quarta-feira, 27 de março de 2013

LIVRO: VOLTEI DE CHICO XAVIER PELO ESPÍRITO DE FREDERICO FIGNER


IMPRESSÕES DIFERENTES

Despertando, dia alto, não podia precisar o tempo curto em que repousara.
Continuava a filha ao seu lado, mas de ambos os benfeitores não havia sinal.  Notificou-me Marta que se haviam ausentado, porém, não tardariam. 
Confiaram-me a  ela, enquanto me aquietara; contudo estariam junto de mim, em breves minutos.
Sentia-me outro homem. Movimentei os braços e ergui-me sem dificuldades.  Tentei falar, e que alegria experimentei! Entendi-me com a filha querida, à vontade.
Explicou-me que eu não havia repousado quando seria de desejar e que voltaria ao  descanso na primeira oportunidade. Indagou em seguida, se me achava 
amedrontado,  e, como lhe demonstrasse a firmeza de ânimo que me possuía, cientificou-me de que  Bezerra, em breves minutos, cortaria os derradeiros laços que me retinham ainda, de  certa forma, aos envoltórios carnais, consultando-me, ao mesmo tempo, se me não  inspiraria temores assistir, de algum modo, ao enterramento dos meus despojos.
Respondi-lhe com o meu interesse. Tudo o que eu pudesse aprender de novo representaria enriquecimento de observação.
Em verdade, animavam-me outras disposições. Guardava a ideia  de haver rejuvenescido. Toquei meu veículo novo. Eu era o mesmo, dos pés à cabeça. 
Coração e pulmões funcionavam regulares. Fascinava-me, porém, acima de tudo, o novo  aspecto da paisagem. Casas, vegetação e o próprio oceano pareciam 
coroados de  substâncias coloridas. Que sugestões  surpreendentes em torno! As claridades solares, em derredor, revelavam maravilhosas cambiantes.
Informou-me Marta de que enquanto a nossa mente funciona, sob determinadas condições, vemos somente alguns aspectos do mundo; e porque eu interrogasse se todos  os desencarnados se surpreendiam com as visões que me encantavam os olhos, respondeu negativamente. Muitos libertos da disciplina física –  esclareceu  –  conservam tão fortes ligações com os interesses humanos que a visão  não se lhes modifica, de pronto, e prosseguem vendo a Terra, nas mesmas expressões em que a deixaram.
Era prodigioso o quadro!
Senti forte impulso de prosternar-me, em sinal de reconhecimento à Majestade Divina.
Tão grande leveza caracterizava agora o meu organismo que, contemplando,  enlevado, as águas próximas, nelas adivinhei pesadíssimo elemento. Pensei  concomitantemente que, se eu tentasse, talvez conseguisse caminhar sobre as ondas líquidas, aureoladas, ao meu olhar, de sublime coloração.
Registrando-me o ânimo, a querida filha mostrou-se satisfeita. Desde o primeiro  momento de nosso reencontro, Marte revelava ansiedade de ver-me tranquilo e contente.

SURPREENDIDO

Dispunhamo-nos a deixar o abrigo a que nos refugiáramos, quando percebi que  me encontrava em trajes impróprios. Arraigado à  ideia  de que seria visto por amigos encarnados, não ocultei um gesto de aborrecimento.
À distância do leito, aquele roupão alvo não deixava de ser escandaloso.
Marta que me seguia as reflexões, sorridente, vestia-se com apurado gosto.
Ia expor-lhe os receios que me assaltavam, quando se adiantou, asseverando que as preocupações do momento me atestavam as melhoras.
– Um homem desalentado não pensa em roupa – disse-me alegremente.Acrescentou que Bezerra e o Irmão Andrade não se demorariam e que a solução do problema fora prevista na véspera.
De fato, transcorridos alguns minutos, chegaram, atenciosos. A possibilidade de  endereçar-lhes a palavra encheu-me de imenso júbilo. Abracei-os reconhecidamente.
Trouxeram-me um costume cinza, muito semelhante aos que eu  ai preferia no verão. 
O Irmão Andrade ajudou-me a vesti-lo.
Mas alguns instantes e, entre os dois benfeitores que me amparavam lado a lado, oferecendo-me os braços, afastamo-nos da praia.
Enorme o movimento nas vias públicas. A mesma diferença que assinalara no mar, nas plantas e no casario, notava nas pessoas. Cada qual se revestia de halo diferente. Não me sentia, contudo, disposto a formular indagações. Assombrava -me  com a locomoção própria e esse problema naturalmente solucionado bastava, por  enquanto,  à minha capacidade de analisar. Andava, sem grande desenvoltura; todavia,  a lentidão de méis passos obedecia à inexperiência e não a qualquer impedimento por parte do corpo, que reconhecia leve e ágil.
Aproveitaria o momento para acentuar observações nesse  sentido, quando  apressada senhora, sobraçando embrulho de vastas proporções, investiu indiferentemente contra nós.
Grande foi o abalo para mim. Recuei, num movimento instintivo, temendo o  atrito, mas não houve tempo. A dama atravessou-nos o grupo, sem dar  conta de nossa presença.
Assustado, procurei o olhar dos companheiros. Todos me fitavam sorridentes.
–  Este, meu caro Jacob  –  falou Bezerra, bem-humorado  –, é o novo plano da matéria, que vibra em graduação diferente.
– Passou por nós, sem perturbar-nos! – exclamei.
– Por nossa vez, não a perturbamos também – acentuou o Irmão Andrade, satisfeito.
O incidente chocara-me. Via-me perfeitamente integrado no antigo patrimônio orgânico.
– Não estaremos num corpo de ilusão? – ousei interrogar.
Bezerra esclareceu, delicado:
–  O poder da vida, na ilimitada Criação de Deus, é infinito, e a mulher que passou despercebidamente por nós, cujo veículo de carne caminha para a morte, poderia fazer a mesma pergunta.
A pequena ocorrência nos dava bastante material à reflexão.  Gostaria de trocar  comentários e propor questões diversas; todavia, o meu abatimento ainda era grande. Deixei-me, pois, conduzir sem relutância, de imprevisto a imprevisto.

