tua missão, nos dias próximos, sobre o que serei notificada por nossos mensageiros, irei ao teu encontro nos “campos de saida” . (1) Então, quem sabe? é provável se verifique o encontro pessoal que almejo há muito tempo, porqüanto Gregório virá possivel¬mente em tua companhia, até a um ponto em que de alguma sorte a manifestação da luz será possibilitada ante as trevas.
A emissária acentuou a expressão brilhante do rosto, exteriorizando a doce expectativa que lhe povoava a alma, e considerou:
— A hora é chegada... O Senhor estará conosco. Há tempo de plantar e tempo de colher. Gregório e eu semearemos de novo. Seremos mãe e filho, outra vez!
Detendo-se particularmente sobre nosso Instrutor, falou, extática:
— Possam minhas lágrimas de alegria orvalhar-te o espírito laborioso. Seguir-te-ei a ação e aproximar-me-ei no instante oportuno. Creio na vitória do amor, logo resplandeça o minuto do reencontro. Nesse dia abençoado, Gregório e os companheiros que mais se afinarem com ele serão trazidos por nós a círculos regeneradores e, dessas esferas de reajustamento, conto reorganizar elementos ante o futuro promissor, sonhando em companhia dele as realizações que nos competem alcançar.
Gúbio pronunciou algumas frases de compromisso fraterno.
Trabalharíamos sem descanso.
Desvelar-nos-íamos pela execução das ordens afetuosas.
A singular entrevista terminou entre preces de gratidão ao Eterno Pai.
Findo aquele culto vivo de amor imortal, despedimo-nos da família cristã que ali se congregava.
Cá fora, a noite se fizera mais bela.
A Lua reinava num trono de azul macio, constelado de estrelas luzentes.
Flores inúmeras saudavam-nos com perfume inebriante.
Ergui para o Instrutor olhos repletos de indagações, mas Gúbio, afagando-me os ombros, delicadamente murmurou:
— Repousa a mente e não perguntes por agora. Amanhã, seguiremos na direção da tarefa nova, que nos exigirá muita prudência e compreensão fraternal, e convence-te de que o serviço nos esclarecerá com a sua linguagem viva.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 13 ÍTEM 17 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO DIREITA

A Piedade

1. O que é piedade?
É a simpatia espontânea e desinteressada que experimentamos ao presenciar o sofrimento do nosso irmão.

“A piedade é a virtude que mais vos aproxima dos anjos; é a irmã da caridade, que vos conduz a Deus”.

2. Por que é necessário que te tenhamos piedade, diante do sofrimento do próximo?
Porque este sentimento, se sincero e profundo, nos levará à prática da caridade, pois nos sensibilizará ao ponto de desejar minorar-lhe o sofrimento, através dos meios de que dispusermos.

A piedade bem sentida é amor, devotamento, esquecimento de si mesmo, abnegação em favor dos desgraçados. A piedade é a mola propulsora da caridade: não a praticamos senão quando nos compadecemos do sofrimento alheio.

3. Por que é comum refrear este sentimento, evitando encarar o sofrimento alheio?
Porque o egoísmo e o orgulho endurecem o nosso coração, gerando a indiferença, o comodismo, o medo de sermos importunados em nossa tranqüilidade, ou lesados nos bens materiais.

“O sentimento mais apropriado a fazer que progridais, domando em vós o egoísmo e o orgulho, aquele que dispõe vossa alma à humildade, à beneficência e ao amor ao próximo é a piedade.”
“Temei conservar-vos indiferentes, quando puderdes ser úteis.”


4. Nossos problemas não são mais importantes do que os do próximo?
Sem dúvida são importantes, mas, muitas vezes, no auxilio ao próximo está o caminho para a solução dos nossos próprios problemas.

“É consolando que se é consolado”.

5. Por que Jesus nos orientou para sermos caridosos, não julgando, mas perdoando e auxiliando sempre?
Para que nos livrássemos de experimentar a mesma dor que presenciamos, situação que a Lei de Deus prevê para os insensíveis.

Quando o sofrimento alheio não nos sensibiliza, a Orientação Divina estatui venhamos a experimentá-lo igualmente, para avaliar a dor do próximo e nos predispor a ampará-lo. (Caibar Schutel/O Espírito da Verdade- nº26).

6. Que compensação tem aquele que cultiva a piedade?
Ao contato com a desgraça de outrem, é inevitável que sofra natural abalo. Porém, ao compadecer-se do irmão em sofrimento e dele receber reconhecimento, experimenta penetrante suavidade que lhe enche a alma de alegria.

Quão longe, no entanto, se acha a piedade de causar o distúrbio é o aborrecimento de que se arreceia o egoísta (...) Grande, porém, é a compensação, quando chegais a dar coragem e esperança a um irmão infeliz...”

7- Ante aos inúmeros problemas que afligem a Humanidade, como escolhermos aquele a quem prestaremos auxílio?
Aquele que está mais próximo de nós, em nome da misericórdia divina.

8- Nossa pequena ação não seria uma gota d`água no oceano?
É possível. No entanto, é de muitas gotas que se forma o oceano.

Conclusão:

A piedade é o sentimento divino que nos impulsiona ao auxílio do próximo, à caridade. Todos trazemos no coração esta centelha de amor, que precisa do nosso esforço fraterno para expandir-se.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 20 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



20 – Conflitos da Alma

Voltando à residência de Amaro, ainda conseguimos observálo, fora do veículo denso, em conversação com Odila, sob o amparo direto de nosso orientador.
A primeira esposa do ferroviário, identificando o marido, provavelmente com o auxílio de Clarêncio, abandonara Zulmira por instantes e ajoelhara-se-lhe aos pés, rogando, súplice:
– Amaro, expulsa! Corre com esta mulher de nossa casa! Ela furtou a nossa paz... Matou nosso filho, prejudica Evelina e transtorna-te!...
Apontando a enferma com terrível olhar, acentuava:
– Porque reténs semelhante intrusa?
O interpelado, muito triste, esforçava-se por dirigir a atenção no rumo de nosso instrutor, mas talvez torturado pelo reencontro com a primeira mulher, mal-humorada e enfurecida, perdera a serenidade que lhe caracterizava habitualmente o semblante.
Enquanto junto de nós, versando os problemas de ordem moral que lhe absorviam a mente, sustentara calma invejável, com aristocrática penetração nos problemas da vida, ali, perante a mulher que lhe dominava os sentimentos, revelava-se mais acessível ao desequilíbrio e à conturbação.
Mostrava-se interessado em responder às objurgatórias que ouvia, entretanto, extrema palidez fisionômica denunciava-lhe agora a inibidora emoção.
Situado entre Odila e Zulmira, parecia dividir-se entre o amor e a piedade.
A genitora de Evelina prosseguia gritando, com inflexão enternecedora;
no entanto, imóvel, o marido assemelhava-se a uma estátua viva, de dúvida e sofrimento.
Esperava que o nosso orientador, qual acontecera minutos antes com o ferroviário, reconduzisse a mente de Odila às impressões do pretérito, a fim de acalmar-lhe o coração, e cheguei a falar-lhe, nesse sentido, mas Clarêncio informou, bondoso:
– Não, não convém. Nossa história cresceria demasiado por espraiar-se excessivamente no tempo. É aconselhável nossa sustentação no fio de trabalho nascido na prece de Evelina.
Reparando que o ferroviário manifestava estranha aflição, o Ministro acercou-se dele e paternalmente afastou-o de Odila, transportando-o para o leito em que o seu carro físico repousava.
A pobre desencarnada tentava agarrar-se a ele, clamando em desconsolo:
– Amaro! Amaro! não me abandones assim!
O relógio-carrilhão da família assinalava três da manhã.
O dono da casa acordou, abatido. Esfregou os olhos, sonolento, guardando a idéia de ainda estar ouvindo o apelo que vibrava no ar:
– Amaro! Amaro!
O abalo do reencontro fora nele muito forte. Na tela mnemônica permanecia tão somente a fase última de sua incursão espiritual – a imagem de Odila, que se lhe afigurava implorando socorro...
Da palestra que alimentara conosco não restava traço algum.
Deixando-o entregue à lembrança fragmentária que lhe assomava à consciência como simples sonho, partimos.
A irmã Blandina solicitava-nos concurso imediato, em favor do pequeno Júlio, que confiara aos cuidados de Mariana, enquanto nos buscava a companhia.
Valendo-me da excursão para o Lar da Bênção, indaguei do Ministro quanto a certo enigma que me feria a imaginação.
Esteves, ao tempo da guerra do Paraguai, sofrera tanto quanto Júlio o suplício do veneno. Porque surgiam em ambos efeitos tão díspares? O menino ainda trazia a garganta doente, ao passo que o enfermeiro, vitimado por Leonardo, não parecia haver conhecido qualquer conseqüência mais grave...
Clarêncio, sorrindo, explicou afetuoso:
– Não tomaste em consideração o exame das causas. Esteves foi envenenado, enquanto Júlio se envenenou. Há muita diferença.
O suicídio acarreta vasto complexo de culpa. A fixação mental do remorso opera inapreciáveis desequilíbrios no corpo espiritual. O mal como que se instala nos recessos da consciência que o arquiteta e concretiza. Vimos Leonardo Pires com a imagem de Esteves atormentando-lhe a imaginação e observamos Júlio, enfermo até
agora, em conseqüência de erros deliberados aos quais se entregou há quase oitenta anos, O pensamento que desencadeia o mal encarcera-se nos resultados dele, porque sofre fatalmente os choques de retorno, no veículo em que se manifesta.
E, à frente das silenciosas reflexões que me absorviam, acrescentou:
– É natural que assim seja.
Atingíramos a graciosa residência de Blandina.
Entramos.
O choro de Júlio infundia compaixão.
Após saudarmos a devotada Mariana, que o assistia com desvelo maternal, o Ministro examinou-o e notificou à irmã Blandina, algo inquieta:
– Estejamos tranqüilos. Espero conduzi-lo à reencarnação em breves dias.
– Sim, essa providência não deve tardar – considerou nossa amiga, atenciosa.
Assinalando-nos decerto a curiosidade, de vez que também percebia Hilário interessado em adquirir informações e conhecimentos em torno dos problemas que anotávamos de perto, o instrutor convidou-nos a observar a infortunada criança, comunicando:
– Como não desconhecem, o nosso corpo de matéria rarefeita está intimamente regido por sete centros de força, que se conjugam nas ramificações dos plexos e que, vibrando em sintonia uns com os outros, ao influxo do poder diretriz da mente, estabelecem, para nosso uso, um veículo de células elétricas, que podemos definir como sendo um campo eletromagnético, no qual o pensamento vibra em circuito fechado. Nossa posição mental determina o peso específico do nosso envoltório espiritual e,
conseqüentemente, o “habitat” que lhe compete. Mero problema de padrão vibratório. Cada qual de nós respira em determinado tipo de onda. Quanto mais primitiva se revela a condição da mente, mais fraco é o influxo vibratório do pensamento, induzindo a compulsória aglutinação do ser às regiões da consciência embrionária
ou torturada, onde se reúnem as vidas inferiores que lhe são afins. O crescimento do influxo mental, no veículo eletromagnético em que nos movemos, após abandonar o corpo terrestre, está na medida da experiência adquirida e arquivada em nosso próprio