domingo, 24 de março de 2013

ESTUDO DO LIVRO " O ESPÍRITO DA VERDADE " - MARIA J. SANCHES


MARCOS INDELÉVEIS
Cap. XVIII – Item 16 

“As obras que eu faço, em nome de meu pai, essas testifica mim.” – Jesus. 
(João, 10: 25)

Cada trecho do solo demonstra o seu valor na riqueza ou na fertilidade que apresenta... 
Cada vegetal é tido na importância de seu cerne, de sua essência, de seus frutos... 
Cada animal é conhecido pelas peculiaridades de importância em sua existência... 
O sol constitui para todos os seres fonte inexaurível de vida, calor e luz. 
A água significa o sangue do organismo terrestre. 
O fogo, no crepitar da lareira ou na devastação do incêndio, demonstra realmente o seu papel inconfundível no campo imenso da criação. 
O juiz é respeitado pela integridade de seus sentimentos ou temido pelas manifestações de venalidade a que se acolhe. 
O professor é acatado, consoante o grau de competência que lhe é próprio. 
O médico adquire confiança, conforme a sua atitude ao pé dos enfermos. 
O coração materno revela a sua íntima excelsitude, no trato natural com os rebentos de seu carinho. 
O filho oferece ao mundo, na experiência diária, a extensão de seu amor para com os próprios pais. 
A criança, em suas expressões infantis, apresenta invariavelmente o esboço de caráter que plasmou em si mesma através das vidas passadas. 
O usurário cria, em torno de si, gelada atmosfera de reprovação pelos sentimentos que nutre no imo do próprio ser. 
O leviano carrega consigo constantemente os prejuízos da ociosidade ou do vício, complicando-se na intemperança dos próprios dias. 
O céptico representa, onde estiver,a aridez da mente hipertrofiada pelo orgulho infeliz. 
O crente, leal a si mesmo, evidencia o poder de sua fé, nas posições assumidas perante os chamamentos do mundo. 
Enfim, todas as criações do excelso Pai testemunham-lhe a glória no campo infinito da vida e cada espírito se afirma bem ou mal, aproveitando-as para subir à luz ou delas abusando para descer às trevas. 
Como aprendizes do evangelho,portanto, cumpre-nos indagar à própria consciência: 
– ”Que tenho executado na vida como aplicação das bênçãos de Deus?” 
Não nos esqueçamos, segundo a lição do senhor, que somente as obras que fizermos, em nome do pai, é que serão marcos indeléveis de nosso caminho, a testificarem de nós. 