espírito. Atentos a semelhante realidade, é fácil compreender que sublimamos ou desequilibramos o delicado agente de nossas manifestações, conforme o tipo de pensamento que nos flui da vida íntima. Quanto mais nos avizinhamos da esfera animal,
maior é a condensação obscurecente de nossa organização, e quanto mais nos elevamos, ao preço de esforço próprio, no rumo das gloriosas construções do espírito, maior é a sutileza de nosso envoltório, que passa a combinar-se facilmente com a beleza, com
a harmonia e com a luz reinantes na Criação Divina.
Ouvíamos as preciosas explicações, enlevados, mas Clarêncio, reparando que não nos cabia fugir do quadro ambiente, voltou-se para a garganta enferma de Júlio e continuou:
– Não nos afastemos das observações práticas, para estudar com clareza os conflitos da alma. Tal seja a viciação do pensamento, tal será a desarmonia no centro de força, que reage em nosso corpo a essa ou àquela classe de influxos mentais. Apliquemos à nossa aula rápida, tanto quanto nos seja possível, a terminologia trazida do mundo, para que vocês consigam fixar com mais segurança os nossos apontamentos. Analisando a fisiologia do perispírito, classifiquemos os seus centros de força, aproveitando a lembrança das regiões mais importantes do corpo terrestre. Temos, assim, por expressão máxima do veículo que nos serve presentemente, o “centro coronário” que, na Terra, é considerado pela filosofia hindu como sendo o lótus de mil pétalas, por ser o mais significativo em razão do seu alto potencial de radiações, de vez que nele assenta a ligação com a mente, fulgurante sede da consciência. Esse centro recebe em primeiro lugar os estímulos do espírito, comandando os demais, vibrando todavia com eles em justo regime de interdependência. Considerando em nossa exposição os fenômenos do corpo físico, e satisfazendo aos
impositivos de simplicidade em nossas definições, devemos dizer que dele emanam as energias de sustentação do sistema nervoso e suas subdivisões, sendo o responsável pela alimentação das células do pensamento e o provedor de todos os recursos eletromagnéticos indispensáveis à estabilidade orgânica. É, por isso, o grande
assimilador das energias solares e dos raios da Espiritualidade Superior capazes de favorecer a sublimação da alma. Logo após, anotamos o “centro cerebral”, contíguo ao “centro coronário”, que ordena as percepções de variada espécie, percepções essas que, na vestimenta carnal, constituem a visão, a audição, o tato e a vasta rede de processos da inteligência que dizem respeito à palavra, à cultura, à arte, ao saber. É no “centro cerebral” que possuímos o comando do núcleo endocrínico, referente aos poderes psíquicos.
Em seguida, temos o “centro laríngeo”, que preside aos fenômenos vocais, inclusive às atividades do timo, da tireóide e das paratireóides. Logo após, identificamos o “centro cardíaco”, que sustenta os serviços da emoção e do equilíbrio geral. Prosseguindo em nossas observações, assinalamos o “centro esplênico” que,
no corpo denso, está sediado no baço, regulando a distribuição e a circulação adequada dos recursos vitais em todos os escaninhos do veículo de que nos servimos. Continuando, identificamos o “centro gástrico”, que se responsabiliza pela penetração de alimentos e fluidos em nossa organização e, por fim, temos o “centro
genésico”, em que se localiza o santuário do sexo, como templo modelador de formas e estímulos.
O instrutor fez pequena pausa de repouso e prosseguiu:
– Não podemos olvidar, porém, que o nosso veículo sutil, tanto quanto o corpo de carne, é criação mental no caminho evolutivo, tecido com recursos tomados transitoriamente por nós mesmos aos celeiros do Universo, vaso de que nos utilizamos para ambientar em nossa individualidade eterna a divina luz da sublimação,
com que nos cabe demandar as esferas do Espírito Puro. Tudo é trabalho da mente no espaço e no tempo, a valer-se de milhares de formas, a fim de purificar-se e santificar-se para a Glória Divina.
Clarêncio afagou a garganta doente do menino, dando-nos a idéia de que nela fixava o objeto de nossas lições, e aduziu:
– Quando a nossa mente, por atos contrários à Lei Divina, prejudica a harmonia de qualquer um desses fulcros de força de nossa alma, naturalmente se escraviza aos efeitos da ação desequilibrante, obrigando-se ao trabalho de reajuste. No caso de Júlio, observamo-lo como autor da perturbação no “centro laríngeo”, alteração que se expressa por enfermidade ou desequilíbrio a acompanhá-lo fatalmente à reencarnação.
– E como sanará ele semelhante deficiência? – perguntei, edificado com os esclarecimentos ouvidos.
Com a serenidade invejável de sempre, o Ministro ponderou:
– Nosso Júlio, de atenção encadeada à dor da garganta, constrangido a pensar nela e padecendo-a, recuperar-se-á mentalmente para retificar o tônus vibratório do “centro laríngeo”, restabelecendo-lhe a normalidade em seu próprio favor.
E decerto para gravar, com mais segurança, a elucidação, concluiu:
– Júlio renascerá num equipamento fisiológico deficitário que, de algum modo, lhe retratará a região lesada a que nos reportamos.
Sofrerá intensamente do órgão vocal que, sem dúvida, se caracterizará por fraca resistência aos assaltos microbianos, e, em virtude de o nosso amigo haver menosprezado a bênção do corpo físico, será defrontado por lutas terríveis, nas quais aprenderá a valorizá-lo.
Em seguida, porém, o instrutor desdobrou várias operações magnéticas, a benefício do pequeno enfermo, que se mantinha calmo, e, com os agradecimentos das duas solícitas irmãs que nos ouviam, atentamente, despedimo-nos de retorno ao nosso domicílio
espiritual.

domingo, 8 de agosto de 2010

SEMANA - ESTUDO DO EVANGELHO CAPÍTULO 13 ÍTEM 14 - MARIA J. CAMPOS



FONTE BÁSICA

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO DIREITA

A Beneficência

1. Qual a diferença entre a caridade e a esmola?
A diferença está na maneira como se pratica uma e outra. A esmola é quase sempre humilhante, tanto para o que dá como para o que recebe.
A caridade, ao contrário, se disfarça de mil modos para evitar vexames e liga fraternalmente o benfeitor ao beneficiado.

“Distribui, desse modo, a beneficência do agasalho e do pão, evitando humilhar quem te recolhe os gestos de providência e carinho.”
(Emmanuel)


2. Como praticar a caridade entre parentes e amigos?
Sendo indulgentes uns para com os outros; perdoando-nos mutuamente as fraquezas, procurando não ofender nem magoar a ninguém; corrigindo o mal pelo exemplo que sede, na prática do bem.

“Contudo, não olvides estender a caridade do pensamento e da língua, para que o bálsamo anule o veneno do ódio e para que a força do esquecimento extinga as sombras de todo mal.” (Emmanuel)

3. O que se pode observar, no exemplo dado sobre a beneficência?
Que as senhoras que se reúnem são de diferentes idades e trabalham com boa vontade e alegria; que todas têm o mesmo ideal de servir ao próximo e se dedicam a atender aos necessitados sem se preocupar com a crença que professam.

“Vêde como trazem alegres os semblantes e como lhes batem em uníssono os corações”.


4. Que lição nos ensinam os necessitados desta estória?
Que devemos ter sempre esperança e paciência, quaisquer que sejam as nossas dificuldades, pois a misericórdia de Deus não tem limite e chegará o dia em que nossos lamentos se transformarão em bênçãos.

Através da prática da caridade, tornamo-nos instrumentos da misericórdia de Deus, para atenuar o sofrimento do nosso irmão.

5. De que modo os espíritos superiores auxiliam as benfeitoras da estória?
Acompanhando-lhes o trabalho; trazendo-lhes encorajamento e inspiração; transmitindo-lhes ânimo para prosseguirem na tarefa e providenciando-lhes novos necessitados, que as recompensarão em forma de bênçãos.

“(...) prometemos às laboriosas obreiras boa clientela, que lhes pagará à vista, em bênçãos, única moeda que tem curso no céu...”
“É dando que se recebe.”
Grande auxílio espiritual recebe aquele que ajuda o irmão em sofrimento.


6. E nós, como podemos praticar a caridade no nosso dia-a-dia?
Estendendo o nosso afeto, compreensão, paciência e perdão àqueles com quem convivemos mais de perto. Auxiliando sempre os irmãos necessitados, não apenas com bens materiais, mas com as riquezas do nosso coração.

“A indulgência, a piedade, o perdão, os conselhos, a paciência, o respeito e a renúncia são atos de benefício ao próximo, que não envolvem bens materiais e cuja prática está ao alcance de todos.”

Conclusão:

Por mais pobres, imperfeitos e cheios de dificuldades que sejamos, sempre poderemos praticar a caridade. Ela nos granjeará a assistência dos bons espíritos e nos fará instrumentos da misericórdia de Deus, para amenizar o sofrimento de nossos irmãos.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