Emmanuel

domingo, 17 de março de 2013

ESTUDO DO LIVRO " O ESPÍRITO DA VERDADE " - MARIA J. SANCHES


A TOMADA ELÉTRICA
Cap. VIII – Item 7 

De volta à reencarnação, em breve tempo, sou trazido ao vosso recinto de oração e fraternidade por benfeitores e amigos para que algo vos fale de minha história – amargo escarmento aos levianos do ouvido e aos imprudentes da língua. 
Sem ornato verbal de qualquer natureza, em minha confissão dolorosa, passo diretamente ao meu caso triste, à maneira de um louco que retorna ao juízo, depois de haver naufragado na vileza de um pântano. 
Há alguns anos, em minha derradeira romagem na Terra, era eu simples comerciário de hábitos simples. 
Com pouco mais de trinta anos, desposei Marina, muito mais jovem que eu, e, exaltando a nossa felicidade, construímos nosso paraíso doméstico, numa casa pequena de movimentado bairro do Rio de Janeiro. 
Nossa vida modesta era um cântico de ventura, entretecido de esperanças e preces; todavia, porque fosse, de ordinário, desconfiado e inquieto, amava minha esposa com doentia paixão. 
Marina era muito moça, quase menina... 
Estimava as cores festivas, o cinema, a vida social, a gargalha-da franca e, por guardar temperamento infantil, a curto espaço teve o nome enlaçado à maledicência que fustiga a felicidade, como a sombra persegue a luz. 
Em torno de nós, fez-se o “disse-me-disse”. 
Se tomávamos um bonde, éramos logo objeto de olhares assustadiços, enquanto se cochichava, lembrando-se-nos o nome... 
Se passávamos numa praça, éramos, quase sempre seguidos de assovios discretos... 
Começaram para mim os recados escusos, os telefonemas inesperados, as cartas anônimas e os conselhos de família, reunindo várias acusações. 
– “Marina desertara dos compromissos ao lar.” 
– “Marina era ingrata e infiel.” 
– “Marina respirava numa poça de lama.” 
– “Marina tornara-se irregular.” 
Muitas vezes, minha própria mãe,zelosa de nosso nome, chamava-me a brios, indicando-me providências. 
Amigos segredavam-me anedotas irreverentes com sentido indireto. 
Lutas enormes do sentimento ditavam-me desesperados conflitos. 
Acabou-se em casa a alegria espontânea. 
Debalde, a companheira se inocentava, alertando-me o coração; entretanto, densas trevas possuíam-me o raciocínio, induzindo-me a criar assombrosos quadros em torno de faltas inexistentes. 
Como se eu fora puro, exigia pureza em minha mulher. Qual se fosse santo, reclamava-lhe santidade. 
Deplorável cegueira humana! 
Foi assim que, numa tarde inesquecível para o remorso que me vergasta, tilintou o telefone, buscando-me para aviso. 
Três horas da tarde... 
Anuncia-me alguém ao cérebro atormentado que um estranho se achava em meu aposento íntimo. 
Desvairado, tomei de um revólver e busquei minha casa. 
Sem barulho, penetrei nossa câmara e, de olhos embaciados no 
desespero, vi Marina curvada, ao lado de um homem que se curvava igualmente a dois passos de nosso leito. 
Não tive dúvida e alvejei-os, agoniado... Vi-lhes o sangue a misturar-se, enquanto me deitavam olhares de imensa angústia, e porque não pudesse, eu mesmo, resistir a tamanha desdita, estilhacei meu crânio, com bala certa, caindo, logo após, para acordar no túmulo, agarrado a meu corpo, mazelento e fedentinoso, que servia de engorda a vermes famintos. 
Em vão busquei desvencilhar-me do arcabouço de lama, a emparedar-me na sombra. 
Gargalhadas irônicas de Espíritos infelizes cercavam-me a prisão. 
Descrever minha pena é tarefa impossível no vocabulário dos homens, porque o verbo dos homens não tem bastante força para pintar o inferno que brame dentro da alma. 
Por muito tempo, amarguei meu cálice de aflição e pavor, até que mãos amigas me afastaram,por fim, do cárcere de lodo. 
Vim, então, a saber que Marina, sem culpa, fora sacrificada em minhas mãos de louco. 
Esposa abnegada e inocente que era, simplesmente pedira a um companheiro da vizinhança consertasse, em nosso quarto humilde, a tomada elétrica desajustada, a fim de passar a roupa que me era precisa para o dia seguinte. 
Transido de vergonha e enojado de mim, antes de suplicar perdão às minhas pobres vítimas, implorei, humilhado, a prova que me espera... 
E é assim que, falando às almas descuidadas que cultivam na Terra o vício da calúnia, venho dizer a todas,na condição de um réu, que para me curar da própria insensatez roguei ao Pai Celeste e me foi concedida a bênção de meio século de doença e martírio, luta e flagelação na dor de um corpo cego. 

Júlio 

quarta-feira, 13 de março de 2013

LIVRO: VOLTEI DE CHICO XAVIER PELO ESPÍRITO DE FREDERICO FIGNER


VIDA NOVA

A excursão, embora de alguns passos somente, apesar de realizada com o auxílio de energias alheias, agravou-me o abatimento. Contudo, não perdera o gosto de observar, tamanhas as surpresas que se sucediam.
Recordando a ansiedade com que sempre aguardara na Terra as descrições do  momento da morte, por parte de companheiros que me haviam antecedido, buscava  fixar todas as particularidades da situação, na esperança de transmitir notícias aos irmãos da retaguarda.
Aquele contato inesperado, com a Natureza nos impunha, porém, singular renovação. Os remanescentes das dores físicas desapareciam. A ausência de certas impressões desagradáveis  ampliava-me a apatia. Achava-me intensamente aliviado, conquanto 
mais fraco.

REPOUSO BREVE

Irresistível desejo de dormir assaltou-me.  Bezerra, Andrade e Marta eram benfeitores e expressavam a vida diversa em  que eu penetraria doravante. Com certeza, guardariam mil informações preciosas que  eu esperava; curioso e feliz, mas, como vencer o sono e pesar-me no cérebro?
Extenuado, vacilante, notei que não envergava as mesmas peças que usava habitualmente no leito. Envolvia-me vasto roupão claro, de convalescente.
Tentei indagar; entretanto, a fraqueza dos órgãos vocais prosseguia sem  variações. 
Era preciso aceitar os recursos quais se me ofereciam. Não adiantava  qualquer interrogação. Indispensáveis a serenidade e a paciência.
Perante o mar, diferençava-se-me a posição orgânica. Aquelas bafagens de ar fresco, que eu recebia encantado, regeneravam -me as forças. Pareciam portadoras de alimento invisível. Inalando-as, permanecia singularmente sustentado, como se houvera sorvido caldo, substancioso.
Marta, agora sentada, oferece-me o regaço acolhedor, acariciando-me a 
fronte.  Notei que o Irmão Andrade comentava as virtudes do mar no reerguimento das energias do perispírito. Referia-se a casos repetidos de socorro a irmãos recém-desencarnados, conduzidos com êxito à frente das águas.
Desenvolvia o máximo esforço para registrar-lhe as impressões, quando o benemérito amigo me dirigiu a palavra, cuidadoso, aconselhando-me o sono pacífico e restaurador.
Não deveria reagir contra o repouso – desse-me, fraternal –, e acrescentou que  não, convinha sacrificar necessidades da alma à curiosidade, embora nobre. 
Teria tempo para observar e aprender muito e, pelo menos durante algumas horas, não poderia furtar-me ao descanso imprescindível.
Compreendi o alcance do conselho e obedeci. Entreguei-me sem resistência e perdi a noção de espaço e tempo no sono abençoado e reparador.

domingo, 10 de março de 2013

ESTUDO DO LIVRO " O ESPÍRITO DA VERDADE " - MARIA J. SANCHES


JESUS E VOCÊ
Cap. VI – Item 6 

Nosso Mestre não se serviu de condições excepcionais no mundo para exaltar a Luz da Verdade e a Bênção do Amor. 
Em razão disso, não aguarde renovação exterior na vida diária, para ajudar. Comece imediatamente a própria sublimação. 
Jesus não tinha uma pedra onde recostar a cabeça. Se você dispõe de mínimo recurso, já possui mais que Ele. 
Jesus, em seu tempo, não desfrutou qualquer expressão social. 
Se você detém algum estudo ou título, está em situação privilegia-da. 
Jesus esperou até aos trinta nos para servir mais decisivamente. 
Se você é jovem e podeser útil, usufrui magnífica oportunidade. 
Jesus partiu aos trinta e três anos. Se você vive na idade amadurecida e dispõe do ensejo de auxiliar, agradeça ao Alto, dando mais de si mesmo. 
Jesus não contou com os familiares nas tarefas a que se propôs. 
Se você convive em paz no recinto doméstico, obtendo alguma cooperação em favor dos outros, bendiga sempre essa dádiva inestimável. 
Jesus não encontrou ninguém que o amparasse na hora difícil. 
Se você recebe o apoio de alguém nos momentos críticos, saiba ser grato. 
Jesus nada pôde escrever. Se você consegue grafar pensamentos na expansão do bem, colabore sem tardança para a felicidade de todos. 
Vemos, assim, que a vida real nasce e evolui no Espírito eterno e não depende de aparências para projetar-se no rumo da perfeição. 
Jesus segue à frente de nós. Se você deseja acertar, basta apenas segui-lo. 
Siga-mo-lo pois. 