ESTUDO DO LIVRO NOSSO LAR - CAPÍTULO 42 - JULIANA SOLARE



A Palavra do Governador

Para o domingo imediato à visita do clarim, prometeu o Governador a realização do culto evangélico no Ministério da Regeneração. O objetivo essencial da medida, esclareceu Narcisa, seria a preparação de novas escolas de assistência no Auxílio e núcleos de adestramento na Regeneração.
- Precisamos organizar - dizia ela - determinados elementos para o serviço hospitalar urgente, embora o conflito se tenha manifestado tão longe, bem como exercícios adequados contra o medo.
- Contra o medo? - acrescentei, admirado.
- Como não? - objetou a enfermeira, atenciosa. - Talvez estranhe, como acontece a muita gente, a elevada porcentagem de existências humanas estranguladas simplesmente pelas vibrações destrutivas do terror, que é tão contagioso como qualquer moléstia de perigosa propagação.
Classificamos o medo como dos piores inimigos da criatura, por alojar-se na
cidadela da alma, atacando as forças mais profundas.
Observando-me a estranheza, continuou:
- Não tenha dúvida. A Governadoria, nas atuais emergências, coloca o treinamento contra o medo muito acima das próprias lições de enfermagem.
A calma é garantia do êxito. Mais tarde, compreenderá tais imperativos de serviço.
Não encontrei argumento de contestação para retrucar.
Na véspera do grande acontecimento, tive a honra de integrar o quadro de cooperadores numerosos, no trabalho de limpeza e ornamentação natural do grande salão consagrado ao chefe maior da colônia.
Experimentava, então, ansiedade justa. Ia ver, pela primeira vez, a meu lado, o nobre condutor que merecia a veneração geral. Não me sentia sozinho em semelhante expectativa, porque havia inúmeros companheiros nas minhas condições.
Tive a impressão de que toda a vida social do nosso Ministério convergiu para o grande salão natural, desde o raiar de domingo, quando verdadeiras caravanas de todos os departamentos regeneradores chegavam ao local. O Grande Coro do Templo da Governadoria, aliando-se aos meninos cantores das escolas do Esclarecimento, iniciou a festividade com o maravilhoso hino intitulado "Sempre Contigo, Senhor Jesus", cantado por duas mil vozes ao mesmo tempo. Outras melodias de beleza singular
encheram a amplidão. O murmúrio doce do vento, canalizado em vagas de perfume, parecia responder às harmonias suaves.
Havia permissão geral de ingresso ao enorme recinto verde, para todos os servidores da Regeneração, porque, conforme o programa estabelecido, o culto evangélico era dedicado especialmente a eles, comparecendo os demais Ministérios, por numerosas delegações.
Pela primeira vez, tive à frente dos olhos alguns cooperadores dos Ministérios da Elevação e União Divina, que me pareceram vestidos em brilhantes claridades.
A festividade excedia a tudo que eu pudesse sonhar em beleza e deslumbramento. Instrumentos musicais de sublime poder vibratório embalavam de melodias a paisagem odorante.
Às dez horas, chegou o Governador acompanhado pelos doze Ministros da Regeneração.
Nunca esquecerei o vulto nobre e imponente daquele ancião de cabelos de neve, que parecia estampar na fisionomia, ao mesmo tempo, a sabedoria do velho e a energia do moço; a ternura do santo e a serenidade do administrador consciencioso e justo. Alto, magro, envergando uma túnica muito alva, olhos penetrantes e maravilhosamente lúcidos, apoiava-se num bordão, embora caminhasse com aprumo juvenil.
Satisfazendo-me a curiosidade, Salústio informou:
- O Governador sempre estimou as atitudes patriarcais, considerando que se deve administrar com amor paterno.
Sentando-se ele na tribuna suprema, levantaram-se as vozes infantis, seguidas de harpas caridosas, entoando o hino "A Ti, Senhor, Nossas Vidas".
O velhinho enérgico e amorável passeou o olhar pela assembléia compacta, constituída de milhares de assistentes. Em seguida, abriu um livro luminoso que o companheiro me informou ser o Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo. Folheou-o atento e, depois, leu em voz pausada:
- "E ouvíreis falar de guerras e de rumores de guerras; olhai, não vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim.,' - Palavras do Mestre em Mateus, capítulo 24, versículo 6.
Volume de voz consideravelmente aumentado pelas vibrações elétricas, o chefe da cidade orou comovidamente, invocando as bênçãos do Cristo, saudando, em seguida, os representantes da União Divina, da Elevação, do Esclarecimento, da Comunicação e do Auxílio, dirigindo-se, com especial atenção, a todos os colaboradores dos trabalhos de nosso Ministério.
Impossível descrever a entonação doce e enérgica, amorosa e convincente, daquela voz inesquecível, bem como traduzir no papel humano as considerações divinas do comentário evangélico, vazado em profundo sentimento de veneração pelas coisas sagradas.
Finalizando, em meio de respeitoso silêncio, dirigiu-se o Governador, de maneira particular, aos servidores da Regeneração, exclamando, mais ou menos nestes termos:
- É para vós, irmãos meus, cujos labores se aproximam das atividades terrestres, com mais propriedade, que dirijo meu apelo pessoal, muito esperando da vossa nobre dedicação. Elevemos ao máximo nosso padrão de coragem e de espírito de serviço. Quando as forças da sombra agravam as dificuldades das esferas inferiores, é imprescindível acender novas luzes que dissipem, na Terra, as trevas densas. Consagrei o culto de hoje a todos os servidores deste Ministério, votando-lhes de modo particular a confiança do meu coração. Não me dirijo, pois, neste momento, aos nossos irmãos cujas mentes já funcionam em zonas mais altas da vida, mas a vós outros, que trazeis nas sandálias da recordação os sinais da poeira do mundo, para
exalçar a tarefa gigantesca. "Nosso Lar" precisa de trinta mil servidores
adestrados no serviço defensivo, trinta mil trabalhadores que não meçam necessidade de repouso, nem conveniências pessoais, enquanto perdurar nossa batalha com as forças desencadeadas do crime e da ignorância.
Haverá serviço para todos, nas regiões de limite vibratório, entre nós e os planos inferiores, porque não podemos esperar o adversário em nossa morada espiritual. Nas
organizações coletivas, é forçoso considerar a medicina preventiva como medida primordial na preservação da paz interna. Somos, em "Nosso Lar", mais de um milhão de criaturas devotadas aos desígnios superiores e ao melhoramento moral de nós mesmos. Seria caridade permitir a invasão de vários milhões de espíritos desordeiros? Não podemos, portanto, hesitar no que se refere à defesa do bem. Sei que muitos de vós recordais, neste instante, o Grande Crucificado. Sim, Jesus entregou-se à turba de amotinados e criminosos, por amor à redenção de todos nós, mas não entregou o mundo à desordem e ao aniquilamento. Todos devemos estar
prontos para o sacrifício individual, mas não podemos entregar nossa morada aos malfeitores. Lógico que a nossa tarefa essencial é de confraternização e paz, de amor e alívio aos que sofrem; claro que interpretaremos todo mal como desperdício de energia, e todo crime como enfermidade dalma; entretanto, "Nosso Lar', e um patrimônio divino, que precisamos defender com todas as energias do coração. Quem não sabe preservar, não é digno de usufruir. Preparemos, pois, legiões de
trabalhadores que operem esclarecendo e consolando, na Terra, no Umbral e nas Trevas, em missões de amor fraternal; mas precisamos organizar, neste Ministério, antes de tudo, uma legião especial de defesa, que nos garanta as realizações espirituais, em nossas fronteiras vibratórias.
Assim continuou a discorrer, por longo tempo, encarecendo providências de caráter fundamental, tecendo considerações que jamais conseguiria aqui descrever. Ultimando os comentários, repetiu a leitura do versículo de Mateus, invocando, de novo, as bênçãos de Jesus e as energias dos ouvintes, para que nenhum de nós recebesse dádivas em vão.
Comovido e deslumbrado, ouvi as crianças entoarem o hino que a Ministra Veneranda intitulara "A Grande Jerusalém". O Governador desceu da tribuna sob vibrações de imensa esperança e foi então que brisas cariciosas começaram a soprar sobre as árvores, trazendo, talvez de muito longe, pétalas de rosas diferentes, em maravilhoso azul, que se desfaziam, de leve, ao tocar nossas frontes, enchendo-nos o coração de intenso júbilo.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 19 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