André Luiz

sexta-feira, 8 de março de 2013

ESTUDO DO LIVRO " SEXO E DESTINO " - MARIA J. SANCHES E JULIANA SOLARE


CAPÍTULO 4

Debaixo da agressão, Marina experimentou irreprimível mal-estar. Empalideceu.
Sentia-se sufocar. Registrava todos os sintomas de quem recebera pancada forte no crânio. Jogou a cabeça para trás, na poltrona, esforçando-se por esconder a indisposição, mas debalde. Os Torres, pai e filho, perceberam-lhe a vertigem e acorreram, pressurosos.
Nemésio tomou a palavra, atribuindo o desmaio à fadiga de quem se movimentara durante a noite inteira, sem o mínimo descanso no decorrer do dia anterior, ao redor da dona da casa, cujo corpo se consumia com dolorosa lentidão, ao passo que Gilberto trazia água fresca, antes de telefonar para o médico.
No ambiente espiritual, o impacto não foi menos constrangedor.
Neves fitou-me, irrequieto, como a rogar socorro para não explodir. Conhecia Moreira, de nossa primeira visita ao Flamengo; entretanto, ignorava os acontecimentos  que nos apoquentavam, desde a antevéspera. Pelo olhar de censura  que nos arremessou, concluí que julgava o aposento da filha invadido por malfeitores desencarnados, numa investida sem qualquer significação, incapaz de ajuizar quanto às causas que impeliam o ex-conselheiro de Cláudio àquele gesto de revolta, para o qual arrebanhara colegas infelizes, efetuando um ataque categorizado  por ele à conta de empreitada punitiva e justiceira.
Uma das senhoras desencarnadas, que aguardava o momento de acolher Beatriz, liberta, abordou-me, pedindo providências.
Moreira e os aderentes despejavam ditérios e obscenidades, injuriando a dignidade do recinto, depois de haverem burlado a vigilância mantida em torno da casa. Não formulava o pedido para que se articulasse a contenção deles, a propósito de preconceitos humanos. Aceitava os recém-chegados  na posição de credores da maior comiseração; no entanto, a senhora Torres estava nas derradeiras orações, em vias de partir. Esmolava tranquilidade, silêncio.
Em determinadas terapêuticas, não se pode restabelecer a  normalidade orgânica senão removendo o centro de infecção, e, ali, o  pivô da desarmonia era Marina.
Afastada a moça, retirar-se-iam com ela os agentes da desordem.
Abeirei-me da menina carecedora de piedade. Supliquei-lhe saísse. Fosse repousar. Não teimasse ante a solicitação nossa em seu proveito.
Ela obedeceu a contragosto.
Pediu licença aos amigos, a fim de esperar o médico na dependência dos fundos,  e acompanhei-a.
O bando, porém, renteou comigo e Moreira interpelou-me. Queria saber de minha simpatia pela jovem que ele hostilizava. Indagava, desabrido, se eu não a conhecia suficientemente, se não lhe assistia às bacanais entre pai e filho e por que me interessava de modo tão especial por aquela a que ele chamava bisca, bonita por fora e devassa por dentro.
Ironizando-me a escassa inclinação à conversa, reportou-se, com enérgicas rabecadas, à dama que nos havia rogado a execução de medidas para afastá-lo do quarto, declarando que não era covarde para incomodar moribundos, e perguntou, insolente, por que razão as entidades veneráveis e amigas, que ele apelidava por «aquelas mulheres», nos compeliam a retirá-lo, quando ali deixavam Marina respirar à vontade, acentuando que, por ser franco e áspero, não se considerava pior.
Crivou-me de objurgações repassadas de fel. Desafiando-me,por fim, a enunciar o meu ponto de vista, utilizando palavras que colocavam em jogo a confiança com que me honrava, desde a véspera, arrisquei-me a ponderar que Marina, apesar de tudo, era filha de Cláudio Nogueira e irmã de Marita, aos quais tributávamos ambos calorosa afeição. Qualquer fracasso em prejuízo dela seria desastre para eles. Não me cabia reprovar corrigendas, capazes de lhe fortalecer a vigilância, com manifesta vantagem para ela; no entanto,por amizade aos Nogueiras, não concordaria em que fosse massacrada.
Ele sorriu e obtemperou que as apreciações não eram de todo desprovidas de senso, prometendo que amainaria o desforço, mas não desistiria da correção.
Despachou os cooperadores, recomendando aos quatro lhe aguardassem as ordens no pátio lateral, e acompanhou-nos, segurando-a, descortês.
Indiferente a qualquer ideia de companhia espiritual,Marina penetrou na câmara, encostou a porta e ajeitou-se no leito, cerrando os olhos.
Relaxou-se.
Aspirava a dormir, descansar... Mas não conseguiu.
Moreira, insensível, indicando o propósito de arrasar em mim qualquer simpatia pela contadora indefesa, participou-me que ia submetê-la a interrogatório, em torno de Marita, para que eu lhe ouvisse o depoimento inarticulado e avaliasse o caso por mim mesmo.
Suspirei pela obtenção de respostas que enobrecessem o inquérito mental em preparo; contudo, minhas esperanças se desvaneceram no nascedouro.
O indesejável patrocinador de Marita, erguido por si mesmo à condição de juiz, pespegou um pejorativo contundente aos ouvidos da moça e reclamou-lhe a opinião, sobre a irmã hospitalizada.
Que se manifestasse, que expusesse o seu ponto de vista, quanto àquele suicídio comovedor.
Marina, embora debilitada, conjeturou-se tangida pelos próprios pensamentos a lhe buscarem atenção para a irmã acidentada e, presumindo monologar, deixou que os pensamentos lhe pululassem do cérebro, sem o travão da autocrítica.
Compadecia-se da irmã — parafusava, calculista —, no entanto, confessava-se agradecida ao destino por se ver livre dela. Indiscutivelmente, não teria tido coragem de impeli-la à morte; todavia, se ela própria  deliberara desaparecer, cedendo-lhe posição, sentia-se aliviada. Gilberto inteirara-a de um telefonema que recebera na noite da antevéspera. Confiara-lhe as impressões.
Nada de trote. Pelo jeito, deduziram que Marita lhe  imitara a voz, efetuando sondagem...