19 – Dor e Surpresa

– Júlio! Júlio! comparece, covarde! ... – bramia o enfermeiro, possesso.
E percebendo talvez a simpatia que Amaro nos conquistara, à face da serenidade com que suportava a situação, prosseguiu, invocando, revel:
– Comparece para desmascarar o patife que procura comovernos!
Júlio, odeio-te! Mas é necessário apareças! Acusa teu desalmado assassino!...
O Ministro procurava contê-lo, bondoso, mas Silva, como potro indomesticado, gesticulava a esmo e continuava, conclamando:
– Júlio!... Júlio!...
Sim, Júlio não respondeu à chamada, entretanto, alguém surgiu, surpreendendo-nos a atenção.
A irmã Blandina, em pessoa, qual se fora nominalmente intimada, estacou junto de nós.
Envolvidos na doce luz que nos banhou, de improviso, aquietamo-nos, perplexos, à exceção de Clarêncio que se mantinha calmo, como se aguardasse semelhante visita.
Depois de saudar-nos, Blandina rogou, humilde:
– Irmãos, por amor a Jesus, atendei !... Temos Júlio, sob a nossa guarda. Acha-se doente, aflito... Vossos apelos individuais alteram-lhe o modo de ser... Poderia colocar-se mentalmente ao vosso encontro, contudo, atravessa agora difíceis provas de reajuste...
Venho implorar-vos caridade!... Compadecei-vos de quem hoje se esforça por olvidar o que foi ontem para regenerar-se amanhã, com eficiência!
Havia tanta aflição e tanta ternura naquela rogativa que a vibração do ambiente modificou-se, de súbito.
Comecei a entender com mais clareza a trama obscura do romance vivo que abordávamos.
Júlio, o menino doente, era o companheiro que voltava na condição de filho do amigo com quem outrora se desaviera...
Não pude, porém, alongar divagações, porque Silva, provavelmente revoltado contra a emoção que nos senhoreava o espírito, passou a reclamar, de novo:
– Anjo ou mulher, não lutarei contra o sortilégio! Não lutarei!
Mas preciso arrojar este bandido ao despenhadeiro que merece por suas deslavadas mentiras!... Que Júlio permaneça no céu ou no inferno, sob a custódia dos arcanjos ou dos demônios, todavia, exijo que a verdade surja, inteira!... Recorro ao testemunho de Lina! Que Lina compareça! Que ela deponha! Se nos achamos aqui, convocados pelo destino que nos algema uns aos outros, que a pérfida mulher seja ouvida igualmente...
Nosso instrutor, assumindo a chefia espiritual do grupo, convidou com energia e brandura:
– Lina encontra-se não longe de nós. Entremos.
A determinação foi obedecida.
Na penumbra do quarto que já conhecíamos, a segunda esposa de Amaro jazia subjugada pela outra.
Enquanto Odila se nos afigurava mais rancorosa e mais dura, Zulmira revelava-se mais abatida.
Clarêncio enlaçou Mário, como um pai que recolhe um filho, carinhosamente, e, apontando a enferma, esclareceu, generoso:
Amigo, acalma-te! Lina Flores, atualmente, padece na forja da luta e do sacrifício, a fim de recuperar-se. Apaga a labareda de ódio que te requeima o coração! Deixa que nova compreensão te beneficie a alma ulcerada!... Não nos cabe prejudicar o caminho
de quem procura a regeneração que lhe é necessária!
Ante o olhar de Mário, espantadiço e agoniado, o Ministro considerou:
– Lina, hoje, com imensas dificuldades, tenta alcançar a altura do casamento digno e, superando tremendos obstáculos, constrói os alicerces da missão de maternidade para a qual se encaminha...
Ajudemo-la com as nossas vibrações de compreensão e carinho. Quando amamos realmente, antes de tudo é a felicidade da criatura amada que nos interessa...
Nosso grupo avançou algo mais.
Junto de nós, Blandina mantinha-se em prece.
O orientador abeirou-se da doente, com atenção respeitosa, e mostrou-lhe o rosto ossudo e triste ao enfermeiro que, ao reconhecê-la, bradou, aterrado:
– Zulmira! Zulmira, então, é Lina que volta?
O Ministro acariciou-lhe a cabeça e informou, conciso:
– Sim, regressou em companhia de Armando, em dolorosas reparações, O consórcio para eles não foi o castelo de flores de laranjeira, mas sim uma associação de interesses espirituais para o trabalho regenerativo. Armando, em luta no plano da vida real
para reerguer-se, aceitou o compromisso de reconduzi-la à dignidade feminina, amparando-lhe as angústias silenciosas...
Estupefato, Silva exclamou, cambaleante:
– Quer dizer então que Zulmira me traiu duas vezes?
– Não te refiras à traição – corrigiu Clarêncio, sem alterar-se –, é imprescindível compreender! Armando, ontem, escutou apelos inferiores, incompatíveis com as responsabilidades de que se via depositário. Hoje, é compelido a responder, embora constrangido, a requisições de natureza edificante, às quais, em verdade, não lhe será lícito fugir. Lina Flores reclama alguém que a recambie ao serviço renovador, a fim de que se habilite a auxiliar Júlio, devidamente. Todos somos devedores uns dos outros. As almas aprimoram-se, grupo a grupo, à maneira de pequenas constelações,