Convencida de que o rapaz não a desejava, preferira morrer. Gilberto fora claro.
Pelos tópicos da conversação pelo fio, dos quais lhe transmitira os mínimos pormenores, Marita investigara-lhe os sentimentos, no intuito de arrancar-lhe uma declaração indireta. Desiludida, optara pela renúncia. Em razão de tudo isso, não lhe cabia perder-se em divagações. Se o jovem Torres a amava, no mesmo grau de carinho com que se lhe entregara, e se a outra resolvera sumir, nenhum motivo para ralar-se. O próprio Gilberto, semanas antes, perguntara-lhe, de estranha maneira, pelas esquisitices da irmã. Julgava-a desequilibrada, neurótica, ao que se lhe referira à paternidade anônima. O filho de Nemésio acreditava em sífilis na cabeça, asseverando que Marita não servia para casar.
Após ligeira pausa no pensamento, como quem apaga uma luz e a reacende, alterando o cenário, a jovem do Flamengo seguiu pensando, memorizando...
Telefonara para casa, durante a noite, e a mãezinha informara que Manta ainda não havia morrido; contudo, o médico esclarecera a ela, Dona Márcia, em ligação confidencial, que a Ciência não dispunha de meios para recuperá-la e que o óbito era questão para da! a alguns dias. O facultativo solicitara-lhe atenções especiais para Cláudio, esmagado de angústia. Recomendara-lhe nada dizer ao marido, quanto à opinião aberta que expunha, parecer que formulava apenas para com ela, ao reconhecê-la mais calma, diante do sofrimento. Que ela, na condição de mãe, se premunisse contra emoções muito fortes, a fim de sustentar a família, no transe que sobreviria, a qualquer momento.
Aquelas elucidações, no silêncio, feriram Moreira nas últimas fibras.
As notícias médicas, assim desdobradas, portavam para ele os efeitos de um tiro.
Não se resignava à ideia de perder Marita, no plano físico. Ela, inconscientemente, despendia recursos fluídicos que se casavam com os dele,  fornecendo-lhe sensações de euforia, robustez.
Retirava dela os estimulantes mentais que lhe vigorizavam a masculinidade, tanto quanto se valia habitualmente de Cláudio, para  viver sobre a Terra como qualquer ser humano.
Entre a frustração e a inconformidade, designou Marina com um nome chulo e justificou-se, diante de mim, quanto à determinação de puni-la. Infantilizado, colérico, bradou que nós ambos víamos, juntos, o regozijo com que cismava no infortúnio da outra; que eu não lhe podia negar a frieza de sentimentos; que a minha palavra apoiasse a dele, em momento oportuno; que eu lhe servisse de testemunha.
Marina, porém, continuava meditando, aclarando, qual se aditasse, espontaneamente, impressões marginais ao tema que Moreira lhe propusera.
Amava a Gilberto, sim. Apenas a ele. Descobriria recursos para desvencilhar-se de Torres, pai. Quanto mais corria o tempo, com maior segurança afiançava a si mesma pertencer ao rapaz.
Anelava desposá-lo, ser-lhe a mulher em casa e mãe de seus filhos...
No entanto, quando o esboço do lar futuro se lhe configurou na imaginação, o meu interlocutor arremeteu-se contra ela e bramiu:
— Nunca!... Você nunca será feliz!... Você matou sua irmã... Assassina! Assassina!...
Agredida sem que me fosse permitido protegê-la, porquanto a minha interferência isolada se fazia desaconselhável, a benefício  dela mesma, a jovem experimentou-se invadida de estranho mal-estar.
Aquelas incriminações percutiam-lhe fundo, qual se alguém lhe varasse o pensamento.
Ofegou em desassossego.
Começou a refletir, acerca de Marita, sob novos aspectos, estabelecendo confrontos. Debalde esgrimia ideias, tentando impugnar  o remorso que se lhe infiltrava na consciência. Julgava contraditar-se. Gemia em desconforto. Ignorava-se em luta com uma Inteligência que se lhe mantinha invisível, a pedir-lhe contas do
proceder. Á medida, porém, que o adversário martelava as censuras, às quais aderia por saber-se culpada, passou a perder posição. Enevoava-se-lhe o raciocínio, mobilizou todas as energias para não desmaiar,temia a loucura...
O contendor desafiara a fortaleza, proclamando-lhe as brechas. A fortaleza resistiria, incólume, se fosse inteiriça; entretanto, as brechas existiam e, por elas, o inimigo lançava petardos de maldição e sarcasmo, gerando a demência e invocando a morte.
Em vão, diligenciei no silêncio, articulando agentes mentais de auxílio para que a vítima se libertasse; contudo, a menina, bastante hábil para movimentar-se, entre os homens, sem comprometer-se na superfície das circunstâncias, jazia desarmada de conhecimento enobrecedor, com que se advertisse, recuando natrilha percorrida para adotar direção diferente.
Marina, à mercê da força que lhe espatifava os recursos psíquicos, sentia-se derrotada...
Da impassibilidade ante o desastre ocorrido com a irmã, transferiu-se à opressão, ao temor...
Ao toque do inquisidor que lhe vasculhava a cabeça, começou a imaginar que Marita, em verdade, não intentaria o suicídio, se nela  houvesse achado uma companheira honesta e piedosa.
Rememorou a noite em que divisara Gilberto pela primeira vez. O jovem saía de um cinema, em companhia da irmã, amparando-a contra a  chuva. Tamanha a doçura daqueles olhos, tão grande o carinho daqueles braços!... Julgou encontrar Nemésio mais moço. Comprometida com Torres, pai, presumia enxergar no filho os atributos de juvenilidade que lhe faltavam... Capricho ou afeição, apaixonara-se pelo rapaz, cortejara-o abertamente. Enlaçara-o com os dotes de inteligência, até acender-lhe na alma entusiasta o anseio de compartilhar-lhe sonhos e emoções.
Convidara-o a entretenimentos, agarrara-lhe o coração. Instalara nele anecessidade dela, tornara-o dependente, escravo. Manobrava-o, inteiramente, o quea irmã, inexperiente e sincera, não se animara a fazer,conquanto lhes conhecesse, através dele próprio, o compromisso oculto.