gravitando em torno do Sol Magno, Jesus-Cristo!... Como um astro que se distancia do núcleo em que se integra, abandonaste a órbita de velhos companheiros de evolução, caindo, pelas vibrações de afetividade e ódio, no centro de forças em que Leonardo
Pires e Lola Ibarruri aguardam-te a precisa cooperação, de modo a se liberarem perante a Lei. Amaro, noutro tempo, separou Zulmira e Júlio, estabelecendo espinheiros dilacerantes entre os dois... Agora, cabe-lhe reuni-los no carinho familiar, para que na posição de mãe e filho se reajustem na afeição santificadora...
Antigamente, isolaste Leonardo da afetuosa assistência de Lola, criando embaraços asfixiantes à própria marcha... Prepara-te na fé para congregá-los, de novo, no templo doméstico, igualmente na condição de filho e mãe, de maneira a se redimirem para a bênção do amor puro... Nossas ações são pesadas na Justiça Divina... Não
podemos enganar o Supremo Senhor. Nossos débitos, por isso mesmo, devem ser resgatados, ceitil a ceitil.
A ligeira preleção trouxera-nos enorme proveito.
Amaro dobrara a cerviz, revelando-se disposto a obedecer aos ditames de natureza superior, fossem como fossem.
Silva, no entanto, não parecia desperto para as verdades que Clarêncio pronunciara.
Hipnotizado na contemplação da mulher querida, demonstrava-se indiferente.
Depois de fitá-la, absorto, entre o carinho e a aversão, quebrou a quietude que envolvera o recinto, rugindo, desesperado:
– Não posso modificar-me, desgraçado de mim!... Odiarei!
odiarei a infame que voltou!... Somente a vingança me convém, não quero perdoar! Não quero perdoar!...
Novamente enraivecido e inquieto, como fera solta, erguia os punhos cerrados contra a desditosa mulher que jazia no leito, em lastimável prostração. Seu veículo espiritual rodeava-se agora de um halo cinzento-escuro, que despedia raios desagradáveis e perturbantes.
Nosso orientador libertou-o da influência magnética com que lhe tolhia as energias.
Tão logo se reconheceu sem o controle que lhe sofreava os movimentos, Silva retrocedeu, exclamando:
– Não suporto mais! Não suporto mais!...
E correu para o seio da noite.
Clarêncio recomendou-nos seguir-lhe o passo, enquanto prestaria assistência ao ferroviário e à esposa, em colaboração com Blandina. O enfermeiro, decerto – informou o Ministro prestimoso –, retomaria o corpo denso em aflitivas condições de saúde.
Passes anestesiantes deviam favorecê-lo. Não podia lembrar a experiência grave daquela hora. A aventura provocada pela insistência mental dele mesmo era suscetível de perigosas conseqüências.
Num átimo, Hilário e eu achamo-nos ao lado de Silva, que aderia ao envoltório de carne com o automatismo da molécula de ferro, atraída pelo imã.
Examinamo-lo, atentamente.
O peito arfava-lhe, sibilante. O coração acusava-se desgovernado, sob o império de insopitável arritmia.
De imediato, entramos em ação, sossegando-lhe o campo mental, quanto possível, através de sedativos magnéticos.
Ainda assim, apesar dos passes, pelos quais foi completamente envolvido de energias revigoradoras, o moço acordou agoniado, hesitante e trêmulo, como se estivesse fugindo de medonhas tempestades no mundo íntimo.
Semi-inconsciente, despendeu vários minutos para identificar-se.
O pensamento surgia-lhe atormentado, nebuloso...
Tentou locomover-se, mas não conseguiu. Sentia-se chumbado à cama, quase na situação de um cadáver repentinamente desperto.
Buscou alinhar recordações, contudo, não pôde. Sabia tão somente que atravessara grande pesadelo cujas dimensões lhe não cabiam na memória.
Suarento, aflito, sentia-se morrer... Instintivamente orou, suplicando a Proteção Divina. Bastou essa atitude d'alma para ligarse, com mais facilidade, aos fluidos restauradores que lhe administrávamos.
Pouco a pouco, readquiriu os movimentos livres e levantouse, ingerindo uma pílula calmante.
Amedrontado, sentou-se no leito e, mergulhando a cabeça nas mãos, falou, sem palavras, de si para consigo: – “Estou evidentemente conturbado. Amanhã, consultarei um psiquiatra. É a minha única solução”.
Sim – concordei comigo mesmo –, o ódio gera a loucura.
Quem se debate contra o bem, cai nas garras da perturbação e da morte.
Com semelhante raciocínio, afastei-me.
Clarêncio aguardava-nos.
Era preciso continuar na lição.