Ao sabê-lo aprisionado à outra, requintara-se, aliás, nos processos de sedução.
Acariciava-o, impunha-se, manietava-o, à maneira da aranha entretecendo o fio veludoso para cativar o inseto que se dispõe a devorar...
Perante o libelo do juiz inesperado, perguntava-se pela tranquilidade própria.
Examinando escrupulosamente, as atitudes que assumira, verificava, espantada, que lesara a si mesma. O remorso figurou-se-lhe trado invisível a verrumar-lhe o crânio. Lágrimas abundantes lhe subiram do peito aos olhos, lembrando jorros de água que a broca somente consegue arrancar, ao subsolo, ao tatear lençóis mais fundos.
O médico, assistido pessoalmente pelo dono da casa, apanhou-a em crise de pranto. Não obstante apreensivo, consolou-a, erguendo-lhe o ânimo. Falou em cansaço. Elogiou-lhe a pontualidade e o devotamento de enfermeira, prescreveu-lhe tranquilizantes. Que ela repousasse, que não desamparasse a si mesma.
Marina, porém, não ignorava que a consciência se debatia em pânico, que era inútil qualquer tentame para largar o foro íntimo. Quando o facultativo se despediu, retomou o choro convulso, diante de Nemésio que, intimidado, trancou a porta e se abicou, junto dela, no intuito de confortá-la e confortar-se.
Constrangido a facear com a cena de ternura, sem fundamentos de afeição recíproca, inquietei-me por Moreira, que zombeteava, lançando frases ultrajantes.
Nemésio rogava à moça tratar-se, refazer-se. Tivesse paciência, que se regozijassem ambos.
Nada além de mais alguns poucos dias e estaria em pessoa, no Flamengo, para os derradeiros arranjos do casamento. Contava com ela e queria fazê-la feliz.
Encantado, beijava-lhe o rosto molhado, qual se aspirasse a sorver-lhe as lágrimas, enquanto que a jovem, francamente conturbada, lhe arremessava olhares de esguelha, entremeados de compaixão e repulsa.
Convidei Moreira à retirada. Ele, porém, desapiedado,indagou se me falhava a coragem para conhecer Marina, tanto quanto ele, e, porque me inclinasse a defendê-la, acrescentou que não se achava ali na posição de carrasco. Escarninho, recomendou-me não acusá-lo, asseverando que detinha tanta culpa na indisposição da jovem quanto aquela que teria um bisturi na ablação de um tumor.
Pedi-lhe, em consideração a Cláudio, nos auxiliasse a proteger-lhe a filha, menina recruta na guerra contra o mal, embora se acreditasse suficientemente sabida.
Por que não nos conservarmos a porta, resguardando-a? Um  momento talvez chegasse em que passaríamos a rogar-lhe concurso. Não obstante alegar que nunca se acomodara à alcovitice, que não tinha vocação para capa de malfeitores, aquiesceu e saímos. Do lado externo, porém, à vista de referir-me à hipnose, no campo afetivo, expendendo considerações ao redor da paciência, que nos toca exercer, junto de todas as pessoas em distúrbios do sexo, ele riu-se abertamente e comentou, galhofeiro, que não me adiantava falar grego, diante de obscenidades que para ele possuíam nomes próprios, e advertiu-me que quando o pai se retirasse viria o filho e que eu perderia a graça e o latim de qualquer jeito.
Efetivamente, quando o chefe da casa se retirou, o rapaz,cansado da vigília noturna, veio em nossa direção e entrou no quarto.
O colega endereçou-me olhar significativo; contudo, antes  que se desregrasse na crítica, apareceu alguém com bastante simpatia e piedade para desfocar-nos a mente.
Era o irmão Félix.
Através da expressão, dava-me a perceber que se inteirara  de todos os sucessos em curso; no entanto, abriu os braços para Moreira, à feição do pai que reencontra um filho. O amigo, que volvera ao desequilíbrio sentimental, por sua vez, reconheceu-se invadido por eflúvios regenerativos e recordou, sensibilizado, o primeiro encontro em que o benfeitor lhe solicitara colaboração para Marita, e enterneceu-se.
Félix, sem um gesto que lhe exprobrasse a deserção, apelou para ele com absoluta confiança:
— Ah! meu amigo, meu amigo!... Nossa Marita!...
E, ante as indagações do interlocutor, que o tratava como de igual para igual, esclareceu que a menina piorara. Dores agudas lhe mortificavam o corpo.Afligia-se, fatigada.
Desde o momento em que ele, Moreira, se afastara, tudo indicava que a pobrezinha entrara em regime de carência. A sofredora criança necessitava dele, esperava por ele, a fim de aliviar-se.
Ante as frases sinceras que o atingiam no fundo, o ex-assessor de Cláudio acudiu, incontinenti, regressando em nossa companhia para  o hospital, onde realmente a moça se estirava em situação lastimável.
Quatro horas haviam escoado, modificando-nos a tela de serviço.
Averiguamos que o pedido de Félix não se alicerçava num artifício piedoso.
Escorada por Telmo, que lhe insuflava energias, Marita não lhe assimilava a influência com tanta segurança.
Sem qualquer propósito de censura, é licito registrar que faltava entre eles aquela harmonia necessária às crenas das rodas de engrenagem determinada, num plano de sustentação. Telmo, rico de forças, apoiando-a, lembrava um sapato novo e precioso em pé doente. Cedendo lugar ao recém-chegado que o rendeu, pronto, verificou-se, de imediato, alguma desopressão. Marita ajustou-se, mecanicamente, aos cuidados que Moreira lhe oferecia. Ainda assim, a peritonite instalava-se, dominante.
Aumentara o mal-estar.
A filha de Aracélia gemia sob a atenção atribulada de Cláudio, que a observava, azorragado de sofrimento íntimo. Entretanto, agora, o ex-vampirizador do Flamengo encontrava enorme diferença. Acicatada pelos padecimentos físicos, Marita não dispunha de facilidades para pensar senão nas próprias dores, contundida,
suarenta, amarfanhada... E o martírio corporal que lhe transfundia todos os impulsos, num gemido que não conseguia articular, provocava em Moreira, unicamente, simpatia e compaixão.

quarta-feira, 6 de março de 2013

LIVRO: VOLTEI DE CHICO XAVIER PELO ESPÍRITO DE FREDERICO FIGNER


ENTRE AMIGOS ESPIRITUAIS

Rogando a Jesus me auxiliasse a encontrar o melhor caminho, observei que  minha capacidade visual se dilatava. Curiosos fenômenos de óptica afetavam-me a retina hesitante. Altera-se-me a noção de perspectiva. A imagem do ambiente parecia penetrar-me. Objetos e luzes permaneciam dentro de mim ou jaziam em derredor? Dentro de semelhante indecisão, divisei duas figuras ladeando a filha dedicada.
Centralizei quanto possível o propósito de ver, mais exatamente, e tive o esforço compensado. Ambos os presentes se destacaram nítidos.
Que alegria me banhou o ser!
Numa deles, identifiquei sem obstáculos, o venerável Bezerra de  Menezes e, no  outro, adivinhei o benemérito Irmão Andrade. Pelo sorriso de compreensão que me  endereçaram, reconheci que os dois me haviam notado a surpresa indescritível.
Todavia, meu júbilo do primeiro instante foi substituído pela timidez. 
Enquanto  nos debatemos na lida material, quase nunca nos recordamos de que somos seguidos  pelo testemunho do plano espiritual, nos mínimos atos da 
existência. Falamos, com  referência aos Espíritos, com a desenvoltura das crianças que se reportam aos pais a  propósito de insignificantes brinquedos. Senti-me repentinamente envergonhado.  Quantos sacrifícios exigiram daqueles abnegados amigos?
Apesar do natural acanhamento que a presença deles me infligia, tudo fiz por  levantar-me, de modo a recebê-los com a veneração que mereciam. Tentei, porém, debalde erguer-me.
Percebendo-me as intenções, abeiraram-se de mim.  Cumprimentaram-me com palavras confortadoras de boas-vindas.  Com gentilezas, explicou-me Bezerra que o processo liberatório corria normal,  que me não preocupasse com as delongas, porque a  existência que eu desfrutara fora  dilatada e ativa. Não era possível –  disse, bondoso –  efetuar a separação de organismo  espiritual com maior rapidez. Esclareceu também que o ambiente doméstico estava  impregnado de certa substância que classificou por “fluídos gravitantes”,  desfavorecendo-me a libertação.
Mais tarde vim a perceber que os objetos de nosso uso pessoal emitem radiações que se casam às nossas ondas magnéticas, criando elementos de ligação entre eles e nós, reclamando-se muito desapego de nossa  parte, a fim de que não nos prendam ou perturbem.
Após instruir-me, benévolo, recomendou-me Bezerra esquecesse o retraimento  em que me refugiara, confiando-me a pensamentos mais elevados, de maneira a colaborar com ele para que me subtraísse ao decúbito dorsal.
Pus-me a refletir na infinita bondade de Jesus, enquanto o dedicado amigo me  aplicava passes, projetando sobre mim, com as mãos dadivosas, abundantes jatos de luz.
Ao término da operação, acentuara-se-me a resistência.
A rigor, não pude levantar-me,  nem falar. Ambos os benfeitores, porém, seguidos de Marta, que nos observava com visíveis mostras de contentamento, retiram-me do leito, determinando que me amparasse a eles para uma jornada de repouso.
“— É  necessário sair de algum modo –  acentuou Bezerra, em tom grave –, conduzi-lo-emos à praia. As virações marítimas serão portadoras de grande bem ao reajustamento geral”.
Abracei-me aos devotados obreiros da caridade, com esforço, e, não obstante verificar que o derradeiro laço ainda me atava as vísceras em descontrole, afastei-me  da zona doméstica, reparando que eu era por eles rapidamente conduzido à beira-mar.

domingo, 3 de março de 2013

ESTUDO DO LIVRO " O ESPÍRITO DA VERDADE " - MARIA J. SANCHES


PERIGO
Cap. IX – Item 1 

Cada vez que a irritação te assoma aos escaninhos da mente, segues renteando sinal de perigo. 
Mesmo que tudo pareça conspirar em teu prejuízo, não convertas a emoção em bomba de cólera a explodir-te na boca. 
Desequilíbrio que anotes é apelo da vida a que lhe prestes cooperação. 
Quando as águas, em monte, investem furiosas sobre a faixa de solo que te serve de habitação, levantas o dique, capaz de governar-lhe os impulsos. 
Diante do fogo que te ameaça, recorres, de pronto, aos extintores de incêndio. 
Toda vez que o curto-circuito reponta na rede elétrica, desligas a tomada de força para que a energia descontrolada não opere a destruição. 
Assim também, quando a prova te visite, não transfigures a língua em chicote dos semelhantes. 
Se agressões verbais te espancam os ouvidos, ergue a muralha do dever fielmente executado, em que te defendas contra o assalto da injúria. 
Se a calúnia te alanceia, guarda-te em paz, no refúgio de prece. 
Se a dignidade ofendida, dentro de ti, surge transformada em aceso estopim para a deflagração de revolta, deixa que o silêncio te emudeça, até que a nuvem da crise te abandone a visão. 
Sobretudo à frente de qualquer companheiro encolerizado, não lhe agraves a distonia. 
Ninguém cura um louco, zurzindo-lhe o crânio. 
Se alguém te lança em rosto o golpe da intemperança de espírito ou se te arroja a pedrada do insulto, desculpa irrestritamente, e se volta a ferir-te, é indispensável te reconheças na presença de um enfermo em estado grave, a pedir-te o amparo do entendimento e o socorro da compaixão. 

Emmanuel