ESTUDO DO LIVRO ENTRE A TERRA E O CÉU - CAP. 18 - ORADOR ALEXANDRE X. CAMARGO



18 – Confissão

Amaro, cujo semblante exibia os sinais de renovação a que nos reportamos, começou a dizer, comovido:
– Sim, recordo-me perfeitamente... A madrugada do Ano Bom de 1869 ficou marcada para sempre em nossa memória...
Abordaríamos Assunção, procedendo de Santo Antônio, em angustiosa expectativa... A curiosidade abafava a exaustão... Lembro-me de que, antecedendo-se ao desembarque, Esteves procurou-nos, solicitando-nos o concurso fraterno para a solução de um
problema que reputava importante para o futuro que o aguardava...
Éramos três amigos inseparáveis na caserna e achávamo-nos os três juntos... Ele, Júlio e eu... Na incerteza das ocorrências que nos esperavam, pedia-nos, na hipótese de perecer em combate, notificar sua morte à jovem Lina Flores, que conhecera, dias
antes, em Villeta... Referiu-se, entusiástico, ao amor que os ligava e aos projetos que formavam, considerando o porvir... Preocupados com a aflição do companheiro, reconfortamo-lo com palavras de compreensão e esperança, colocando-nos em guarda... A capital paraguaia, porém, revelava-se fatigada e desprevenida... Jamais
olvidarei a gritaria dos nossos, triunfantes, em se vendo seguros sobre a presa, criando aflitivos problemas para as autoridades...
Revejo ainda a fisionomia risonha de Esteves, quando se reconheceu são e salvo... Em breve, comunicava-nos o consórcio.
Ninguém realmente podia casar-se em campanha, mas o enlace efetuou-se às ocultas, sob a bênção de um sacerdote e com a tolerância dos dirigentes da ocupação, atendendo-se à circunstância de que a noiva era uma pobre menina brasileira, desde muito aprisionada...
Amaro fez pequena pausa, recobrando energias e continuou:
Recordo-me de que Júlio e eu fomos em visita ao lar de Esteves, pela primeira vez, em fevereiro do mesmo ano, contudo, colocados à frente de Lina, ambos nos sentimos incompreensivelmente ligados àquela jovem bela e simples, cuja presença exerceu, de imediato, sobre nós, intraduzível atração... Guardei comigo a surpresa que me possuía, mas Júlio, impulsivo e irrequieto, veio a mim extravasando o coração... A esposa de Esteves dominara-lhe a mente, de súbito... Se pudesse haver chegado,
antes do companheiro – acentuava enamorado –, não lhe cederia o lugar... Sustentava a impressão de que Lina já lhe havia surgido em sonhos... E, desse modo, várias vezes repetiu confidências que me tocavam as fibras mais íntimas. Anotando-lhe o estado d'alma e reconhecendo o direito de Esteves sobre a mulher que desposara,
tentei retrair-me... Calquei o sentimento e procurei o olvido necessário... A paixão de Júlio era demasiado forte para resignarse.
Insinuou-se junto à recém-casada, cobriu-a de gentilezas e, provavelmente, quem sabe? Nas vicissitudes da guerra e quase criança para guardar-se, como era preciso, nas responsabilidades do casamento, Lina envolveu-se nas atenções do rapaz, fazendolhe concessões... Recordo-me do dia em que Esteves me procurou, desolado, comentando o golpe que recebera... Chorou debruçado nos meus ombros. Desejava desaparecer, aniquilar-se... Fiz-lhe observar, porém, a inoportunidade de qualquer violência... Enfermeiro bem conceituado e protegido do Conselheiro Silva Paranhos,
nosso embaixador em missão extraordinária, junto às Repúblicas do Prata, não lhe seria difícil a retirada de Assunção...
Assim aconteceu. Esteves afastou-se, primeiramente rio abaixo, na direção de Villeta, de onde havia trazido a esposa e onde se achavam, retardados, alguns camaradas enfermos, aos quais prestaria assistência... Nada mais soube dele, a não ser que havia morrido misteriosamente em Piraju...
Evidenciando enorme padecimento moral, diante daquelas evocações, Silva estremeceu e, aproveitando o intervalo que se fizera, bradou, agoniado:
– E a tua participação no infortúnio de minha casa? quem me convencerá de que também não te achavas de parceria com Júlio, na destruição de minha felicidade? Infames!..
Clarêncio, afetuoso, acomodou o enfermeiro irritado, recomendando-lhe esperar a narração, até o fim.
Amaro não perdera a calma.
Assinalou a objurgatória do adversário, fixando triste sorriso, e continuou:
– Sim, minha confissão deve ser exata e completa... Entendendo que Lina e Júlio se haviam ajustado para a vida comum, tentei distanciar-me... Temia por mim mesmo. Lina, no entanto, como que me registrava a inclinação imanifesta... Deitava-me
olhares que me acordavam, simultaneamente, para a alegria e para a dor. Queria aproximar-me e fugir dela, ao mesmo tempo... A princípio, tentei evitá-la; contudo, o afastamento do Marquês de Caxias deixava as tropas com larga provisão de tempo para diversões...
Instado talvez pela companheira, Júlio constrangia-me a freqüentar-lhe a casa. O jogo alegre e o chá saboroso reuniam-nos os três, noite a noite... Amedrontado, ante o sentimento que a moça despertava em meu coração, não somente porque não devia
perturbar-lhe a harmonia doméstica, mas também porque possuía uma noiva no Brasil, busquei isolar-me, de novo... Reparando, todavia, o assédio de Lina, resolvi asilar-me no trabalho mais intenso e consegui a designação para servir na vigilância noturna do Palacete Resquin, onde a ocupação concentrava todos os assuntos
e documentos de interesse do nosso País... Ela, entretanto, não desistiu do propósito de que se animava. Certa noite, procurou-me, disfarçada em mulher do povo... A sós comigo, confessou-se... Declarava-se atormentada, aflita... Sentira-se amada por Esteves e via-se ardentemente querida por Júlio, mas não pudera
interessar-se pela felicidade junto deles, odiando-os por fim...
Amaro confiou-se a longa pausa e continuou:
– Quem poderá explicar os enigmas do coração humano?
Quem possuirá bastante visão para surpreender os caminhos da alma? Incapaz de dominar-me, cometi a falta de assumir um compromisso espiritual que não me competia... Lina agarrou-se ao meu afeto com o vigor da hera numa construção sem defesa... E foi assim que, em certa manhã de maio, meu companheiro encontrou-nos juntos... Desesperado, Júlio ingeriu grande quantidade de corrosivo, mas, amparado suficientemente, foi salvo... Debalde, porém, submeteu-se ao tratamento na caserna. Adquiriu estranhos padecimentos da garganta e do esôfago e, não sabendo como
suportar as provações físicas e morais, arrastou-se, um dia, até às águas do Paraguai, supondo encontrar na morte a paz que procurava...
Experimentando pesados remorsos, por minha vez perdi a afeição que me algemava à mulher que nos atraíra e infelicitara e fugi dela, fugi incorporando-me às tropas que combateriam os derradeiros remanescentes de Solano López, na Cordilheira...
Prometi-lhe a volta, todavia, terminada a luta, tornei à pátria por outros caminhos, decidido a jamais reencontrá-la...
Amaro, mais comovido, passou a destra pelo rosto e prosseguiu, depois de breve pausa:
– Dez anos correram, apressados... Novamente no Rio, caseime e fui feliz... Numa noite de chuva forte, minha esposa e eu tornávamos do teatro, quando os cavalos em disparada colheram pobre mulher embriagada na via pública... O cocheiro sofreou os
animais e desci a socorrê-la... E enquanto minha companheira continuava o trajeto para a casa, procurei internar a mísera criatura para a assistência imediata... Guardas e populares auxiliaram-me a empresa, mas com inesquecível assombro, quando a mulher foi recolhida ao leito, de ventre rasgado a esvair-se em sangue, nela identifiquei Lina Flores... Por dois dias lutou contra a morte...
A infeliz reconheceu-me, relacionou as desditas que atravessara, desde que se viu sozinha no Paraguai, esclareceu que viera ao Rio à minha procura e emocionou-me com a narração do drama angustioso em que vivia, tentando a recuperação da felicidade
que perdera para sempre... Morreu revoltada e sofredora, amaldiçoando o mundo e as criaturas...
Amaro interrompeu-se, titubeante.
Mário Silva, estupefato, fixava-o, entre o desespero e o pavor.
Notava-se que o ferroviário esforçava-se, em vão, para reaver novas faixas da memória.
Nosso instrutor, contudo, afagou-lhe a fronte, envolvendo-o em renovadas forças magnéticas, e perguntou:
– Onde voltaste a vê-la?
O interpelado esboçou o sorriso de quem recolhera a resposta em si mesmo e informou:
– Ah! sim... reencontrei-a na vida espiritual. Achava-se unida a Júlio em aflitivas condições de sofrimento depurador... Compreendi a extensão de meu débito e prometi ressarci-lo... Ampará-losia...
Auxiliaria os dois na senda terrestre... Lutaríamos, lado a lado, para conquistar a coroa de redenção... Sim, sim, o destino!...
É preciso solver os compromissos do passado, conquistando o futuro!...
Calou-se o esposo de Zulmira, visivelmente fatigado, mas o enfermeiro, não obstante contido pela força paternal de Clarêncio, começou a chamar por Júlio emitindo brados terríveis.